domingo, 31 de janeiro de 2010

Pensamentos de domingo

«Porque é que estranhas tanto que um deputado deixe o partido e vá ser deputado para outro lado? O jogador de futebol também muda de clube.»
Vergílio Ferreira

«A paciência dos povos é a manjedoura dos tiranos.»
E. Marchi

«Eu estou-me sempre a enganar, como Deus.»
Pablo Picasso
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

K. Jarrett, G. Peacock, J. DeJohnette

sábado, 30 de janeiro de 2010

HOJE


II Encontro Nacional
do Movimento Escola Pública

30 de Janeiro, 14h30,
Biblioteca do Liceu Camões, em Lisboa.


«O Movimento Escola Pública leva já quase dois anos de existência. Surgiu em Fevereiro de 2008, através do lançamento do Manifesto Escola Pública, Igualdade e Democracia, na Associação 25 de Abril. Em Setembro desse ano teve lugar o I Encontro Nacional, que juntou meia centena de pessoas na Academia de Santo Amaro.

Foram 20 loucos meses a lutar pela escola pública, a promover diálogos e consensos deste lado da barricada contra a arrogância governamental, a realizar debates que juntaram muitas vontades em todo o país, e a contribuir para alargar a agenda de temas sobre os quais urge intervir para alcançarmos uma nova escola: verdadeiramente inclusiva e democrática, combatendo a reprodução das desigualdades sociais e capaz de garantir o sucesso escolar real de todos os alunos.

Convidamos todos os membros do movimento, todos os simpatizantes, amigos ou cidadãos interessados, a participarem no II Encontro Nacional, que se realiza na Biblioteca do Liceu Camões, no dia 30 de Janeiro, Sábado, com início às 14h30.»

Não me sendo possível estar presente, endereço a todos os colegas, organizadores e participantes, os meus votos de profícuo trabalho e o meu abraço.

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca da Filosofia Social e Política

Filosofias Económicas (2)
«À medida que o capitalismo evoluiu, a filosofia económica teve de se adaptar. As inovações no mercado introduziram complexidades não imaginadas por Adam Smith e pelos filósofos económicos clássicos. O seguro de saúde, por exemplo, criou um contexto em que é do interesse do tomador não reaver o valor do seu dinheiro. Comprar futuros de entrecosto de porco é claramente um animal diferente, por assim dizer, de comprar uma porca. Uma inovação deste tipo, em que as leis clássicas de mercado não parecem aplicar-se, é a lotaria.
Jean Paul, um cajun, mudou para o Texas e comprou um burro a um agricultor idoso por 100 dólares. O agricultor combinou entregar-lhe o animal no dia seguinte.
No dia seguinte, o agricultor apareceu de carro e disse:
- Desculpe, mas tenho uma má notícia. O burro morreu.
- Bem, nesse caso, devolva-me o dinheiro.
- Não posso. Já o gastei.
- Está bem, então descarregue o burro.
- Que vai fazer com ele?
- Vou sorteá-lo.
- Não pode sortear um burro morto!
- Claro que posso. Basta não dizer a ninguém que ele está morto.
Um mês depois, o agricultor encontrou-se com o cajun e perguntou-lhe:
- Que é que aconteceu ao burro morto?
- Sorteei-o. Vendi 500 bilhetes a dois dólares cada um e obtive um lucro de 898 dólares.
- Ninguém se queixou?
- Só o tipo que ganhou. Por isso, devolvi-lhe os dois dólares.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Fragmenti veneris diei

«A primeira conversa telefónica, a que Pelletier fez, começou de maneira difícil, embora Espinoza esperasse aquele telefonema, como se custasse a ambos dizer o que mais cedo ou mais tarde iam ter de dizer um ao outro. Os vinte minutos iniciais tiveram um tom trágico onde a palavra destino foi usada dez vezes e a palavra amizade vinte e quatro. O nome de Liz Norton foi pronunciado cinquenta vezes, nove delas em vão. A palavra Paris foi dita em sete ocasiões. Madrid, em oito. A palavra amor foi pronunciada duas vezes, uma por cada um. A palavra horror foi pronunciada em seis ocasiões e a palavra felicidade numa (empregou-a Espinoza). A palavra resolução foi dita em doze ocasiões. A palavra solipsismo, em sete. A palavra eufemismo, em dez. A palavra categoria, no singular e no plural, em nove. A palavra estruturalismo, numa (Pelletier). O termo literatura norte-americana, em três. As palavras jantar e jantamos, pequeno-almoço e sandes, em dezanove. As palavras olhos, mãos e cabeleira, em catorze. Depois a conversa tornou-se mais fluida.»
Roberto Bolaño, 2666, p. 57.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Responsabilidades

Faz hoje 14 anos e 3 meses que tomou posse o XIII Governo Constitucional, presidido por António Guterres, do PS.
Desde essa data, três partidos estiveram no Governo: PS, PSD e CDS.
Neste período de tempo, o CDS e o PSD, coligados, governaram Portugal durante dois anos, oito meses e uns dias; o PS governou durante 11 anos, 4 meses e uns dias.
No próximo dia 12 de Março, Sócrates completa 5 anos ininterruptos de chefe de Governo, e, no próximo mês de Setembro, o PS totalizará 12 anos de governação, desde 1995, os mesmos que José Sócrates terá de governante.
No final de 2010, PS e PSD registarão idêntico período acumulado de exercício do poder, nos últimos 25 anos.
Agora, temos de olhar para o estado deplorável a que este país chegou, em quase todos os domínios: Educação, Justiça, Economia, Finanças, Agricultura, Indústria, Pescas, Planeamento e Organização do Território... E exigir que a inimputabilidade política termine.
Quatro homens são particularmente responsáveis pelo estado a que Portugal chegou:
- Cavaco Silva: dez anos primeiro-ministro e cinco presidente da República;
- António Guterres: seis anos primeiro-ministro. Fugiu do Governo e das consequências da sua governação;
- Durão Barroso: dois anos primeiro-ministro e doze anos de governante. Fugiu do Governo e das consequências da sua governação;
- José Sócrates: quatro anos e oito meses como primeiro ministro e quase 12 anos de governante. Nunca tinha havido um primeiro-ministro envolvido em tantos casos de investigação policial ou de suspeição. Nunca tinha havido um primeiro-ministro tão irresponsável, arrogante e aventureiro. Nunca tinha havido um primeiro-ministro que faltasse tanto a promessas feitas. Nunca tinha havido um primeiro-ministro que tivesse levado o país a um endividamento do nível do actual, e que tivesse provocado a degradação da Educação e da Justiça até ao ponto em que nos encontramos.
De tudo isto têm de ser exigidas responsabilidades.

Quinta da Clássica - Edvard Grieg

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Um elogio

Valter Lemos, ex-secretário de Estado da Educação, da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues, e actual secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, anunciou que não apoiará a candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República e que, se o PS optar por apoiar este candidato, ele será objector de consciência.
Vindo de quem vem, este anúncio constitui um objectivo elogio a Manuel Alegre.

Às quartas

Se Amanhã Acordo

De súbito respira-se melhor e o ar da primavera
chega ao fundo. Mas foi somente um prazo
que o sofrimento concede para dizermos a palavra.
Ganhei um dia; tive o tempo
na minha boca como um vinho.
Costumo procurar-me
na cidade que passa como um barco de loucos pela noite.
Encontro um rosto apenas: homem velho e sem dentes
a quem a dinastia, o poder, a riqueza, o génio,
tudo lhe deram afinal, excepto a morte.
É um inimigo mais temível que Deus,
o sonho que posso ser se amanhã acordo
e sei que vivo.
Mas de súbito a alvorada
cai-me entre as mãos como uma laranja rubra.

