Tópico 3 - Avaliação, mérito e competitividade (continuação)
No post da semana passada, escrevi que procurar introduzir a competitividade na docência levantava problemas sérios e graves, pelo menos, a dois níveis: a nível dos resultados e a nível dos processos. Depois de ter abordado, nesse post, o lado dos resultados (quantitativos), irei abordar hoje o lado dos processos.
No post da semana passada, escrevi que procurar introduzir a competitividade na docência levantava problemas sérios e graves, pelo menos, a dois níveis: a nível dos resultados e a nível dos processos. Depois de ter abordado, nesse post, o lado dos resultados (quantitativos), irei abordar hoje o lado dos processos.
Uma cultura profissional centrada na pressão dos resultados condiciona inevitavelmente os processos, seja qual for o domínio. Ora, se há profissões onde os processos são apenas meios para atingir determinados fins, na Educação isso não é nem pode ser assim.
Se estivermos, por exemplo, a falar de uma profissão em que o processo de trabalho se desenvolve na relação homem-máquina, essa relação só tem, do ponto de vista qualitativo, um lado crítico: o ser humano (pois, em rigor, não existe uma verdadeira relação entre homem e máquina, já que esta não possui a capacidade de desenvolver autonomamente uma acção sobre o homem — não havendo, portanto, a possibilidade de reciprocidade, que, em regra, uma relação pressupõe). Mas para além desta «relação» ser unilateral, existe nela um outro elemento relevante: a acção do homem sobre a máquina é apenas de natureza instrumental — o sujeito utiliza a máquina para atingir um fim exterior à máquina, por exemplo, produzir um produto. Isto acontece em todas actividades em que os processos são apenas meios, não são fins. O valor desses processos depende do fim que atingem, o seu valor não é, por conseguinte, incondicionado.
Na Educação, isto não sucede assim. No domínio da Educação, os processos são processos educativos e como tal desenvolvem-se no seio de uma relação: essa relação é a relação pedagógica, a relação professor-aluno. Ora, a relação pedagógica, para além de ser uma verdadeira relação — porque há uma efectiva interacção —, vale por si própria, é um fim em si mesma.
O que verdadeiramente fundamenta o carácter incondicional da relação pedagógica é o facto de o acto relacional ser um acto constitutivo da própria existência humana. A existência humana é, na sua essência, uma existência relacional e a relação pedagógica é uma das dimensões de que se reveste a nossa existência relacional. Deste modo, a relação professor-aluno é sempre detentora de valor ontológico. Ora isto tem uma consequência: isto significa dizer que essa relação pedagógica não pode ser alterada/adulterada em função da pressão de resultados quantitativos. Os resultados quantitativos não podem tornar-se o móbil da relação pedagógica. Esta não se fundamenta nos resultados.
Em geral, a relação humana não pode ser reduzida ou não pode ser refém de resultados quantitativos. Do mesmo modo que a relação pai/mãe-filho não é determinada pelos resultados quantitativos que alcança, a relação educativa — que em diversos aspectos partilha elementos com a relação maternal/paternal (na empatia, na solidariedade, na amizade, na tolerância, na responsabilização, na orientação, na penalização, etc.) — também não pode ser determinada por esse tipo de resultados.
Isto é, são os resultados (e estamos sempre a falar de resultados quantitativos) que dependem da relação pedagógica e não a relação pedagógica que depende dos resultados. Os resultados quantitativos devem surgir como consequência natural do desenvolvimento da relação pedagógica/processo educativo.
Neste contexto, tudo o que seja colocar o enfoque nos resultados quantitativos contribuirá para desvirtuar a relação pedagógica. Mas é este desvirtuamento que tem estado em curso, nos últimos anos, na nossa Educação. A cegueira política quer resultados (e depressa), a ignorância pedagógica quer resultados, a mentalidade Excel quer resultados, os ingénuos deslumbrados pelo arquétipo empresarial querem resultados, toda a gente que concebe a Educação como um meio para atingir um fim quer resultados (e depressa). E a consequência inevitável é interferir na relação pedagógica, alterar a relação pedagógica, colocar a relação pedagógica dependente dos resultados.
Se for esta a cultura que se pretende continuar a desenvolver nas escolas, teremos, certamente, do lado da estatística, bons resultados para apresentar, mas teremos também, sem nenhuma dúvida, péssimos resultados na qualidade do conhecimento e na qualidade da formação que cada escola dará aos seus alunos.
