segunda-feira, 7 de março de 2016

O consenso de que não precisamos

Fotografia de Pixel Eye.
Desde há uns meses que a palavra consenso retomou protagonismo na nossa vida pública. 
Primeiro, surgiu associada a um profundo queixume provocado pela sua alegada ausência; agora, nas últimas semanas, surge como um apelo e uma luz orientadora de certas acções.
Foi muito chorada a inexistência de um consenso que tivesse permitido a formação de um governo suportado pelos três partidos que durante décadas formaram o restrito clube do arco da governação (PS-PSD-CDS). Foi muito contestada a opção do PS de se aliar aos partidos da esquerda parlamentar, de modo a recolher apoio para a formação de um governo da sua responsabilidade. Esta opção foi designada de irresponsável. O acordo político PS-BE-PCP-PEV foi mesmo considerado, pelas forças políticas e económicas que têm dominado o regime nas últimas décadas, uma traição ao histórico consenso tripartido do centro-direita (PS-PSD-CDS). As campainhas de alarme soaram.
Na verdade, o desrespeito pelo histórico consenso tripartido ameaça fortíssimos interesses instalados e tem associado a si um perigo maior: o de poder fazer caminho. Isto é, o perigo de poder vir a ser considerado uma alternativa credível às políticas levadas a cabo, durante 40 anos, pelo consenso tripartido do centro-direita. Esta simples possibilidade deixa atemorizados todos aqueles que têm sido defensores e beneficiários desse consenso: protagonistas políticos, financeiros, empresariais e muitos «jornalistas» (os que deixaram de fazer jornalismo, para se tornarem comentadores oficiosos do regime do consenso). É por isso que aqueles que nos últimos quarenta anos sempre defenderam o capital em detrimento do trabalho, aqueles que fizeram o trabalho pagar os crimes e os esbulhos dos banqueiros, aqueles que sempre protegeram a arrogância e a incompetência de patrões que desrespeitam os seus profissionais, aqueles que nutrem um incontido desprezo por pensionistas, reformados e funcionários públicos; todos eles tudo farão, dentro e fora do país (junto da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, do Eurogrupo, do Banco Central Europeu), para que o actual governo se estatele, de forma a criarem-se condições para um regresso ao histórico consenso tripartido do centro-direita. E António Costa devia saber disto e devia saber que se esta experiência governativa falhar, por culpa própria ou alheia, será ele o primeiro a ser rapidamente removido do palco político. Não deveria, por isso, tomar a iniciativa de encenar consensos com protagonistas que não só fizeram mal ao país durante décadas, como recentemente tudo fizeram para impedir que o actual governo se formasse. E fizeram-no de modo rasteiro, mesquinho, traiçoeiro.
Na realidade, é incompreensível que António Costa tenha convidado o (ainda) Presidente da República para presidir a um Conselho de Ministros e que, no final, tenha proferido um discurso falso e bajulatório de uma das figuras mais medíocres da actual República.
Alimentar a ideia de que Cavaco Silva foi um político sério, exigente e rigoroso é alimentar uma falsidade. Em vinte anos de poder, a seriedade política esteve quase sempre ausente da sua acção; desde logo, pelo facto de nunca ter tido a seriedade de se assumir como político, mantendo a grotesca encenação de distanciamento da classe política; e, depois, pelo facto do seu trajecto político ter sido feito de permanentes ziguezagues, dizendo e fazendo hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, sempre determinado ou pelo oportunismo ou pela mesquinhez ou pelo revanchismo.
Não queremos nem precisamos de consensos destes. Assim como não queremos nem precisamos de regressar ao histórico consenso tripartido do centro-direita, pelo qual o novo presidente, que esta semana toma posse, se irá bater empenhadamente.