terça-feira, 4 de outubro de 2016

Incómodos milionários

A recente discussão provocada pelo anúncio de um imposto sobre patrimónios com valor fiscal superior a 500 mil euros (ou a um 1 milhão, na versão mais delicada) foi interessante de acompanhar. O interesse não residiu na elevação do debate nem na qualidade dos argumentos que contestavam o imposto (de ambas não houve sinal), o interesse esteve na observação do descontrolo reactivo e na desonestidade intelectual que o acompanhou. Na verdade, quando são tocados, ainda que suavemente, os interesses dos detentores de riqueza muito acima da média, rapidamente desaparece o discurso da justiça social e da solidariedade, e os protagonistas desses interesses passam a socorrer-se da mentira intencional e da acusação falsa e maldosa. 
Durante os quatro anos do governo PSD/CDS ouvimos sistematicamente o discurso de que todos tínhamos de fazer sacrifícios, pois todos tínhamos vivido acima das nossas possibilidades. Viemos, depois, a verificar que, afinal, não tínhamos sido todos a viver acima das possibilidades, mas somente alguns. Banqueiros, patrões e políticos desonestos e incompetentes viveram, de facto, acima das suas possibilidades e conduziram o país à bancarrota. Não foram os pensionistas e reformados (excepto aqueles que usufruem de reformas milionárias, pagas pelo Estado) nem foram os trabalhadores em geral que viveram acima das suas possibilidades. O crédito malparado de particulares, um excelente barómetro para se avaliar o endividamento excessivo, estava, na altura do resgate, significativamente abaixo da média europeia (isto, apesar do pornográfico incentivo ao endividamento que os bancos promoviam). Isto é, a população portuguesa não contraiu créditos em excessos, ao contrário do que insistentemente foi afirmado. Foram banqueiros, patrões e alguns políticos quem o fez.
Também já pudemos verificar que, afinal, não nos sacrificamos todos do mesmo modo para satisfazer as exigências dos credores. Vários estudos nacionais e estrangeiros têm confirmado o que a percepção há muito revelava: foram os mais pobres e os menos favorecidos aqueles que mais sacrifícios foram obrigados a fazer. Foram, novamente, os pensionistas, os reformados, os subsidiados, os trabalhadores de mais baixos rendimentos e os funcionários públicos sobre quem recaiu a mais pesada factura.
Apesar disto, a notícia de que poderia passar a vigorar um imposto sobre quem tem um património avultado, isto é, sobre o tal 1% mais rico e milionário, desencadeou uma reacção histérica dos visados, que foi ampliada por vários órgãos de comunicação social. Na verdade, muitos jornais, rádios e televisões comportaram-se, e muitas vezes é assim que se comportam, como meros amplificadores dos interesses da minoria milionária. Sem critério jornalístico nem isenção, prestam-se a exercícios pouco dignos de porta-vozes dos bem instalados. Foi assim que a minoria milionária tentou fazer-nos crer que o anunciado imposto iria atingir a classe média e que estava em preparação um assalto à bolsa dos remediados. 
A desonestidade, a hipocrisia e o grotesco andaram aqui a par, mas o que importa mais uma vez verificar é que em nenhuma circunstância se pode esperar que a classe rica aceite as regras da justiça social. Só o Estado democrático pode e deve, pela lei, obrigá-la a cumprir essas regras.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Taxa de IRS para mais ricos não sobe

Fotografia de Gustavo Almeida
Este era o título de uma notícia publicada há poucos dias no sítio do Expresso. Segundo este jornal, trata-se da única certeza que neste momento há sobre o que irá acontecer, em termos de IRS, no próximo ano. O argumento avançado, por uma fonte do Governo, para que não haja um aumento da taxa do escalão mais elevado daquele imposto é, cito da mesma notícia: «o aumento de tributação dos mais ricos não teria grande impacto».
Se a notícia for verdadeira, é lamentável. Na verdade, é lamentável que: a) não haja aumento deste imposto para o mais ricos; b) o fundamento dessa decisão seja o reduzido impacto orçamental desse aumento. Como é igualmente lamentável que continue ser aplicada a mesma taxa a quem tem um rendimento anual de 80 mil euros e a quem tem o dobro ou triplo desse rendimento.
Do ponto de vista da justiça social, não há nenhuma justificação aceitável para que os rendimentos milionários não sejam mais tributados, enquanto persistirem os níveis de pobreza que temos. Um Estado não pode, na parte em que tem poderes para actuar, ser co-responsável na manutenção de situações de desigualdade aviltante. Não é possível o Estado assistir de forma complacente à contínua degradação de vida de milhares de pessoas e, em simultâneo, ao contínuo e muitas vezes pornográfico enriquecimento de alguns. Não é suportável emocional e moralmente presenciar este espectáculo. O conceito de dignidade humana não é compatível com uma sociedade que permite a mendicidade como modo de sobrevivência e, por outro lado, a opulência e a riqueza desmedida. Mas é isto que diariamente nós vemos quando olhamos à nossa volta.
É por isso absolutamente irrelevante saber se o impacto orçamental do aumento da tributação dos mais ricos é maior ou menor. O problema não é de impacto financeiro, o problema é de impacto ético.
Mas, ao que parece, para o Governo isto é irrelevante.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

7 notas

Fotografia sem autor identificado
Depois de um ano em que o trabalho não permitiu deixar aqui muitos posts e antes da partida para uns dias de pausa, algumas notas soltas:

1. Os nossos banqueiros continuam alegremente a desgraçar o país. Banqueiros que, recordemos, fizeram coro com aqueles que entre 2011 e 2015 nos disserem repetidamente que «andámos a viver acima das nossas possibilidades». Com ordenados pornográficos, com mordomias e privilégios escandalosos, os homens da finança vão destruindo uma a uma as instituições bancárias e vão endereçando as facturas para as mulheres e os homens desta terra que, com ordenados miseráveis e sem nunca saberem o que são mordomias ou privilégios, vão pagando.

2. O nosso Presidente da República continua embevecido com o protagonismo que conseguiu alcançar. De afecto em afecto, de petisco em petisco, de comenda em comenda, de comentário em comentário, de feira em feira, Rebelo de Sousa arrisca-se a chegar ao final do primeiro ano de mandato sem saber muito bem em que funções foi investido e o que realmente anda aqui a fazer.

3. O líder do PSD continua igual a si próprio — agora (felizmente) sem poder. Igual a si próprio na falta de seriedade política, que foi uma constante durante os seus quatro anos de governação, e igual a si próprio na permanente defesa que faz do conglomerado de interesses que o mundo do capital lhe solicita.

4. O PS tem conseguido manter, por razões de sobrevivência eleitoral, a sua ala direita relativamente contida. Evidentemente que há uma imensa hipocrisia política que neste momento domina grande parte das hostes socialistas. São poucos aqueles que, dentro do PS, apoiam por convicção a actual solução governativa. Quando surgir a oportunidade, a ala socialista irmã gémea do PSD tudo fará para que o pântano do bloco central regresse rapidamente.