Jorge Gaitán Durán
(Trad.: José Bento)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Registos do fim-de-semana

Parcerias público-privadas criam despesa insustentável — Tribunal de Contas não poupa política de Sócrates —

Candidatura de Alegre põe PS em polvorosa Sócrates e Ferreira Leite mais próximos

Grandes obras custam 48 mil milhões

Sócrates premeia despedidos e derrotados

Oliveira e Costa com pensão vitalícia
— Acordo com ex-proprietária do BPN prevê reforma de 9 mil euros a partir deste mês —

Oliveira e Costa avisado de buscas no 'Furacão'
Sol (22/1/10)

Mais de 23 mil carros do estado sem seguro

Novos directores dos museus de Arte Popular e de Évora sem concurso público terminado
Público (22/1/10)

Portugal tem recorde de universidades

Estado e empresas públicas vão ter quotas para as mulheres
i (22/01/10)

Leis mal feitas custam 7,5 mil milhões ao país

Assessor de Sócrates ataca Fernando Lima

Consultor de Cavaco critica Governo

Estamos a dar electricidade a Espanha subsidiada pelo consumidor

Freeport - Suspeitos voltam a ser ouvidos em Londres

Ministério da Saúde cobra consultas antes de as realizar
Expresso (23/1/10)

Sedes defende que já nem o aumento dos impostos resolve o problema das contas

«Temos de definir o que devem ser as funções do estado» (Luís Campos e Cunha)

Portugal tem das taxas mais elevadas da Europa de recém-nascidos de baixo peso
Público (23/1/10)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Pensamentos de domingo

«Podemos muito bem perguntar-nos: o que seria do homem sem os animais? Mas não o contrário: o que seria dos animais sem o homem?»
Christian Hebbel

«Quando duas pessoas se encontram há, na verdade, seis pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é.»
William James

«Tudo acaba em canções.»
Pierre Beaumarchais
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Chet Baker

sábado, 23 de janeiro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca das Filosofias Económicas

«Na primeira frase do livro clássico de Robert Heilbroner sobre teóricos económicos, The Worldly Philosophers, o autor admite que "este livro é sobre alguns homens com uma curiosa pretensão à fama». Sim, até a economia tem os seus filósofos.
O filósofo económico escocês Adam Smith escreveu a sua obra ovariana (ou deveremos dizer seminal), An Inquiry into The Nature and Causes of the Wealth of Nations, no mesmo ano em que a América declarou a independência. Esta obra estabeleceu o ponto de partida para o capitalismo de mercado livre.
Segundo Smith, uma das forças do capitalismo é o facto de promover a criatividade económica. Parece que o interesse pessoal, como a perspectiva de um enforcamento, concentra a mente.
Um homem entra num banco e diz que precisa de um empréstimo de 200 dólares por um período de seis meses. O funcionário do departamento de crédito pergunta-lhe que tipo de garantia é que ele dá. O homem responde:
- Tenho um Rolls Royce. Aqui estão as chaves. Fiquem com ele até o empréstimo estar pago.
Seis meses mais tarde, o homem regressa ao banco, paga os 200 dólares acrescidos de 10 dólares de juros e recupera o Rolls Royce.

- Espero que não se ofenda com a minha pergunta, mas porque é que um homem que conduz um Rolls Royce precisa de pedir um empréstimo de 200 dólares?
- Tive de passar seis meses na Europa, e onde é que poderia guardar um Rolls Royce durante tanto tempo por 10 dólares? - replica o homem.
Na teoria capitalista, a "disciplina do mercado" regula a economia. Um bom controlo de inventário, por exemplo, pode proporcionar uma vantagem competitiva para um negócio.
Entrevistador: O senhor acumulou uma fortuna considerável ao longo da sua vida. Como é que ganhou o dinheiro?
Milionário: Ganhei tudo no negócio do pombo-correio.
Entrevistador: Pombos-correio? Fascinante! Quantos vendeu?
Milionário: Só vendi um, mas ele voltava sempre.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Fragmenti veneris diei

«Naquela noite, enquanto Liz Norton dormia, Pelletier recordou uma tarde já distante em que Espinoza e ele viram um filme de terror num quarto de um hotel alemão.
O filme era japonês e numa das primeiras cenas apareciam duas adolescentes. Uma delas contava uma história. A história era a de um menino que estava a passar férias em Kobe e que queria ir para a rua brincar com os seus amigos, precisamente à hora em que dava na televisão o seu programa favorito. Então, o menino punha uma cassete de vídeo, deixava tudo preparado para gravar o programa e depois saía para a rua. O problema consistia, então, em que o menino era de Tóquio e em Tóquio o seu programa era emitido no canal 34 enquanto em Kobe o canal 34 estava vazio, isto é, era um canal onde não se via nada, só nevoeiro televisivo.
E quando o menino, ao voltar da rua, se sentava diante da televisão e punha o vídeo, em vez do seu programa favorito via uma mulher com a cara branca que lhe dizia que ia morrer.
E mais nada.
Então, telefonavam, o menino respondia e ouvia a voz da mesma mulher que lhe perguntava se por ventura acreditava que aquilo fosse uma brincadeira. Uma semana depois encontravam o corpo do menino no jardim, morto.
E tudo isto era contado pela primeira adolescente à segunda adolescente e a cada palavra que pronunciava parecia ir morrer de riso. A segunda adolescente estava visivelmente assustada. Mas a primeira adolescente, a que contava a história, dava a impressão de que de um momento para o outro ia começar a rebolar de riso no chão.
Então, recordava Pelletier, Espinoza disse que a primeira adolescente era uma psicopata de pacotilha e que a segunda adolescente era uma parvinha, e que aquele filme poderia ter sido bom se a segunda adolescente, em vez de fazer beicinho, expressões de horror e cara de angústia existencial, tivesse dito à primeira que se calasse. Não de uma forma suave e educada, mas sim do género: "Cala-te, filha da puta, de que é que te estás a rir?, ficas excitada por contares a história do menino morto?, estás-te a vir a contar a história de um menino morto, chupadora de vergas imaginárias?"
E coisa desse tipo. Pelletier recordava que Espinoza tinha falado com tanta veemência, até imitando a voz e o porte que a segunda adolescente devia ter assumido diante da primeira, que ele julgou que o mais oportuno seria apagar a televisão e ir ao bar com os espanhol para beberem um copo antes de cada um se retirar para o seu quarto.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 45-46.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Retratos de Sócrates (18)