Um exemplo. Desde que os idolatrados rankings de escolas passaram a ser moda, implantada pela mentalidade Excel e em nome da (falsa) transparência, muitas escolas e muitos professores reduziram o processo de ensino-aprendizagem à exclusiva preparação para exames e à maximização de resultados. Sabendo nós das enormes limitações técnicas que o instrumento de avaliação «exame nacional» tem — quer em relação ao objecto da sua avaliação, quer em relação à forma como realiza a avaliação —, é fácil concluir como um processo de ensino-aprendizagem, submetido ao objectivo de atingir resultados, se adultera e pode ficar circunscrito ao ensino e à aquisição de técnicas de respostas a perguntas de exame nacional e de conhecimentos/competências que são avaliados nessas provas.
Estamos, assim, perante um caso de objectiva interferência nos processos educativos originada pela cultura da pressão dos resultados, neste caso, a pressão dos rankings.
Se agora tivermos presente que a pressão dos resultados passou também a estar associada à avaliação do desempenho docente (cf. o post «Sub-repticiamente»), é fácil de avaliar as desastrosas consequências que daqui advirão para todo o sistema educativo.
Repito o que escrevi no post da semana passada: a cultura da pressão dos resultados nada tem de pedagógico, ela é perversa e atenta contra a deontologia docente.
O que verdadeiramente fundamenta o carácter incondicional da relação pedagógica é o facto de o acto relacional ser um acto constitutivo da própria existência humana. A existência humana é, na sua essência, uma existência relacional e a relação pedagógica é uma das dimensões de que se reveste a nossa existência relacional. Deste modo, a relação professor-aluno é sempre detentora de valor ontológico. Ora isto tem uma consequência: isto significa dizer que essa relação pedagógica não pode ser alterada/adulterada em função da pressão de resultados quantitativos. Os resultados quantitativos não podem tornar-se o móbil da relação pedagógica. Esta não se fundamenta nos resultados.
Em geral, a relação humana não pode ser reduzida ou não pode ser refém de resultados quantitativos. Do mesmo modo que a relação pai/mãe-filho não é determinada pelos resultados quantitativos que alcança, a relação educativa — que em diversos aspectos partilha elementos com a relação maternal/paternal (na empatia, na solidariedade, na amizade, na tolerância, na responsabilização, na orientação, na penalização, etc.) — também não pode ser determinada por esse tipo de resultados.
Isto é, são os resultados (e estamos sempre a falar de resultados quantitativos) que dependem da relação pedagógica e não a relação pedagógica que depende dos resultados. Os resultados quantitativos devem surgir como consequência natural do desenvolvimento da relação pedagógica/processo educativo.
Neste contexto, tudo o que seja colocar o enfoque nos resultados quantitativos contribuirá para desvirtuar a relação pedagógica. Mas é este desvirtuamento que tem estado em curso, nos últimos anos, na nossa Educação. A cegueira política quer resultados (e depressa), a ignorância pedagógica quer resultados, a mentalidade Excel quer resultados, os ingénuos deslumbrados pelo arquétipo empresarial querem resultados, toda a gente que concebe a Educação como um meio para atingir um fim quer resultados (e depressa). E a consequência inevitável é interferir na relação pedagógica, alterar a relação pedagógica, colocar a relação pedagógica dependente dos resultados.
Se for esta a cultura que se pretende continuar a desenvolver nas escolas, teremos, certamente, do lado da estatística, bons resultados para apresentar, mas teremos também, sem nenhuma dúvida, péssimos resultados na qualidade do conhecimento e na qualidade da formação que cada escola dará aos seus alunos.
Um exemplo. Desde que os idolatrados rankings de escolas passaram a ser moda, implantada pela mentalidade Excel e em nome da (falsa) transparência, muitas escolas e muitos professores reduziram o processo de ensino-aprendizagem à exclusiva preparação para exames e à maximização de resultados. Sabendo nós das enormes limitações técnicas que o instrumento de avaliação «exame nacional» tem — quer em relação ao objecto da sua avaliação, quer em relação à forma como realiza a avaliação —, é fácil concluir como um processo de ensino-aprendizagem, submetido ao objectivo de atingir resultados, se adultera e pode ficar circunscrito ao ensino e à aquisição de técnicas de respostas a perguntas de exame nacional e de conhecimentos/competências que são avaliados nessas provas.
Estamos, assim, perante um caso de objectiva interferência nos processos educativos originada pela cultura da pressão dos resultados, neste caso, a pressão dos rankings.
Se agora tivermos presente que a pressão dos resultados passou também a estar associada à avaliação do desempenho docente (cf. o post «Sub-repticiamente»), é fácil de avaliar as desastrosas consequências que daqui advirão para todo o sistema educativo.
Repito o que escrevi no post da semana passada: a cultura da pressão dos resultados nada tem de pedagógico, ela é perversa e atenta contra a deontologia docente.