5. António Costa, enquanto primeiro-ministro, tem uma vida difícil. Quer passar pelos pingos da chuva e ficar enxuto. Não é possível. É verdade que, enquanto a chuva for miudinha e escassa e a gabardina estiver oleada, os pingos não se entranham e rapidamente secam; mas quando chegar a altura de chuvadas fortes e repetidas, António Costa vai ter de optar: ou enfrenta a chuva e molha-se ou, para evitar constipar-se, fica em casa e deixa de governar. Enfrentar a chuva e molhar-se quer dizer enfrentar o poder que neste momento domina a União Europeia (poder que tudo tem feito e continuará a fazer para destruir um governo apoiado por partidos de esquerda).

6. A actuação do Ministério da Educação tem sido confusa, como seria de esperar de quem não tinha qualquer pensamento estruturado sobre a área que (inexplicavelmente) aceitou governar. Ao fim de oito meses de governação educativa, temos boas decisões misturadas com más decisões e com decisões inexplicáveis. Mas, acima de tudo, continuamos sem saber o que pensa o ministro sobre pontos tão importantes como: a estrutura curricular do ensino básico e secundário; o modelo de gestão, o modelo de avaliação do desempenho, o modelo de colocação dos professores, a municipalização das escolas, entre outros.

7. Nota final (e filosófica): o mundo continua a ser dominado pela ideia de que os fins justificam os meios. Até no ido Europeu de futebol...

Boa pausa, para quem a puder fazer...

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sábado, 2 de julho de 2016

A nossa complacência com as elites

Fotografia de Pedro Costa
Soubemos esta semana que Miguel Relvas ficou (finalmente) sem a licenciatura que tinha obtido ilegalmente. Também esta semana ficámos a saber que Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Luís Pacheco de Melo e Amílcar Morais Pires (os dois primeiros, ex-presidentes da PT, o terceiro, administrador financeiro da PT, e o último, administrador financeiro do BES) foram acusados pela CMVM de burlarem o mercado com informações falsas nos relatórios e contas que apresentaram. Também os membros da Comissão de Auditoria da PT foram acusados, pela mesma entidade, de incumprimento das suas funções de fiscalização.
Estas são as mais recentes acusações de um infindável rol de processos resultantes de investigações realizadas pelas autoridades à actividade desenvolvida, nos últimos anos, pela designada elite financeira e empresarial. As acusações são às dezenas e os acusados às centenas. Esta elite tem-se revelado especialmente vocacionada para a prática de crimes.
Junte-se a este amontoado de indivíduos pertencentes à elite dos banqueiros e dos patrões o grupo de uma outra elite, a dos políticos que foram ou estão a ser objecto de processos judiciais (um primeiro-ministro, ministros, deputados, autarcas), e o número de implicados passa a atingir proporções verdadeiramente assustadoras.
Apesar destas elites já terem o usufruto indevido de indecorosas mordomias, que lhes advêm do facto de pertencerem a classes sociais desmedidamente privilegiadas, isso não as inibe de acumularem esses privilégios com a prática de gravíssimos crimes financeiros e económicos. Gente medíocre, incompetente e criminosa tem, pois, dominado a nossa vida colectiva.
Todavia, o olhar com que lemos estes factos não é menos assustador: olhamo-los de forma condescendente e resignada, encaramo-los como um azar do nosso destino colectivo ou, segundo um exercício intelectual supostamente mais elaborado, como uma fatalidade inerente à natureza humana... 
No dizer destes olhares, é uma inevitabilidade do destino ou da natureza humana uns terem de pagar (enquanto vítimas de exploração, de burla, de roubo, de corrupção, de evasão fiscal, etc.) para que outros possam usufruir, legal ou ilegalmente, do esplendor de uma vida apenas sustentável na ordem dos milhares ou dos milhares de milhões, seja qual for a divisa de que estejamos a falar. Uma oculta e misteriosa lei dividiria, portanto, os seres humanos em dois grupos: os que trabalham e pagam; e os que recebem e fruem, legal ou ilegalmente. Esta suposta lei da natureza seria a justificação para uma atitude tolerante que todos deveríamos ter em relação às desigualdades sociais legais e uma atitude passiva em relação à designada criminalidade de colarinho branco, porque o seu combate seria da exclusiva responsabilidade do poder judicial.
Contudo, há outros modos de olhar para esta realidade. Um outro modo é aquele que vê esta situação como a consequência decorrente, em grande parte, de uma demissão, de uma renúncia, de uma fuga ao cumprimento de um dever, que é simultaneamente um direito. Refiro-me ao dever e ao direito de exercermos o escrutínio directo de todas as actividades públicas que se desenvolvem à nossa volta. Refiro-me ao dever e ao direito de não delegarmos, sem controlo, quaisquer poderes públicos. Ao dever e ao direito de não aceitarmos a ideia de que existem seres humanos superiores a outros e de que essa alegada superioridade lhes dá direitos que ficam vedados aos restantes. O próprio exercício da Justiça tem de ser rigorosamente escrutinado. Polícias, advogados, magistrados e juízes não são seres humanos à parte dos restantes, possuídos de poderes intocáveis. Os poderes de que usufruem foram-lhes poderes emprestados/delegados pelos cidadãos (e porque lhes foram emprestados/delegados, também lhes podem ser retirados ou alterados).
Enquanto não realizarmos este dever/direito de cidadania plena em todos os locais e em todas as actividades onde desenvolvemos as nossas vidas, seremos, por inacção, coniventes com todas as situações relativas à realidade social que construimos.
Enquanto nos limitarmos ao depósito quadrienal de um boletim de voto na urna que a Junta de Freguesia nos disponibiliza, continuaremos não apenas a assistir ao aprofundamento de repugnantes desigualdades sociais como ao crescente exercício de violação das leis da nossa res publica.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Virtudes cardeais


«Castidade - De acordo com o The Independent, o mercado inglês das orgias está a ferver. As festas, destinadas às elites, decorrem em mansões avaliadas em mais de 30 milhões de euros e os participantes são criteriosamente escolhidos pelos organizadores. 
Generosidade - Nos últimos quatro anos, foram transferidos mais de 1300 milhões de euros de Portugal para o Panamá. Os mal-intencionados dirão que se trata de uma inadmissível fuga aos impostos, mas convém lembrar que, ao transferir dinheiro para o Panamá, estes portugueses têm ajudado muitas famílias panamianas que, de outra forma, estariam a viver com grandes dificuldades. Uma salva de palmas para estes beneméritos que, quando é para ajudar o próximo, não olham à nacionalidade.»
Ler, n.º 142.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Uma classe bem remunerada