«O ano de 2007 foi pior para o primeiro-ministro do que para os jornais, pois ainda restaram alguns - e bons! - para informar o país sobre o caso da "Universidade Independente (UnI)". Em bom rigor, não foi só um caso, mas dois, já que um envolveu a licenciatura e outro a própria universidade, que o governo socialista viria a fechar a toda a velocidade. [...]
Foi a primeira grande machadada na credibilidade de José Sócrates. O país ficou a saber que tinha um primeiro-ministro com um curriculum académico mais do que duvidoso. Não pela falta de qualidade gritante da UnI, um facto conhecido por qualquer estudante do ensino universitário, mas pelo carácter duvidoso de várias etapas até atingir o 'canudo'. A imagem, a tal imagem que passou foi a do governante prosaico e finório, associado ao 'vale tudo' para atingir um objectivo formal, de aparência, sem qualquer tipo de pudor em usar o cargo público que ocupava.[...]
Mais uma vez, a enorme arrogância foi-lhe fatal. Cada dia de silêncio em relação aos impressionantes detalhes do processo, relatados diariamente pela comunicação social, representou um enorme prejuízo para a sua imagem e para a credibilidade do país. Mas o silêncio era público, pois em privado José Sócrates desatou a telefonar a diversos jornalistas e directores, num jogo de pressões inaceitáveis em Democracia, que deu lugar à intervenção da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, amplamente noticiada e comentada.
A protecção a José Sócrates, mais uma, assumiu proporções inimagináveis, como apontou Constança Cunha e Sá: "O facto de o Expresso só ter tido acesso ao dossiê nove meses depois de a Comissão de Acesso aos Dados Administrativos ter ordenado à Entidade Reguladora para a Comunicação Social para divulgar o conteúdo do 'processo Sócrates', levando um especialista em Direito da Comunicação Social a afirmar que a entidade criada para assegurar 'o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa' agiu, neste caso, 'como instrumento de impedimento da liberdade de informar e de ser informado' é a gota de água num processo que desacredita, de forma irremediável, a qualidade da nossa democracia. E quando um dos conselheiros, favorável à audição do primeiro-ministro, garante que foi alvo de 'insultos, ameaças e intimidações' nas reuniões da ERC, só nos ocorre perguntar como é que tudo isto se tornou possível".»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 131-133.

Quinta da Clássica - Hector Berlioz

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Não posso aceitar este Acordo

O instalado debate sobre a justeza ou não justeza do Acordo assinado por alguns sindicatos com o ME tem estado centrado, sobretudo, em contas de somar e de subtrair e na tentativa de apuramento do respectivo saldo. Não digo isto em tom irónico nem para menorizar essa discussão. Penso, todavia, que esse debate não é o mais importante, e penso isso por duas razões:
1. Este género de balanço entre o deve e o haver permite sempre múltiplas conclusões moldáveis aos pressupostos de que se parte. Permite, por exemplo, que o termo de comparação seja aquele que mais convém: já li que o conteúdo do Acordo deve ser comparado com a situação que Maria de Lurdes Rodrigues deixou, e que não deve ser comparado com a situação existente antes de Maria de Lurdes Rodrigues. É claro que se a lógica argumentativa for esta teremos sempre de concluir que o medíocre, por mais medíocre que seja, se transforma em bom, se comparado com o mau ou com o péssimo. Se a lógica for esta, percebe-se, então, a satisfação de alguns, pois como o que existia era o pior possível, a «vitória» era garantida, por mais medíocre que fosse o resultado alcançado ou a alcançar;
2. Mas, na minha opinião, a razão determinante porque não devemos ficar centrados na contabilidade é esta: o que estava em jogo era demasiado grande, era demasiado importante para poder ser reduzido a saldos de somas e de subtracções ou para poder ser reduzido a comparações esdrúxulas.
O que estava, verdadeiramente, em jogo era a dignidade de uma classe profissional, era a dignidade de milhares de profissionais. Que ou era recuperada ou não era recuperada. A dignidade profissional não é susceptível de ser trinta por cento recuperada ou dois terços ou quatro quintos recuperada. Ou a recuperamos por inteiro ou não a recuperamos.
Os professores foram, durante quatro anos, objecto de enxovalho público intencional. Nenhuma profissão, até hoje, em Portugal, tinha sido alvo directo de um ataque tão desvairado à sua dignidade profissional, como foi a dos professores. Nenhuma profissão, até hoje, em Portugal, tinha ficado à mercê da mais absoluta incompetência técnica e política de que há memória na governação portuguesa. Os professores foram cobaias de um incontido aventureirismo e da total irresponsabilidade de políticos que assumiram funções sem terem a mínima preparação para as assumir.
Usufruindo da inimputabilidade exclusiva dos políticos e dos loucos, o Governo anterior quis, por um lado, desqualificar, junto da opinião pública, os docentes portugueses e, por outro lado, dividir os professores para melhor os dominar. Para isto, socorreu-se de todas as armas que tinha à disposição e:
a) Criou um estúpida, inútil e arbitrária divisão da carreira. E apesar do monumental protesto que originou e apesar de unanimemente se reconhecer quer a estupidez e a inutilidade da iniciativa, quer a arbitrariedade com que o processo de divisão foi realizado - virando do avesso o escalonamento e a vida profissional de muitos colegas -, a responsável da pasta da Educação, o primeiro-ministro e os deputados do seu partido, possuídos de uma arrogância desmedida, fizeram questão de levar a barbárie até ao fim;
b) Criou um péssimo modelo de avaliação. Provavelmente o pior modelo de avaliação que o chamado mundo civilizado conheceu. Nenhum país da Europa tem algo igual ou aparentado. Um modelo monstruoso e inexequível, numa palavra: um modelo incompetente. Só mentes simultaneamente ignorantes e delirantes poderiam produzir tamanha enormidade. E apesar da gigantesca oposição que gerou, a responsável da Educação, o primeiro-ministro e os deputados do seu partido, possuídos de uma arrogância desmedida, fizeram questão de levar a barbárie até ao fim;
c) Criou um Estatuto da Carreira Docente e um modelo de gestão vergonhosos e inaceitáveis, que tinham como principal objectivo a proletarização dos professores e a sua domesticação.
Fruto de uma ideologia feita de dogmas e de uma confrangedora pobreza doutrinária, a noção de Escola dos governos do PS tem como mito inspirador a empresa, à qual se amalgamam, de modo desconexo, conceitos politicamente correctos e pretensamente democráticos, para «inglês ver», como é o caso da criação de um órgão (Conselho Geral) onde se introduz, a monte, as mais variadas gentes vindas das mais variadas procedências: autarquias, empresas, clubes recreativos e tudo o mais que os vários compadrios, dos partidários aos pessoais, possam permitir.
Da conjugação destes três factores resultaram as piores consequências a diferentes níveis:
- a nível do ambiente que se vive entre colegas;
- a nível da auto-estima profissional;
- a nível da motivação;
- a nível da confiança e a nível das expectativas, quanto ao futuro;
- etc., etc., etc.
A culminar a desastrosa situação a que se chegou, tivemos o encerramento do ignominioso primeiro ciclo de avaliação. E, como era de esperar, os resultados não deixam margem para dúvidas: professores sempre tidos pelos colegas e pelos alunos como medianos, ou mesmo medíocres, foram classificados como Excelentes ou Muito Bons; avaliadores, objectivamente impreparados para as funções, distribuíram, alegre e inconscientemente, uns, ou coagidos, outros, classificações mal fundamentadas que vão determinar as futuras vidas profissionais dos seus colegas; directores que, apesar de só terem tomado posse no final do ano lectivo, se sentiram capacitados para avaliar todos os colegas, alguns dos quais nunca viram; directores que reservaram Excelentes e Muito Bons para amigos e companheiros; professores que foram prejudicados porque se recusaram a participar na farsa nacional, que foi este primeiro ciclo de avaliação; enfim, as situações são múltiplas, mas todas elas têm um traço comum: são vergonhosas. E atingem directamente, e mais uma vez, a dignidade profissional de quem com seriedade e dedicação exerce a docência.
Era isto que, fundamentalmente, estava em jogo. Era isto, era a dignidade profissional de uma classe inteira que os sindicatos tinham em cima da mesa e que não era contabilisticamente negociável. E esta gigantesca farsa foi, objectivamente, sancionada pelo Acordo assinado. Esta gigantesca ofensa à dignidade profissional foi, objectivamente, corroborada pelo Acordo.
Uma manifestação de 100 mil professores, outra manifestação de 120 mil professores, duas greves nacionais de mais de 90% de adesão, um partido que perde mais de meio milhão de votos, um partido que fica em minoria absoluta no parlamento, e nada disto serviu para que fosse reposta a dignidade profissional vilipendiada. Se numa conjuntura destas, excepcionalmente favorável, os sindicatos não conseguem o fundamental, quando o conseguirão?
Deste modo, não posso aceitar este Acordo.

Às quartas

Madrugada: As Cinzas

Madrugada, as cinzas te saúdam

De novo moldas contra a penumbra, maldas
o galo do poema, a tua armadilha, o fogo
ardendo cego nos desvãos do sangue

De novo ergues sobre a areia, madrugada, o corpo
Amaldiçoado duma palavra, a teia rediviva
E a sombra crespa do desejo negro
Eriçando o pêlo, o cão da página

Riscos se entrelaçam, fisgam a mosca do deleite
e já a ruína
tenaz, fibrosa, agônica sob a folhagem, mostra
o olho menstrual e sádico do destino
Um sonho cresce e se entumece
no rumor sexual dos ecos se compondo

E batem à porta
- os gonzos, os gozos da ferrugem
o rangido longínquo vagindo de outro mundo
De tudo, madrugada, a dúvida traça um rosto
exposto neste espelho contra o sol: O soletrado
calcinado

Max Martins

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Registos do fim-de-semana

Sindicatos cederam mais do que a ministra [da Educação]

Ex-governantes arguidos por desvio de subsídio
— Jorge Coelho, um ex-secretário de Estado e um ex-autarca de Santarém foram constituídos arguidos pela PJ —

PS e PSD admitem congelar salários da Função Pública

«A RTP dispensou-me porque saiu o meu álibi democrático» (Marcelo Rebelo de Sousa)

«A saída de Moniz da TVI foi dos actos mais repelentes da nossa democracia» (Mário Crespo)

Lello não apoiará Manuel Alegre

Ferreira Leite tenta fintar Santana Lopes
Sol (15 /1/10)

Governo ameaça aumentar impostos

«Lisboa vai ser a praia de Madrid», com a alta velocidade, diz ministro [das Obras Públicas]
i (15 /1/10)

Governo poupa 80 milhões nas novas medidas de apoio ao emprego

Câmara aceita casamentos gays no Santo António

Director adjunto do Sol corrobora tese das pressões do Governo

Mário Mendes bateu a 120 quilómetros/hora [no centro da cidade de LIsboa] mas acidente não será investigado pelo MP
Público (15 /1/10)

«O PSD está completamente desfeito» (Santana Lopes)

Director do BCP contradiz Armando Vara
Expresso (16 /1/10)

Fundação [Eugénio de Andrade] recebeu subsídio ilegais em sete anos

Raposo [PS, presidente da Câmara da Amadora] vai ser ouvido pelo MP por causa de «relações suspeitas» com empreiteiros

Dívida pública portuguesa mais penalizada que Espanha e Itália
Público (16 /1/10)

Sócrates e Portas mais próximos de acordo no Orçamento

CMVM: empresas vão ter de divulgar salários individuais
— Administradores falam em voyeurismo e medida desnecessária —

«É falso que a entidade reguladora tenha forçado a RTP a acabar com o programa de Marcelo» (Estrela Serrano, da ERC)
i (16 /1/10)

Costa diz não a gays no Santo António e patriarca nem sequer tomara posição
Público (17 /1/10)

De leitura mais que obrigatória

Transcrevo um importantíssimo post colocado por Octávio Gonçalves no seu blogue. Este post contém as respostas que Mário Nogueira deu a um conjunto de perguntas que Octávio Gonçalves havia formulado e inclui, no final, a sua contra-argumentação.
Creio que estes dois textos (as respostas e a contra-argumentação) ilustram muitíssimo bem duas posturas completamente divergentes relativamente ao modo de lutar pela defesa da dignidade profissional.
As respostas de Mário Nogueira são de quatro tipos:
1) são do tipo que poderemos denominar de intelectualmente desonestas;
2) são do tipo que poderemos denominar de objectivamente demagógicas;
3) são do tipo que poderemos denominar de factualmente falsas;
4) são do tipo que poderemos denominar de resposta repleta de farisaísmo político.

Um exemplo do tipo 1 é primeira resposta que Mário Nogueira dá, e que eu não resisto a transcrever: «Em sede de negociação do ECD, confirmou-se que as quotas de avaliação não poderiam fazer parte do texto de acordo por não ser matéria da competência do Governo, ou seja, as quotas não podem ser revogadas por Decreto-Lei.»
Para não ser demasiado acintoso, formulo apenas esta pergunta: o colega Mário Nogueira e a Fenprof confirmaram, ou descobriram, de repente e naquele fatídico dia da assinatura do Acordo que as quotas não são da competência do Governo? Que extraordinária e oportuna descoberta!

Um exemplo do tipo 2 é a quarta resposta: «Não existe aqui qualquer retaliação, nem ninguém premiado.»
Houve retaliados e houve premiados. Têm sido revelados inúmeros casos de colegas que não foram avaliados porque não entregaram a ficha de auto-avaliação do ME, apesar de terem entregado um relatório crítico de auto-avaliação. E houve premiados: aqueles que colaboraram com o vergonhoso sistema de avaliação ao candidatarem-se às classificações de Muito Bom e de Excelente, sabendo que iam usufruir das vagas dos professores que se recusaram a validar tal sistema e sabendo que, em dois ou três meses, ninguém pode avaliar com seriedade dois anos de trabalho. Foram premiados porque tiveram todas as vagas ao seu dispor (em muitos casos, até sobraram) e foram premiados porque muitos deles vão poder passar à frente de colegas seus, devido a essa artimanha. Logo, os que passam à frente são premiados e os que são ultrapassados são prejudicados. Mário Nogueira faz, portanto, demagogia, porque joga com a inexistência formal de castigos e de prémios, apesar de saber que eles existem de facto.

Um exemplo do tipo 3 é terceira resposta: «Os colegas que foram avaliados com Bom – e foi a esmagadora maioria – não terão qualquer diferença de tratamento em relação a quem teve classificação superior no acesso aos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 8.º e 9.º escalões.»
Isto é falso e Mário Nogueira sabe-o: os colegas que acumulem classificações de Muito Bom e de Excelente progredirão mais depressa que os outros, e estas classificações obtidas no ciclo que agora terminou vão contar para esse efeito. Classificações que foram alcançadas através de um processo a todos os títulos vergonhoso, onde reinou a farsa e o oportunismo. E os sindicatos que assinaram o Acordo passaram a ser cúmplices desse processo, ao validarem-no.

Um exemplo do tipo 4 é a penúltima resposta que eu não vou sequer comentar, porque ela, por si só, retrata na perfeição quem a profere.