    «De entre todas as profissões no mundo há uma que merece especial cuidado: a dos economistas "da esfera pública", ou seja, que se ocupam dos grandes sistemas, dos grandes planos, das grandes previsões — e, sobretudo, dos grandes falhanços. Técnicos do Banco Mundial, astrólogos do FMI, parapsicólogos do Banco Central Europeu, tarólogos do Banco de Portugal, professores Karamba da Comissão Europeia, ovnilogistas da OCDE, todos se reúnem para garantir o mais elevado montante possível de capital para distribuir por bancos, "instituições financeiras", construtores de autoestradas e sedes de "instituições europeias" — e falham. E quando tudo falha tratam de recomeçar o jogo, nomeadamente através da criação de "bancos maus" que fiquem com os prejuízos das suas operações, enquanto vão criando "bancos bons" que, mais tarde, no longo ciclo das coisas, hão de tornar-se "bancos maus", e assim sucessivamente. [...]
         Ora, esta classe profissional não faz mais do que prolongar — até mais longe do que julgávamos possível — o lema de Samuel Beckett, "falhar, falhar de novo, falhar melhor". Ao contrário de qualquer escritor — que seria banido ao fim de três falhanços de grande qualidade — o percurso dos nossos economistas da "esfera pública" transforma-os em personagens de grande literatura, com a diferença (em relação aos da literatura) de que são sempre agraciados com uma conta bancária muito decente. Inclusive na Caixa.»
Francisco José Viegas, in LER, n.º 142.

sábado, 11 de junho de 2016

Presidências e trivelas

Fotografia de Mário Henrique Kämpf.
1. O que diria o comentador de televisão Rebelo de Sousa se fosse convidado a comentar a actuação do actual Presidente da República, num daqueles domingos à noite? O comentário seria certamente semelhante a isto:
«Judite, o homem não pára, anda frenético, está deslumbrado. É compreensível: há dezenas de anos que procurava protagonismo com poder político, agora tem-no, está nas nuvens. A Judite recorda-se, o homem, quando era comentador, já revelava um fascínio incontido pela câmara de televisão que lhe apontavam ao domingo à noite; imagine o que neste momento ele sente quando lhe apontam não uma mas várias câmaras de televisão, todos os dias e a toda a hora. O tipo não se consegue conter... O problema é que o homem, no meio deste frenesim, começa a perder o controlo do que diz, e depois vê-se obrigado a desdizer hoje o que disse ontem, a esclarecer hoje a insinuação que fez ontem ou a tapar hoje o buraco que abriu ontem. O homem ainda não percebeu que ser Presidente da República é um pouco diferente de ser o tipo do "bitaite" ambulante. Mas o que é que se pode fazer? Olhe, como nunca me passaria pela cabeça querer ser Presidente da República, assisto a tudo isto divertidíssimo. Entretanto, para si, Judite, trouxe uns cachecóis da nossa selecção e uns ovos moles de Aveiro.»

2. Com um Presidente assim, com um mês de futebol pela frente, com uma selecção de futebol que praticamente já é campeã europeia, com um mês de Jogos Olímpicos, mais o Verão que se aproxima, que preocupações nos poderão apoquentar? 
A extrema direita galopa pelo norte da Europa; somos ameaçados com sanções pela Comissão Europeia; os nossos políticos pedincham servilmente para que não nos castiguem; Portas sai de ministro e vai directamente para a Mota-Engil; Assis quer que o PS volte a ser o PSD cor-de-rosa; os interesses privados amigos dos dinheiros públicos vestem-se de amarelo; a elite financeira continua a desgraçar o país; a dívida continua a matar-nos aos poucos e o cerco aperta-se, mas que importância isto pode ter? Nenhuma. Umas presidências de afectos e umas boas trivelas tudo resolvem.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Na Grécia: Parlamento proíbe ligações de políticos a offshores. Direita sai da sala


Alexis Tsipras no Parlamento grego.

«Os deputados da Nova Democracia abandonaram o parlamento no momento da votação da lei que proíbe deputados, governantes e titulares de cargos políticos de participarem em sociedades sediadas fora da Grécia.»

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domingo, 5 de junho de 2016

Desigualdade — O que fazer? (1)

   «A desigualdade encontra-se, neste momento, na vanguarda do debate público. Já muito se escreveu acerca do 1 por cento e dos 99 por cento, e mais do que nunca temos noção da abrangência da desigualdade. [...] O mundo está a braços com problemas graves, mas coletivamente não somos impotentes contra forças que nos escapam ao controlo. O futuro está, mais do que nunca, nas nossas mãos.
Desigualdade de oportunidades e desigualdade de resultados 
   O conceito de igualdade de oportunidades é bastante atraente, mas será que isso significa que a desigualdade de resultados é irrelevante? Para mim, a resposta a essa questão é "não". [...] Para chegarmos ao porquê, teremos de começar por explicitar a diferença entre os dois conceitos. 
   A desigualdade de oportunidades é grosso modo, um conceito prévio (ex ante) — todos deveriam ter um ponto de partida equivalente —, ao passo que grande parte da atividade redistributiva se prende com resultados posteriores (ex post). Os indivíduos que julgam que a desigualdade de resultados é irrelevante consideram que a preocupação com os resultados posteriores é ilegítima e acreditam que, assim que se estabelece o campo de jogo nivelado para a corrida da vida, não nos devemos preocupar com os resultados. Para mim, isto é errado por três motivos.
   Em primeiro lugar, para a maioria das pessoas seria inaceitável ignorar completamente o que acontece depois do tiro de partida. Os indivíduos podem aplicar esforço, mas ter pouca sorte. Imaginemos que alguém tropeça e cai na pobreza. Qualquer sociedade que seja humana vai garantir-lhe auxílio. Além disso, são muitos os que acreditam que esse auxílio deve ser prestado sem que se pense nos motivos que levaram a pessoa a passar por momentos difíceis. Tal como referem os economistas Ravi Kanbur e Adam Wagstaff, seria moralmente repugnante "condicionar a oferta de sopa à avaliação do motivo, circunstância ou esforço, por que o indivíduo [...] está na fila para a sopa dos pobres".
   [...] Segundo motivo [...]. É preciso distinguir entre igualdade de oportunidades competitiva e não competitiva. Esta garante que todos têm possibilidade de concretizar os seus projetos de vida independentes. Continuando com a analogia desportiva, todos podem ter a oportunidade de conseguir um certificado de natação. Por outro lado, a igualdade de oportunidades competitiva significa apenas que todos temos a possibilidade de participar numa corrida — uma competição de natação — com prémios desiguais. Neste caso, que é mais típico, existem recompensas desiguais posteriores, sendo aqui que entra em campo a desigualdade de resultados. É a existência de uma distribuição de prémios extremamente desigual que nos leva a dar tanta importância à garantia de que a corrida é justa. A par disso, a estrutura dos prémios é, em grande medida, uma construção social. As nossas disposições económicas e sociais determinam se o vencedor recebe uma coroa de louros ou $ 3 milhões [...]
 [...] O terceiro motivo para que nos preocupemos com a desigualdade de resultados é o de ela afetar diretamente a igualdade de oportunidades — da geração seguinte. Os resultados ex post de hoje definem as condições ex ante de amanhã: os que hoje beneficiam com a desigualdade de resultados poderão transmitir amanhã uma vantagem injusta aos filhos. [...] Uma desigualdade de resultados entre a geração atual está na base da vantagem injusta recebida pela próxima geração. Se nos preocuparmos com a igualdade de oportunidades de amanhã, temos, necessariamente, de nos preocuparmos com a desigualdade de resultados de hoje.»
Anthony B. Atkinson, Desigualdade — O que fazer?, Bertrand Editora. 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Três «sms»

Fotografia de José Almeida
Devido a obrigações profissionais, não tenho tido disponibilidade para «blogar» sobre o que se vai passando na nossa frenética vida pública. Mas hoje «blogo» três «sms».