Finalmente, quero felicitar o meu estimado colega e amigo Octávio Gonçalves pela qualidade e pela solidez da contra-argumentação que apresentou e pela seriedade com que o fez.
Passo à transcrição do post:


Respostas de Mário Nogueira confirmam o erro estratégico dos sindicatos que assinaram o Acordo de Princípios



«Mário Nogueira (Fenprof) decidiu responder às questões que levantei no post "Tudo isto é triste, tudo isto é fado… sindical". Agradeço-lhe essa amabilidade e disponibilidade, pois estou convencido que com as suas respostas deu um importante contributo para que se perceba a equivocidade em que decorreram as negociações e o carácter inaceitável do acordo assinado.
Corresponder ao pedido de divulgação de Mário Nogueira, fá-lo-ia, em qualquer circunstância, uma vez que a minha motivação, desde o início da contestação dos professores, é muito clara:
- acabar com a divisão na carreira e não, propriamente, substituí-la por estrangulamentos e patamares qualitativamente diferenciados de professores, estabelecidos a partir de processos que não dão garantias de apuramento sério e imparcial do mérito, porque ou são mecanismos administrativos cegos ou são decisões de colegas que fazem o mesmo e concorrem com o avaliado pela mesma progressão na carreira (independentemente de quotas diferenciadas), que não é garantido reunirem as competências e a autoridade para avaliarem e que dependem da nomeação de uma única pessoa (o que implica necessariamente alterar o modelo de gestão - não podem ser questões ou negociações separadas);
- acabar com este modelo de avaliação que, no terreno, se converte em farsa ou vira inferno. Venham o ME e os sindicatos e escolham.

Todavia, constato que as declarações de Mário Nogueira confirmam as minhas piores suspeitas e apreensões, pelo que as mesmas requerem um ainda maior sentido de urgência e de alarme na sua divulgação.
Apresento de seguida, as respostas de Mário Nogueira e, no final, contra-argumentarei, destruindo o álibi dos sindicatos para terem assinado este acordo.

Respostas de Mário Nogueira:

Caro Colega,
Uma vez que nos enviou directamente um conjunto de perguntas a propósito do recente acordo sobre carreiras assinado com o ME, entendemos que pretendia, da nossa parte, uma resposta. Por essa razão, decidimos enviar-lha esperando agora que, como é natural, as faça chegar aos mesmos destinatários de correio para que enviou tais perguntas e as divulgue pelos mesmos meios que utilizou para tornar públicas as perguntas. Estamos certos de que o fará, pois estamos em crer que, também o colega, neste importante momento para os professores e educadores, pretende contribuir para que o esclarecimento seja completo.
Com os melhores cumprimentos, Mário Nogueira.

Que credibilidade devem merecer aos professores aqueles seus representantes que horas antes da assinatura do Acordo de Princípios defendiam publicamente que enquanto se mantivesse o sistema de quotas (qualquer que ele fosse) a proposta do ministério da Educação era "absolutamente inaceitável"?
Em sede de negociação do ECD, confirmou-se que as quotas de avaliação não poderiam fazer parte do texto de acordo por não ser matéria da competência do Governo, ou seja, as quotas não podem ser revogadas por Decreto-Lei. De facto, decorrem de uma Lei da Assembleia da República, que contém o SIADAP, e só a Assembleia da República as pode revogar. Como se confirma pela leitura do texto de acordo, não há qualquer referência às quotas, precisamente pela razão antes referida. Perante esta situação, a FENPROF procurou, e crê que com êxito, minimizar os efeitos das classificações que se sujeitam às quotas. Espera agora que a Assembleia da República assuma as suas responsabilidades. Competirá, pois, à Assembleia da República alterar a lei que as criou, esperando-se, designadamente da parte do PSD – que introduziu as quotas no sistema de avaliação das Administração Pública, em 2004 – que assuma a posição de rejeição das mesmas, tal como tem vindo a manifestar publicamente.

Que credibilidade devem merecer aos professores aqueles seus representantes que consideram o 1º ciclo de avaliação uma "farsa" e aceitam que o mesmo tenha consequências em termos de vantagens na progressão dos professores e em termos de penalização daqueles que resistiram coerente e corajosamente à implementação de medidas erradas e injustas?
A anulação dos efeitos das classificações atribuídas no primeiro ciclo de avaliação, designadamente Muito Bom e Excelente, acarretaria prejuízos para os professores classificados com Bom e que se encontram nos 4.º e 6.º escalões. Isto é, assim, aqueles docentes não ocuparão vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões (o acesso aos restantes oito não depende de vaga), libertando-as, na totalidade, para os docentes avaliados com Bom. Convirá, neste contexto, recordar que os professores são os únicos trabalhadores da Administração Pública cuja carreira não se divide em categorias, em que todos os docentes classificados com Bom passarão a chegar ao topo, em que as vagas não têm carácter eliminatório, mas apenas determinam ritmos de progressão, em que a progressão não depende de autorização do director e em que todos têm acesso ao índice 370. Tal situação de excepção decorre do acordo sobre carreiras obtido pelos Sindicatos.

Que credibilidade devem merecer aos professores aqueles seus representantes que os incentivaram a não entregarem os objectivos individuais e a não se candidatarem às menções de "muito bom" e de "excelente", para agora aceitarem que sejam penalizados na sua progressão em virtude de terem seguido as orientações dos seus sindicatos?
A não entrega de objectivos individuais foi um dos mais importantes momentos da luta dos professores contra um modelo de avaliação imposto por um Governo que não desistiu de os desrespeitar. Ao fim de um conturbado processo de luta, em que teve de se exigir que fossem avaliados aqueles que não entregaram OI, conseguimos que estes se tornassem facultativos, nos termos em que ficou estabelecido no acordo. Os colegas que foram avaliados com Bom – e foi a esmagadora maioria – não terão qualquer diferença de tratamento em relação a quem teve classificação superior no acesso aos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 8.º e 9.º escalões. No acesso ao 10.º escalão (índice 370), só transitoriamente haverá diferença, mas as regras não foram estabelecidas no âmbito do acordo, pois já estavam fixadas nos termos do DL 270/2009, de 30 de Setembro. Relativamente ao acesso aos 5.º e 7.º escalões, a não sujeição dos Excelentes e Muito Bons à contingentação, serve, sobretudo, os colegas avaliados com Bom, na medida em que liberta as vagas que seriam prioritariamente ocupadas por aquelas classificações. Ou seja, ainda que se sujeitassem, agora ou no futuro, iriam sempre progredir de imediato. Assim sendo, liberta lugares e aumenta o número dos que progredirão sem qualquer constrangimento. Esta situação decorre da eliminação de outra bastante mais grave que era a divisão da carreira de uma forma que impedia que 100.000 docentes (2/3) atingissem o topo.

Que credibilidade devem merecer aos professores aqueles seus representantes que permitem que os professores que lutaram sejam retaliados e os que se aproveitaram da luta dos seus colegas, muitos procedendo de forma oportunista, saiam premiados?
Não existe aqui qualquer retaliação, nem ninguém premiado. O que aconteceu foi a destruição de um quadro legal que fracturou a carreira docente e dividiu os professores em categorias. Nesse sentido, procuram-se regras de transição entre carreiras que, de forma equilibrada, permita desbloquear, de imediato, a progressão de mais de 40.000 professores e, no futuro, evitar que cem mil deixem de progredir. A saída justa seria o reposicionamento dos professores de acordo com o seu tempo de serviço, todavia, uma solução desse tipo teria um custo, só em 2010, superior a 500 milhões de euros, ou seja, cinco vezes mais do que o programa excepcional de combate à pobreza que será aprovado em sede do OE para 2010. Gostaríamos todos, era essa a saída mais justa, que pudesse ser encontrada a solução antes referida, mas, na verdade, não seria suportável para o país. Procurou-se, por essa razão, encontrar soluções que correspondessem ao que no essencial têm sido as reivindicações dos professores. Não deixaremos de lutar por alternativas mais justas e positivas, claro, como, aliás, sempre temos feito, mas temos consciência de que, no actual contexto político, social e económico não seria possível outra saída e que a não celebração de um acordo com este conteúdo se traduziria na manutenção de alguns dos aspectos mais negativos que têm vindo a caracterizar a carreira docente.