1. É impressionante a nossa produção noticiosa. Na verdade, a nossa capacidade de produzir notícias e de as fazer «render» não sofre de défice. Se alguém decidisse avaliar o que entre nós se passa a partir do que os nossos órgãos de comunicação social veiculam, ficaria com a ideia de que o país vive em permanente ebulição e em permanente estado de urgência de tomada de decisões vitais para a sua sobrevivência. Dá a ideia de que vivemos constantemente junto do precipício e em risco iminente de descalabro. Tudo assume uma gravidade transcendente.

2. A esperada pressão sobre o actual governo não pára. Comissão Europeia, Eurogrupo, FMI, unidades técnicas disto, comissões daquilo, associações daqueloutro e especialistas de tudo revelam uma vitalidade inesgotável na pressão que exercem sobre os principais ministérios. Alertas, avisos, projecções e previsões sucedem-se a um ritmo de tirar o fôlego. Saudosos, todos eles, dos bons velhos tempos de Passos Coelho e da Troika, não desarmam nem desarmarão na preservação ou na recuperação das políticas de fomento de desigualdades e de injustiça social e de manutenção de privilégios de casta. A objectiva falta de seriedade e de competência das elites que conduziram o país à bancarrota (elites política, financeira e empresarial) não as inibe (nem inibirá) de continuarem a combater qualquer pequena alteração social que possa diminuir o seu poder.

3. A recente algazarra ocorrida a propósito do financiamento do Estado a colégios privados foi interessante e confirmativa: há muito sector privado que adora ser sector privado, que pretende manter os privilégios de ser sector privado, desde que o sector público garanta as respectivas rendas. É notável a falta de coerência e de vergonha de muitos dos acusadores e depreciadores de tudo o que tenha natureza estatal. Amaldiçoam os gastos do Estado, mas são normalmente os primeiros na fila dos subsídios, ou para os receberem ou para reclamarem a sua entrega aos membros do clube.
Curiosamente, esta algazarra também foi confirmativa do lado pantanoso do PS. Daquele lado que, como recentemente um dirigente social-democrata lembrou, está perto do PSD — quer do ponto de vista ideológico quer do ponto de vista da defesa dos interesses (bem) instalados.
Comum a todos é a falta de escrúpulos na argumentação e na utilização de crianças como meio para atingirem os seus não confessados fins.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O destino do dinheiro dos resgates à Grécia

«Um estudo de dois investigadores alemães conclui que dos 216 mil milhões de euros dos resgates dos últimos seis anos, apenas 9.7 mil milhões foram parar ao Orçamento grego. Ou seja, menos de 5% do total serviu a população, enquanto 95% foi para os cofres dos bancos europeus.»


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domingo, 1 de maio de 2016

Labor

Poema ao 1.º de Maio

1.° de Maio,
do sol vê-se o raio
arauto da vida,
bandeira estendida,
com a negra divisa
que o povo organiza.
Um mundo de amor
que extingue o opressor,
termina com a guerra,
socorre a terra
da morte eminente
sob a forma doente
do mal capital,
que recebe o aval
dos vampiros sedentos
pelos jovens rebentos,
sacrificados no rito,
trabalhando ao apito
que aciona à alvorada,
e ao fim da jornada,
quando o sol já se pôs.
E a um barraco depois
seguem rumo inseguro,
um caminho escuro
onde esperam soldados
por patrões ordenados.

Mas alguns não arreiam,
e indignados semeiam
nos tijolos pioneiros,
de corpos guerreiros,
a justiça que escavam,
e os braços trabalham
no levante da massa
em defesa da causa.
Frutificai do martírio
nos campos ó Lírio,
pois em vão não partiram
e com gloria caíram
em Chicago a tiros,
misturados aos gritos.
Foram com dignidade
com firmeza e coragem,
pois naqueles valentes
os cães obedientes
dispararam com fúria.
Mas para além da penúria
seus irmãos solidários,
não mais solitários,
organizavam mais firmes
suas marchas sublimes,
da redenção o ensaio:
O 1° de Maio.

Jaguarape

domingo, 24 de abril de 2016

25


O dia 25 de Abril de 1974 foi certamente o dia mais importante da história de Portugal do séc. XX. Os militares que tiveram a lucidez e a coragem de derrubar o regime que oprimia e embrutecia o país criaram as condições para que os portugueses pudessem finalmente ter acesso aos bens básicos: à Liberdade, à Paz, ao Pão, à Educação, à Saúde, à Habitação. Em poucos anos, a qualidade de vida da população portuguesa teve uma evolução enorme — não devemos esquecer, contudo, que o ponto de partida era tão baixo que qualquer transformação positiva tornava-se e tornou-se da maior importância.
Celebrar esta data é, pois, também, celebrar a melhoria de vida de milhões de portugueses.

Mas, agora, o mais importante não é comparar o que somos hoje com aquilo que éramos há 42 anos — essa comparação, sem contextualização, como muitas vezes é feita, torna-se mesmo falaciosa. O que é, com certeza, relevante fazer é comparar o que somos hoje com o que poderíamos e deveríamos ser e não somos.
Hoje temos a economia depauperada, o sector financeiro arruinado, a educação sem rumo, a saúde em regressão, o desemprego elevado, a segurança social incapacitada, pensões miserabilizadas, trabalho precarizado e futuro sem esperança. De facto, as designadas e muitas vezes enaltecidas elites portuguesas têm arruinado e desonrado o país. É esse o resultado objectivo da sua acção.
A elite política, que na última década nos governou, conduziu-nos aceleradamente ao desastre. Sócrates foi um líder impreparado, inepto e emocionalmente desequilibrado, e falta saber se, para além disto, também criminoso. Financeira e economicamente conduziu-nos à indigência. Na educação, colocou à frente do ministério uma mulher técnica e politicamente incompetente, além de patologicamente arrogante. Na Segurança Social, deu início aos cortes nas reformas. Na saúde, começou a redução dos locais de atendimento dos doentes. Foi também com ele que se iniciaram os cortes nos vencimentos, nas reformas e pensões. Os seus seis anos de governação terminaram com um pedido à Comissão Europeia para que resgatasse o país.
Passos Coelho chegou ao poder tecnicamente impreparado, mas fanatizado na meia dúzia de ideias que possuía. De perfil subserviente perante os mais poderosos estrangeiros, não hesitou em cumprir as ordens exteriores e conduziu-nos à miséria e a uma repugnante desigualdade social.
Mas a nossa ruína deve muito à nossa elite financeira, outrora apresentada como modelar. Nos últimos anos, quase nenhum banco português passou imune à incompetência ou à criminalidade. As lideranças do BPN, BPP, BCP, BES e BANIF, por inépcia ou por corrupção ou por compadrio ou por ilegalidades de natureza diversa, têm devastado a riqueza privada e, acima de tudo, têm destruído a riqueza pública. São os impostos pagos por aqueles que trabalham que têm suportado o descalabro provocado por esta associação de indivíduos sem escrúpulos.
A este cenário de desgraça, junta-se um patronato ainda globalmente grotesco e uma presunçosa classe de gestores que pouco mais vê do que a folha de Excel. Não é possível, pois, esperar destas elites nada de particularmente positivo para o país.
Até a comunicação social, que outrora foi um palco onde o debate contraditório era exercido com alguma propriedade, se tornou parceira do pântano do conformismo e do «centrão» político. A TSF, o Expresso e a SIC são os mais recentes exemplos do estado doentio a que a nossa rádio e os nossos jornais e televisões chegaram.

Sobra algum motivo para assinalarmos o 25 de Abril, para além da data histórica que não deve ser esquecida? Julgo que, neste momento, ano de 2016, temos um outro motivo: o imperativo da reafirmação de que existem alternativas à ideologia dominante na Europa, que, neste momento, só não o é em Portugal porque o actual governo está (felizmente) dependente dos apoios parlamentares do BE e do PCP. Afirmar o 25 de Abril hoje é certamente afirmar esta vitória (ainda que muito modesta) e lutar para que ela se amplie e reforce.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

terça-feira, 22 de março de 2016

Poemas - Congresso Internacional do Medo


Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Carlos Drummond de Andrade


segunda-feira, 7 de março de 2016

O consenso de que não precisamos

Fotografia de Pixel Eye.
Desde há uns meses que a palavra consenso retomou protagonismo na nossa vida pública. 
Primeiro, surgiu associada a um profundo queixume provocado pela sua alegada ausência; agora, nas últimas semanas, surge como um apelo e uma luz orientadora de certas acções.
Foi muito chorada a inexistência de um consenso que tivesse permitido a formação de um governo suportado pelos três partidos que durante décadas formaram o restrito clube do arco da governação (PS-PSD-CDS). Foi muito contestada a opção do PS de se aliar aos partidos da esquerda parlamentar, de modo a recolher apoio para a formação de um governo da sua responsabilidade. Esta opção foi designada de irresponsável. O acordo político PS-BE-PCP-PEV foi mesmo considerado, pelas forças políticas e económicas que têm dominado o regime nas últimas décadas, uma traição ao histórico consenso tripartido do centro-direita (PS-PSD-CDS). As campainhas de alarme soaram.
Na verdade, o desrespeito pelo histórico consenso tripartido ameaça fortíssimos interesses instalados e tem associado a si um perigo maior: o de poder fazer caminho. Isto é, o perigo de poder vir a ser considerado uma alternativa credível às políticas levadas a cabo, durante 40 anos, pelo consenso tripartido do centro-direita. Esta simples possibilidade deixa atemorizados todos aqueles que têm sido defensores e beneficiários desse consenso: protagonistas políticos, financeiros, empresariais e muitos «jornalistas» (os que deixaram de fazer jornalismo, para se tornarem comentadores oficiosos do regime do consenso). É por isso que aqueles que nos últimos quarenta anos sempre defenderam o capital em detrimento do trabalho, aqueles que fizeram o trabalho pagar os crimes e os esbulhos dos banqueiros, aqueles que sempre protegeram a arrogância e a incompetência de patrões que desrespeitam os seus profissionais, aqueles que nutrem um incontido desprezo por pensionistas, reformados e funcionários públicos; todos eles tudo farão, dentro e fora do país (junto da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, do Eurogrupo, do Banco Central Europeu), para que o actual governo se estatele, de forma a criarem-se condições para um regresso ao histórico consenso tripartido do centro-direita. E António Costa devia saber disto e devia saber que se esta experiência governativa falhar, por culpa própria ou alheia, será ele o primeiro a ser rapidamente removido do palco político. Não deveria, por isso, tomar a iniciativa de encenar consensos com protagonistas que não só fizeram mal ao país durante décadas, como recentemente tudo fizeram para impedir que o actual governo se formasse. E fizeram-no de modo rasteiro, mesquinho, traiçoeiro.
Na realidade, é incompreensível que António Costa tenha convidado o (ainda) Presidente da República para presidir a um Conselho de Ministros e que, no final, tenha proferido um discurso falso e bajulatório de uma das figuras mais medíocres da actual República.
Alimentar a ideia de que Cavaco Silva foi um político sério, exigente e rigoroso é alimentar uma falsidade. Em vinte anos de poder, a seriedade política esteve quase sempre ausente da sua acção; desde logo, pelo facto de nunca ter tido a seriedade de se assumir como político, mantendo a grotesca encenação de distanciamento da classe política; e, depois, pelo facto do seu trajecto político ter sido feito de permanentes ziguezagues, dizendo e fazendo hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, sempre determinado ou pelo oportunismo ou pela mesquinhez ou pelo revanchismo.
Não queremos nem precisamos de consensos destes. Assim como não queremos nem precisamos de regressar ao histórico consenso tripartido do centro-direita, pelo qual o novo presidente, que esta semana toma posse, se irá bater empenhadamente.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Manifesto - Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica




APEVT

Manifesto
(Excerto)

Pela promoção da Educação Artística e Tecnológica na Educação
Básica que vise a formação integral de todos