Como podem, seriamente, os dirigentes sindicais aceitar um sistema de quotas num momento em que já decorriam, na Assembleia da República, contactos entre alguns líderes parlamentares com vista à aprovação da não aplicação de quotas ao sistema de ensino? (não sabiam, mas é verdade).
Como antes se referiu, o sistema de quotas é extremamente injusto e perverso, mas a sua revogação não pode ser feita em decreto-lei, ou seja, não é competência do Governo, mas da Assembleia da República. Na sequência das reuniões que a FENPROF realizou com os partidos políticos é possível afirmar que CDS, PSD, PCP, PEV e BE foram unânimes na crítica e rejeição daqueles mecanismos administrativos de controlo da atribuição de menções qualitativas. Assim sendo, estão criadas as condições para que, na Assembleia da República, as quotas sejam eliminadas e a carreira docente, como, aliás, todas as outras no âmbito da Administração Pública, se libertem deste grave e penalizador constrangimento. Espera-se que os partidos assumam, agora, a sua responsabilidade neste processo, razão por que a FENPROF continuará a contactar com os respectivos grupos parlamentares nesse sentido.

Como podem, seriamente, os dirigentes sindicais aceitar um modelo de avaliação em tudo idêntico àquele que está em vigor e contra o qual os professores se insurgiram nas escolas e nas ruas? Não exigiam os próprios sindicatos a sua suspensão e substituição?
O modelo de avaliação não se afasta do que vigorava tanto como se pretendia. Não rompe em aspectos essenciais, mas, reconhecidamente, centra a avaliação no Conselho Pedagógico. O problema maior reside, no entanto, no modelo de gestão que vigor. O problema maior não é a centralização da avaliação no Conselho Pedagógico, mas a forma como o regime de gestão que vigora prevê a constituição do CP: o presidente é o director e os restantes docentes membros são nomeados pelo director… Esta terá de ser a nossa próxima e grande luta: alterar o modelo de gestão das escolas. Há, também o problema das quotas, mas sobre esse já se argumentou na resposta à pergunta anterior.

Que mandato dos professores tinham os dirigentes sindicais da Fenprof e da FNE para aceitarem o sistema de quotas e para repetirem o essencial do memorando de entendimento, que os professores tinham recusado, esmagadoramente, em 8 de Novembro de 2008?
Quem e que interesses representam, afinal, os sindicatos que assinaram o Acordo de Princípios?
A FENPROF representa os interesses dos professores, sempre e a todo o momento, e em particular dos seus associados (cerca de 65.000 professores). A FENPROF admite que, tal como acontece em sede de contratação colectiva, e no âmbito dos acordos que são celebrados (já acontece com as carreiras dos docentes do ensino particular e cooperativo, das IPSS e Misericórdias e com as carreiras gerais da Administração Pública) que os acordos de carreira, mesmo incluindo este, se aplique apenas a quem o pretender, ou seja aos seus associados. Não defendemos esta solução, mas se houver colegas que prefiram não ser abrangidos pela carreira que decorrerá deste acordo, mantendo as regras da que foi imposta pela equipa de Lurdes Rodrigues, admitimos colocar essa questão ao Governo. Não é essa, contudo, a nossa vontade, pois consideramos que os professores não sairiam beneficiados de uma situação desse tipo, para a qual o Governo, já na Legislatura anterior, procurou empurrar-nos.

Os professores vão ficar de braços cruzados a assistirem aos seus sindicatos a não assegurarem, por duas vezes consecutivas, a resposta às suas reivindicações?
Vão os professores portugueses aceitar passivamente e pactuar com esta traição à sua luta, vendo-se prejudicados nas suas expectativas de progressão e assistindo ao regresso às escolas de uma avaliação aberrante que se vai traduzir "numa guerra de todos contra todos" e roubar o tempo e a disposição para um maior e melhor investimento nas aprendizagens dos alunos?
Os professores, decerto, não irão deixar de lutar pelos seus direitos e tal como aconteceu até aqui, sabem que é com os seus Sindicatos, e em especial a FENPROF, que podem contar para continuarem a obter resultados positivos, mesmo EM contextos tão difíceis e complexos nos planos político, social e económico como aquele que vivemos. Para além da luta, há ainda a elaboração do articulado do futuro ECD em que, não só procuraremos corrigir alguns aspectos do acordo global de princípios, como intervir em outras matérias, com especial destaque para o problema dos horários de trabalho.

A minha contra-argumentação:

Toda a argumentação de Mário Nogueira entronca num equívoco de base, que esvazia o processo negocial e retira consistência à sequência das suas respostas (aceitam-se as restantes medidas porque as quotas assim o exigem e a não serem aceites seria bem pior, o que vem confirmar que a aceitação das quotas é ainda mais grave, pois veio precipitar todas as outras cedências, incluindo o transigir em princípios básicos – logo, recusavam-se as quotas e exigia-se o seu fim no Parlamento), pois fá-las depender de um pressuposto único e falacioso: o governo não tinha competência para poder corresponder à reivindicação dos sindicatos de abolição das quotas, uma vez que essa competência pertence à Assembleia da República, em virtude da imposição de quotas constituir um constrangimento de toda a função pública e estar estatuída em Lei da Assembleia da República.

Este princípio lança o seguinte conjunto de dúvidas e perplexidades:
- muitas das Leis aprovadas ou alteradas pela Assembleia da República (incluindo a que impõe as quotas na Administração Pública) não partem da iniciativa dos governos? Quando todos os partidos da oposição estão receptivos a considerarem os professores um corpo especial da Administração Pública, tendo em conta a especificidade funcional da actividade docente (a sua horizontalidade e similaridade), recearia o governo que uma sua proposta de alteração da Lei pela Assembleia da República não fosse aprovada ou, então, estará o governo inibido de fazer propostas de leis?
- se como Mário Nogueira afirma que o governo não tem competência para alterar o sistema de quotas, então o que explica que a Fenprof continuasse a exigir o fim do mesmo e deixasse arrastar as negociações, quando sabia de antemão que a sua reivindicação não poderia ser atendida e iria condicionar negativamente o alcance do acordo?
- se a imposição de quotas era uma inevitabilidade em sede negocial, porquê permitir que se centrasse a negociação num braço de ferro perdido à partida e não se tivesse aproveitado para negociar um novo modelo de avaliação, correspondendo à reivindicação principal dos professores e permitindo um ganho significativo para o clima de tranquilidade nas escolas e para os professores (além de isso ser interpretado como uma vitória dos professores e uma derrota do “desígnio” de Sócrates)? E deixaria as quotas para negociar com o Parlamento.
- se o Parlamento é que é o local certo para pôr fim ao sistema de quotas (e a iminência de um não acordo já tinha desencadeado iniciativas de bastidores nesse sentido) e se o mesmo também dava garantias de uma negociação que levasse à substituição do modelo de avaliação, não se compreende que os sindicatos tenham inicialmente fechado a porta da solução parlamentar, nem muito menos que tenham, no fim do prazo para o acordo, aceite o que designavam como “inaceitável” (prejudicando objectivamente a progressão e o salário de milhares de professores que vão ter que se arrastar em alguns escalões) sem terem ameaçado (e se não resultasse, concretizado) com o recurso ao Parlamento.