[...]
Com o objetivo de devolver às escolas e aos alunos, a curto prazo, as condições necessárias ao ensino aprendizagem na Área Artística e Tecnológica, contrariando as tendências decorrentes de uma política que acentuou um ensino centrado na verbalização do conhecimento e nas aprendizagens formalistas e funcionalistas centradas em exercícios / conteúdos com valor e significado em si mesmo, os professores definiram três Domínios de Intervenção Prioritária: 
1. Desenvolvimento curricular
Anulação reorganização do atual modelo do sistema educativo, (Metas Curriculares e Planos Curriculares do Ensino Básico), de modo a garantir uma educação integral para todos, tal como prevê a Constituição da República Portuguesa:
Que permita promover as literacias artísticas e tecnológicas, através da estruturação de modelos disciplinares coerentes, integradores e sequenciais nos três ciclos de estudo;
Que valorize o papel e lugar destas áreas educativas na matriz curricular, pelo aumento da carga horária;
Que garanta a sequencialidade programática entre as Expressões no 1º CEB e a EVT no 2o CEB;
Que anule o retrocesso educativo e as incongruências curriculares no 2º CEB, repondo a disciplina de Educação Visual e Tecnológica;
Que promova as aprendizagens em Educação Tecnológica, no 3º ciclo, com carater obrigatório;
Que garanta o alargamento dos estudos em Educação Tecnológica no Ensino Secundário;
Que elimine a incoerência na transformação curricular de Educação Visual, 3º ciclo, decorrente das Metas Curriculares. 
2. Desenvolvimento socioprofissional Promoção do sentido de profissionalidade docente, evitando a desumanização e intranquilidade do ambiente escolar;
Que reduza o número de alunos por turma possibilitando aos professores perseguirem em melhores condições as finalidades educativas com que atualmente se confrontam;
Que crie equipas curriculares com regimes de docência partilhados para que a escola se
Que torne visível a estabilidade socioprofissional, (a segurança no trabalho, a equidade e clareza na colocação de professores e na distribuição do serviço docente), devolvendo o protagonismo e o reconhecimento que os professores merecem por parte da sociedade. 
3. Programa de acompanhamento e monitorização
A APEVT afirma o seu total empenho na construção de um projeto
educativo sólido e de qualidade para a escola portuguesa, particularmente no que diz respeito à evolução da organização curricular das áreas educativas da Educação Visual/Artes Visuais e Educação Tecnológica.
Neste quadro, defendemos que qualquer alteração passará necessariamente por um processo e modelo que integre as seguintes fases:
Elaboração de uma proposta base;
Discussão pública (auscultação e envolvimento das entidades que
trabalham estas áreas);
• Programa de experimentação, acompanhamento, apoio e monitorização; •Formação/atualização da formação contínua de professores;
• Plano de implementação (monitorização e avaliação com desenvolvimento de dispositivos de regulação).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Investigação sobre assédio moral em professores portugueses

Por solicitação do doutorando António Portelada, da Universidade de Évora, divulga-se a investigação abaixo descrita e o pedido de colaboração na mesma.

Caro(a) Colega 
O projeto “lMPORTUNUS: estudos de caracterização do assédio moral em professores Portugueses” apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é realizado por António Portelada, aluno do 2º ano do Curso de Doutoramento em Ciências da Educação na Universidade de Évora, orientado pelo Professor Doutor António Neto e pela Professora Doutora Adelinda Candeias.
 O projeto destina-se a caracterizar e compreender, em que medida, o assédio moral ou mobbing está presente e como se manifesta, assim como, descobrir em que grau ele afeta o bem-estar, equilíbrio psicológico e integridade dos professores a nível nacional. Com um melhor conhecimento da temática em questão, poder-se-á obter uma melhor compreensão do fenómeno, bem como atuar na sua prevenção. Para que tal seja possível, pretendemos aplicar o Questionário “lMPORTUNUS: estudos de caracterização do assédio moral em professores Portugueses” pelo que gostaríamos de contar com a sua colaboração na resposta ao questionário que foi já previamente submetido à apreciação da Direção Geral da Educação, Sistema de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar, e devidamente aprovado com o n.º de registo 0512600001.

As suas respostas são CONFIDENCIAIS e ANÓNIMAS, não tendo este questionário outra intenção além da que foi acima descrita. A sua participação, com a resposta sincera às questões propostas, é imprescindível para o sucesso deste projeto.
Estimamos que a resposta ao questionário não demore mais de 20 minutos.
Para preencher o questionário clique aqui ou, em alternativa, aceda pelo link: https://docs.google.com/forms/d/1l7gL20ICNiD5vRGS9XODjJuYXU15wUjKRfySLwU4j3s/viewform?usp=send_form. 
Alguma dúvida ou esclarecimento adicional, por favor contacte-nos para o seguinte endereço de correio eletrónico: mobbingprof@gmail.com  
Os nossos sinceros agradecimentos e os melhores cumprimentos, 
António Portelada

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Crato e Rodrigues - a condecoração que os uniu...

 Na semana passada, o (ainda) Presidente da República, condecorou 8 ex-ministros. Entre eles, estavam Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, ex-ministros da Educação.
O acto de condecorar, independentemente do condecorador e dos condecorados, é, em si mesmo, discutível, mas, neste caso concreto, quando olhamos com atenção para quem condecora e para quem é condecorado o discutível torna-se incompreensível. Incompreensível em pelo menos dois sentidos.
Primeiro: é difícil compreender que alguém, mesmo aqueles que concordam com o exercício de condecorar, considere honroso ser condecorado por Cavaco Silva. Na verdade, Cavaco Silva foi dos políticos que mais negativamente marcou a história recente do nosso país — quer pelas muito evidentes limitações a nível da formação cultural (que fez dele um representante exótico do nosso país), quer pela muito evidente ausência de honestidade política e evidente presença de mesquinhez política, quer pelas evidentes opções desastrosas que tomou, enquanto governante (como ministro das Finanças e como primeiro-ministro) e enquanto Presidente. Considerar significativo e até honroso receber uma condecoração resultante de uma avaliação feita por Cavaco Silva é, pois, de difícil compreensão.
Segundo: é igualmente incompreensível que Rodrigues e Crato possam receber uma condecoração pela mesma razão, ou seja, pelo desempenho que tiveram como ministros da Educação. 
Crato, antes de ser ministro, criticou assídua e veementemente a política educativa de Rodrigues. Considerou-a um desastre. Quando ministro, afirmou múltiplas vezes que estava a realizar alterações profundas em todo o sistema (avaliação do desempenho dos docentes, alteração da estrutura curricular do ensino básico e secundário, alteração de programas, substituição de metas por objectivos, abandono dos cursos de educação e formação, introdução de cursos vocacionais, proliferação de provas de exame, etc.). Por sua vez, Rodrigues não se cansou de acusar Crato do mal que este estava a fazer aos alunos, à educação e ao futuro do país. Acusou-o de levar à prática orientações que desvalorizavam o ensino público, que contrariavam o objectivo de criação de uma escola inclusiva, que tomava decisões fundadas apenas em crenças ideológicas, etc. Classificou a sua política de desastre.
Daqui retira-se que Crato desfez o que Rodrigues fez e que Rodrigues nunca faria o que Crato fez.
Isto tem uma consequência: se se considerar que, em matéria educativa, Rodrigues prestou um bom serviço ao país, não se pode, ao mesmo tempo, considerar que Crato o tenha feito também. Se se considerar que, em matéria educativa, Crato prestou um bom serviço ao país, não se pode, ao mesmo tempo, considerar que Rodrigues o tenha feito também. Condecorar os dois é, pois, um acto contraditório. Um acto que se anula a si mesmo, porque uma condecoração anula a outra. 
Ou, então, na verdade, as condecorações nada significam, porque quem as dá não tem credibilidade nem critérios para o fazer e/ou porque quem as recebe não as merece receber e/ou porque, afinal, a condecoração é apenas um ritual de comprazimento, em que membros de um mesmo círculo se condecoram uns aos outros.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

O PS está a tomar opções políticas que, por si só, jamais tomaria?

Fotografia de José Almeida
1. Li, algures, que o PS estava a tomar opções políticas que, por si só, jamais tomaria. Quem fazia esta observação aludia a opções concretizadas a nível do Orçamento de Estado e a algumas decisões tomadas a nível do governo e do parlamento. O comentário em questão referia-se, como é evidente, aos condicionamentos a que o PS está sujeito, decorrentes dos acordos que celebrou com o BE, o PCP e o PEV. Isto era dito com um sentido claramente pejorativo. Mas podia ter sido dito com um sentido oposto. Estamos, aliás, perante uma ocorrência comum: um mesmo facto ter interpretações diferentes ou mesmo opostas. 
Na verdade, é um facto que o PS está a tomar opções políticas que, por si só, jamais tomaria, e que isso acontece porque está condicionado pelos acordos que celebrou com o BE, o PCP e o PEV. Esta realidade, que é verificada por todos, é tida pelo autor daquela observação como uma situação negativa, perigosa, insustentável. Curiosamente, faço parte do grupo daqueles que vêem esta realidade como positiva, virtuosa e sustentável. 
É inteiramente verdade que, se o PS não tivesse celebrado os acordos com os partidos da esquerda parlamentar e deles não estivesse dependente, não estaria a fazer a política que está a fazer. Estaria a fazer, como quase sempre fez, uma política idêntica ou ligeiramente diferente das políticas do PSD e CDS, isto é, uma política idêntica às políticas que o tradicional arco da governação praticou durante as últimas décadas e que conduziu o país a escandalosos níveis de desigualdade e de injustiça social.
É precisamente a circunstância da sobrevivência do governo do PS depender do apoio do BE, do PCP e do PEV que o obriga à tomada de medidas que farão reverter totalmente, em 2016, algumas das situações mais injustas que PSD e CDS geraram, quando governaram coligados (algumas delas — cortes nas pensões e nos salários — iniciadas, como se sabe, por um governo do PS, o de Sócrates). É precisamente a circunstância da sobrevivência do governo do PS depender do apoio do BE, do PCP e do PEV que originou um orçamento de Estado muito diferente daquele que decorreria se dependesse apenas do programa eleitoral do Partido Socialista. É justamente a circunstância da sobrevivência do governo do PS depender do apoio do BE, do PCP e do PEV que fez com que a banca e as grandes empresas tenham, em 2016, um aumento de impostos.
É, portanto, inteiramente verdade que o governo do PS está a tomar opções políticas que, por si só, jamais tomaria. Uma «pequena» diferença que pode fazer alguma diferença...

2. Uma das prioridades do novo presidente eleito, Rebelo de Sousa, vai ser a de criar condições para que esta situação termine o mais rapidamente possível, e que PS e PSD deixem de ser irmãos desavindos. Rebelo de Sousa irá empenhar-se activamente (ainda que também discretamente) para que se regresse ao pântano político do bloco central. Se o novo presidente conseguir realizar este objectivo, muitos dos que votaram em Rebelo de Sousa vão arrepender-se de o terem feito. Mas, como é hábito entre nós, nessa altura, já será tarde.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Continuamos um povo crédulo

Fotografia de Pixel Eye.
Continuamos a ser um povo crédulo. Um povo que ainda vive muito de futebóis, de fado e de Fátima. O futebol alimenta-nos, de modo fácil, o mito das grandezas, o mito de que poderemos voltar a ser grandes em alguma coisa, mas sem trabalho (delegamo-lo numa dúzia de heróis do pontapé); o fado, algo paradoxalmente, alimenta-nos o mito de um destino de dor, ingratidão e desamor, que de forma inexorável marca o rumo à nossa existência individual e colectiva, o que justifica a tendência para a lamúria (e para a inacção); e Fátima alimenta-nos o mito de que, apesar de tudo, poderemos ter esperança numa imaginada recompensa (dos pobres é o reino dos céus).
Formados e alimentados nestes mitos, estendemos a nossa credulidade a quase tudo. Como crianças ingénuas, somos aliciados por narrativas de afectos, de ternuras e de carinhos. Somos atraídos por contos que nos falem de misericórdias, de caridades, de sentimentos cristãos, de avós e de netos. Sentimo-nos próximos do olhar cândido, do sorriso condescendente e do conselheiro paternal. Afeiçoamo-nos ao portador do mistério da elevada sabedoria e, em simultâneo, protagonista de actos de proximidade e simplicidade que nos enlevam e ilusoriamente nos fazem sentir seus cúmplices, companheiros, amigos. Desejamos ser cordeiros conduzidos pelo pastor protector.
Além disto, também não temos memória. Apagámo-la voluntariamente e com gosto, se ela contradisser a nossa ingenuidade, a nossa atracção, o nosso sentimento, a nossa afeição, o nosso desejo. Nada queremos com uma memória de factos potencialmente destruidores da ilusão. Preferimos o esquecimento que permite manter viva a chama da fantasia.
Vemos no exercício da análise, do escrutínio e da crítica uma perda de tempo e um aborrecimento. Não querendo averiguar as causas, não compreendemos os efeitos e ficamos sem perceber nada do que nos acontece. Todavia, mantemo-nos campeões do «bitaite», do palpite e da insinuação. Com a barriga encostada ao balcão, ainda deitando abaixo «copos de três», ou, no meio da rua, deitando abaixo shots, ou, de rabo no sofá, deitando abaixo novelas e reality shows, somos imbatíveis a absorver álcool, estupidez e dormência cívica, 
Deste modo, com tranquilidade, mantemo-nos crédulos em quase tudo, em particular com os Rebelo de Sousa que nos aparecem pelo caminho.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Sondagens e mistérios

Fotografia de Pixel Eye
A última sondagem do Expresso, publicada ontem, dá uma vitória de Rebelo de Sousa à primeira volta, com 54,8% dos votos, apresentando uma subida de 2,3% desde a sondagem anterior. A mesma sondagem dá a Sampaio da Nóvoa 16,8% dos votos e a Maria de Belém 16,3%. Nenhum dos restantes candidatos chega aos 5%.
A envolver estes números surgem alguns mistérios.