Como cada um poderá agora comprovar, estas negociações foram um equívoco do princípio ao fim, pois se em termos de quotas, falharam o lugar e os interlocutores apropriados à satisfação das reivindicações dos sindicatos (agora vêm admitir fora de horas que essa sede é o Parlamento e não o governo), em termos de modelo de avaliação, pura e simplesmente, não se discutiu nada.
Ninguém percebe como foi possível andar tanto tempo a alimentar uma encenação e uma mistificação, quando os sindicatos sabiam (porque se não o sabiam, então são incompetentes) que não se poderia estar a negociar (por impossibilidade de resposta do governo) o que se transmitia aos professores e à opinião pública que se estaria a negociar, ou seja, a não aceitação da aplicação do regime de quotas ao sistema de ensino, uma vez que não era competência do governo negociar o dossier quotas (por acaso, Sócrates considera que se trata de decisões com implicações no orçamento e devem caber ao governo e não à Assembleia da República).
Desculpe-me, Mário Nogueira, mas o seu pressuposto de partida, além de não ser verdadeiro, autoriza-nos a pensar que estas negociações soam a falso, parecendo mais uma tentativa para encamisar e refrear a contestação dos professores, à semelhança do que já ocorrera com o desgraçado "memorando de entendimento" (lembra-se das acusações que dirigiu ao PROmova quando nós imediatamente denunciamos a manobra?).

Depois, em relação ao 1º ciclo de avaliação, meu caro Mário Nogueira, uma farsa é uma farsa, pelo que não deve ser analisada e lavada em termos do custo-benefício das suas consequências (até porque era possível impor uma solução administrativa de Bom - porque na prática foi o que aconteceu - permitindo a progressão de todos os professores em igualdade de circunstâncias). Porque aquilo que os sindicatos aceitaram foi a pior solução, ou seja, beneficiar quem não lutou e castigar quem enfrentou a irracionalidade e a falta de seriedade das medidas (como é o caso daqueles que não participaram na farsa, dos colegas do 10º escalão e daqueles que tiveram Bom, mas poderiam ter obtido Muito Bom e Excelente se também não se tivessem envolvido na luta). Quando se permite que os custos recaiam sobre aqueles que lutaram, isso deveria constituir para um sindicalista a pior prostituição dos seus princípios.

Sobre uma questão final lançada por Mário Nogueira, a resposta é muito simples: preferia a estrutura de progressão de Maria de Lurdes Rodrigues a esta, desde que, naturalmente extirpada da divisão artificial e imbecil entre professores e titulares, mesmo que, no limite e por razões de penúria orçamental (o que não é o caso, pois as verbas do Estado continuam a chegar para alimentar os exercícios propagandísticos de Sócrates - veja-se o "Magalhães" e afins), os professores tivessem que se sujeitar a uma prova pública universal de acesso aos dois últimos escalões da carreira, visando uma avaliação de competências e de currículo (seria, de todo, mais transparente e mais justo).

Por mim, acredito que as respostas de Mário Nogueira enfermem de inconsistência argumentativa e não, propriamente, de um qualquer exercício de procurar atirar areia para os olhos dos professores, embora aqui e ali o pareçam.
Mas, deixo ao critério dos colegas a análise e a avaliação das respostas de Mário Nogueira. A mim não me convencem e são mais um contributo na confirmação daquilo que agora se torna óbvio: a Fenprof e a FNE envolveram-se numas negociações em local, tempo e interlocutor errados e desfocaram-se do essencial, que era a substituição do modelo de avaliação, pelos vistos, perdendo a oportunidade de terem negociado o dossier que caberia nas competências do ME.»
Octávio Gonçalves

domingo, 17 de janeiro de 2010

Pensamentos de domingo

«A política há muito tempo deixou de ser ciência do bom governo e, em vez disso, tornou-se arte da conquista e da conservação do poder.»
L. Biancardi

«Nada é tão admirável em política quanto uma memória curta.»
John Galbraith

«Curiosamente, os votantes não se sentem responsáveis pelos fracassos do governo em que votaram.»
Alberto Moravia
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Jordi Savall

sábado, 16 de janeiro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca da Filosofia Social e Política


Feminismo
«Eis mais um texto que defende uma diferença essencial entre homens e mulheres. Tem de ser essencial porque o Primeiro Homem estava livre de idealizações e a sua impulsividade era, por conseguinte, inata.
Deus aparece a Adão e Eva no Paraíso e anuncia que tem dois dons, um para cada um, e que gostaria que eles decidissem quem fica com qual.
- O primeiro dom é a capacidade de mijar de pé.
Impulsivamente, Adão grita:
- Mijar de pé? Bestial! Parece francamente bom! Quero esse.
- Está bem - diz Deus -, esse é teu, Adão. Tu ficas com o outro, Eva... orgasmos múltiplos.
Os resultados sociais e políticos do feminismo são numerosos: direito de voto, leis de protecção para vítimas de violação, melhor tratamento e contrapartidas no local de trabalho. Recentemente, outra repercussão social do feminismo foi a revolta masculina, que deu origem a uma nova categoria: a piada politicamente incorrecta.
Considerar qualquer piada que goze com o feminismo politicamente incorrecta confere-lhe uma nova dimensão - «Sei que esta piada vai contra a filosofia liberal aceite, mas uma pessoa já não pode divertir-se?» Ao justificar uma piada desta forma, a pessoa que a conta reivindica irreverência, uma qualidade que pode tornar uma piada ainda mais engraçada e socialmente mais perigosa para quem a conta [...].
Em resposta à investida de piadas politicamente incorrectas surgiu uma nova estirpe - histórias que começam como as típicas piadas chauvinistas de antigamente, mas com uma reviravolta em que a mulher leva a melhor.
Dois croupiers de um casino estão muito entediados a trabalhar na mesa dos dados. Uma mulher loura muito atraente chega e aposta 20 mil dólares numa única jogada.
- Espero que não se importem, mas sinto-me com muito mais sorte quando estou completamente nua. - Dito isto, despe-se, lança os dados e grita: - Vá lá, fofo. A mamã precisa de roupas novas! - Quando o dado pára, ela dá pulos e berra: - SIM! SIM! GANHEI. GANHEI!
Abraça cada um dos croupiers, pega nos lucros e nas roupas e afasta-se rapidamente. Os croupiers entreolham-se, embasbacados. Por fim, um deles pergunta:
- O que é que lhe saiu?
- Não sei - responde o outro. - Pensei que estavas a ver.
[...]
Eis mais um exemplo deste género neofeminista:
Uma loura está sentada ao lado de um advogado num avião. O advogado não pára de insistir com ela para jogarem um jogo para saberem quem tem maior cultura geral. Por fim, ele propõe probabilidades de dez para um. Sempre que ela não souber a resposta para uma das suas perguntas, pagar-lhe-á cinco dólares. Sempre que ele não souber a resposta para uma das perguntas dela, pagar-lhe-á cinquenta dólares.
A loura concorda ele pergunta-lhe:
- Qual é a distância da Terra até à estrela mais próxima?
Ela não responde e entrega-lhe uma nota de cinco dólares.
- Que é que sobe uma encosta com três pernas e desce com quatro pernas?
Ele pensa durante muito tempo, mas acaba por ser obrigado a reconhecer que não faz a menor ideia. Dá-lhe cinquenta dólares.
A loura guarda o dinheiro na carteira sem comentários.
- Espere um pouco. Qual é a resposta para a sua pergunta? - diz o advogado.
Sem uma palavra, a loura estende-lhe cinco dólares.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

De leitura obrigatória


A Teia Burocrática e o Trabalho Docente

Publicado em Educação por APEDE em 15/01/2010

«Muito se tem falado sobre a burocracia em que se vêem mergulhados os professores (e sobretudo os directores de turma) no seu dia-a-dia escolar. Esta verdade, inquestionável, atinge o surreal na altura das reuniões de avaliação. E para o demonstrar nada melhor do que ir aos factos, relatando um caso concreto numa escola, do concelho de Sintra, com Conselhos de Turma a começarem às 8 da manhã e professores a sair da escola já para lá das 21h.