1.º mistério - Rebelo de Sousa tem muito mais votos do que PDS e CDS tiveram juntos, nas últimas eleições. Para isso suceder, tem certamente de começar por recolher a unanimidade dos votantes do PSD e CDS. Este fenómeno tem explicação?
As direcções do PSD e do CDS apoiaram a candidatura de Rebelo de Sousa por uma razão: porque não tinham alternativa. Na verdade, este candidato nunca foi o preferido, porque não possui o perfil político que ambos os partidos desejavam. Apesar de ser um candidato de direita, Rebelo de Sousa é um candidato que põe o seu protagonismo político à frente de todos os outros interesses. Sempre foi assim. As suas motivações políticas, os seus jogos de bastidores e as intrigas permanentes que criou e alimentou sempre estiveram em primeiro lugar nas prioridades da sua acção política. Rebelo de Sousa é um maníaco da conspiração política, faz parte da sua natureza. É assim que frui a política, é assim que vive a política.
Sendo um direito seu fazer política deste modo, não se compreende, todavia, que unanimemente a direita vote nele. A direita, em particular a mais conservadora, gosta de ter representantes em quem possa confiar. Não aprecia «cata-ventos», utilizando a designação de Passos Coelho.
Como se explica, então, esta unanimidade? O sentido pragmático da direita não chega para justificar tão grande consenso e conformismo na 1.ª volta; em particular, quando todas as sondagens lhe dão uma vitória logo a 24 de Janeiro.
É um mistério... ou a sondagem está errada.

2.º mistério - Para ter mais votos que o PSD e o CDS juntos, Rebelo de Sousa tem de recolher, no mínimo, milhares de votos de eleitores do PS.
Admitindo que muitos votantes do PS votam umas vezes PS e outras PSD, isto é, são votantes híbridos, não votam em função de convicções; admitindo que não aprendem com a experiência, isto é, repetem erros sem daí nada concluírem; admitindo que vêem as eleições como um leilão, isto é, dão o voto a quem oferece mais; mesmo assim, admitindo tudo isto, é inevitável a pergunta: predispõem-se agora a votar em Rebelo de Sousa, porquê?
Ele não oferece mais do que os outros candidatos; tem um discurso de desavergonhado oportunismo político; apresenta-se como uma figura cinzenta, negando o que sempre foi e querendo aparentar ser o que nunca foi nem será (um político de confiança); não tem uma ideia mobilizadora; não aponta nenhuma esperança para o país e foi cúmplice das políticas de PSD e do CDS, nos últimos quatro anos. Muitos votantes do PS querem votar nele porquê? Porque aparecia ao domingo na TV?
É um mistério... ou a sondagem está errada.

3.º mistério - Para  a esquerda, a eleição presidencial é ou não é importante? Se a resposta é negativa, compreende-se que haja tantos candidatos à esquerda. Se é positiva, não se compreende que haja tantos candidatos à esquerda, ou melhor, que haja tantos candidatos à esquerda que levem a sua candidatura até ao fim. Se houver 2.ª volta, as sondagens acima referidas, assim como outras, mostram que só um de dois candidatos pode acompanhar Rebelo de Sousa à votação decisiva: Sampaio da Nóvoa ou Maria de Belém. Assim, é inevitável a pergunta: para a esquerda, é indiferente que vá um ou outro destes candidatos à 2.ª volta? Se é indiferente compreende-se que mantenham as candidaturas até ao fim; se não é indiferente, então, é incompreensível que não desistam a favor de um daqueles dois candidatos. Ora, evidentemente que, para a esquerda, não é indiferente ter Sampaio da Nóvoa ou Maria de Belém na 2.ª volta. E se a esquerda foi capaz de dialogar para suportar um governo do PS e evitar um governo de direita, certamente que também é capaz de dialogar para apoiar na 1.ª volta Sampaio da Nóvoa, evitando o desastre que seria ter Maria de Belém na 2.ª volta.
Se as desistências não acontecerem, estaremos perante um mistério... ou perante um erro grave da nossa esquerda.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Se se confirmar, é uma boa notícia

Portas anunciou, há dias, que vai deixar a liderança do CDS. Este anúncio é uma boa notícia, se se confirmar (se se confirmar, porque a credibilidade de Portas e do que ele anuncia ou afirma é idêntica a zero). 
Julgo que a saída de cena de Portas (se se confirmar) é uma boa notícia, porque higieniza a vida política: deixaremos de ter de suportar constantemente a falta de seriedade, a mercantilização de princípios e o recorrente recurso à teatrialização ordinária, que esta personalidade protagonizava com denodo. 
Só isto chegaria para que aquele anúncio constituísse uma boa notícia. Todavia, o que se lê e ouve da parte de alguns políticos, de alguns jornalistas e de alguns comentadores, em relação a Portas, são elogios, aplausos e encómios. Entre outras coisas, pudemos ler e ouvir que o consideram: um político brilhante; um estadista; um grande líder europeu. Mas os mesmos que escrevem e dizem isto também reconhecem que Portas, ao longo da sua vida pública, defendeu tudo e o seu contrário: foi anti-Cavaco e foi cavaquista; foi anti-europeísta e foi europeísta; foi anti-PSD e coligou-se com o PSD; foi irrevogável e foi revogável; negou qualquer possibilidade de um dia ser militante partidário e foi militante e líder partidário; foi campeão da defesa do contribuinte e foi co-responsável pelo maior aumento de impostos das últimas décadas; foi Não e foi Sim, sempre em função do que lhe convinha, e sempre com o mesmo à-vontade e com a mesma falta de pudor. 
Ora, não é possível considerar que Portas foi tudo isto e simultaneamente considerá-lo um político brilhante, um estadista e um grande líder. Só será possível fazê-lo, se considerarmos a política um pântano, onde vale tudo fazer e tudo dizer. Se equipararmos o político ao vendedor de vão de escada e a política ao reino da publicidade enganosa. Se tivermos esta ideia manhosa de política, então, um político brilhante será aquele que melhor concretiza essa ideia. Deste ponto de vista, não ficam dúvidas de que temos tido alguns políticos brilhantes e alguns grandes estadistas. E, neste caso, Portas foi um deles.
Mas este modelo de política e de político é o modelo responsável pela degradação da qualidade da nossa vida política e pelo afastamento de grande parte da população pelos assuntos políticos. Tem sido esta ideia de política — que os responsáveis políticos, pela sua prática, e os órgãos de comunicação social, pela idolatria que lhe devotam — que nos vai envolvendo numa cultura de irresponsabilidade cívica e de oportunismos sociais.
Se tivermos um outro conceito do que é e do que deve ser a política, se pensarmos a política como o exercício generoso e responsável da cidadania, em que a assunção de responsabilidades governativas exige espírito de missão em prol do bem comum e exige honestidade, verticalidade e uma entrega destituída de protagonismos pessoais; se pensarmos a política a partir desta ideia, onde não há lugar a tacticismos, a acobracias e a dissimulações, então, Portas, foi o antípoda de um político brilhante e de um estadista.
É por isto que considero que o anúncio do seu abandono da liderança do CDS é uma boa notícia para o país, se se confirmar...