A lista dos documentos exigidos aos directores de turma e secretários, no final das reuniões, foi a seguinte:

a) Pauta

b) Acta da Reunião (mais à frente indicaremos os 12 pontos da Ordem de Trabalhos)

c) Documento anexo à Acta designado por “Elementos Essenciais de Apoio à Gestão” (mais abaixo descreveremos os 6 pontos que o compõem)

d) Documento anexo à Acta com a avaliação qualitativa das disciplinas semestrais

e) Documento anexo à Acta com o balanço das actividades desenvolvidas nas Áreas Disciplinares Não Curriculares (Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica)

f) Ficha Estatística, em Excel, com diversas indicações e registos: níveis atribuídos em cada disciplina, aulas previstas e dadas, alunos com apoio/aulas Individuais, planos de Recuperação/Acompanhamento, número de níveis inferiores a três, etc.

g) Planos de Recuperação para todos os alunos com 3 ou mais níveis inferiores a 3

h) Planos de Acompanhamento para todos os alunos retidos no ano anterior

i) Planos de Compensação

j) Projecto Curricular de Turma

l) Folha Excel com registo dos parâmetros de avaliação, respectivos critérios, ponderações, classificações parciais (parâmetro a parâmetro) e níveis finais, aluno a aluno, de todas as disciplinas.

A Acta da Reunião, referida na alínea b), possui campos de preenchimento específico para os seguintes 12 pontos da Ordem de Trabalhos:

1- Avaliação dos alunos

2- Avaliação qualitativa das disciplinas Semestrais;

3- Alunos com Planos de Acompanhamento – Ponto de situação;

4- Elaboração dos Planos de Recuperação;

5- Alunos com problemas de assiduidade;

6- Alunos avaliados ao abrigo do Decreto-lei 3/08 de 7 de Janeiro – Medidas implementadas;

7- Aproveitamento e comportamento geral da turma;

8- Balanço das actividades realizadas nas áreas disciplinares não curriculares;

9- Projecto Curricular de Turma – Ponto da situação;

10- Plano Anual de Actividades – 1.º Período;

11- Verificação da Pauta e dos Registos de Avaliação;

12- Outros assuntos.

No ponto 3 da Acta é solicitado o preenchimento de uma tabela com o nome dos alunos, disciplinas, horários, salas, professores responsáveis, aulas previstas, dadas e assistidas.

No ponto 4 da Acta é solicitado o preenchimento de uma tabela com o nome dos alunos e registo dos níveis inferiores a três obtidos, disciplina a disciplina, registando-se ainda os alunos indicados para apoio.

No ponto 5 da Acta é solicitado o preenchimento de uma tabela com o nome dos alunos e referência às faltas verificadas, disciplina a disciplina.

O mesmo acontece no ponto 6 da Acta, solicitando-se agora as medidas implementadas, aluno a aluno, disciplina a disciplina.

No ponto 7 da Acta surge uma nova tabela solicitando os números e nomes dos alunos, comportamentos a modificar, estratégias adoptadas e disciplinas envolvidas.

Em todos estes pontos, bem como em quase todos os outros da Acta, existe um campo específico para “Observações”, prevendo uma descrição das diversas situações, justificações e demais considerações.

É importante salientar que a maior parte destas informações são igualmente solicitadas nos diversos documentos específicos, referidos nas alíneas acima, sendo pois registadas, de forma duplicada, em diferentes documentos.

O Documento anexo à Acta designado por “Elementos Essenciais de Apoio à Gestão”, referido na alínea c), possui campos específicos de preenchimento para os 6 pontos que o compõem, adiante referidos, sendo solicitado aos professores que descrevam de que forma estão a contribuir para o cumprimento/desenvolvimento dos seguintes objectivos/actividades:

1- Apoio à Aprendizagem (Dia/Hora e Sala; Actividades que estão a ser desenvolvidas; número de alunos)

2- Promover a consciencialização e a intervenção em áreas relativas à educação para a saúde, à educação sexual e à educação ambiental integrando as actividades/trabalhos nos projectos curriculares de turma dos projectos e clubes, como sejam o programa do Eco-escolas, o projecto da Educação Sexual, Desporto Escolar, etc.

3- Promover as assembleias de turma/grupo, regularmente (em formação cívica), para a resolução de situações de conflito e desenvolvimento da consciência cívica dos alunos.

4- Reforçar as responsabilidades atribuídas aos delegados e subdelegados das turmas.

5- Criar na plataforma “Moodle” a respectiva disciplina da Turma/Sala [Plano Tecnológico da Educação]

6- Implicar os encarregados de educação no acompanhamento e regulação no processo de aprendizagem dos educandos e na dinamização de projectos de escola/agrupamento

Perante esta descrição, que dispensa comentários de maior (e que ilustra o que se passa numa turma, sabendo nós que muitos professores têm, sete, oito ou mais turmas e as consequentes reuniões de avaliação, sendo que esta nem será das escolas mais complicadas, ao nível das exigências burocráticas), não podemos deixar de sublinhar um facto indesmentível: se é verdade que o ME (e os seus organismos tentaculares e centralistas) têm uma grande responsabilidade neste estado de coisas, não é menos verdade que há, por aí, muitos Directores mais “papistas que o Papa”. Por alguma razão sempre dissemos que a alteração radical do actual modelo de gestão tem de ser, e será, no que depender de nós, uma das prioridades na luta dos professores. Assim como a composição dos horários e restantes condições de trabalho.

Para aqueles editorialistas, comentadores, analistas, e outros analfabetos funcionais, no que respeita aos condicionalismos e especificidade da profissão docente, aqui fica um pequeno e muito parcelar testemunho do que é o trabalho dos professores. Uma gota de água apenas perante tudo aquilo que os envolve e vai sendo alvo do seu esforço e dedicação, no dia-a-dia escolar (tantas e tantas vezes prolongado noite dentro).»

Fragmenti veneris diei

«Quando se voltaram, Pelletier e Espinoza depararam com uma mulher já de idade, com uma figura semelhante, segundo confessaria Pelletier muito depois, a Marlene Dietrich, uma mulher que apesar dos anos conservara a sua determinação intacta, uma mulher que não se agarrava à beira do abismo, mas sim que caía no abismo com curiosidade e elegância. Uma mulher que caía no abismo sentada.
- O meu marido conheceu todos os escritores alemães e os escritores alemães gostavam do meu marido e respeitavam-no, embora depois alguns dissessem coisa horríveis sobre ele, algumas incorrectas - disse a senhora Bubis com um sorriso.
Falaram de Archimboldi e a Sr.ª Bubis mandou trazer bolos e chá, embora ela tenha bebido vodka, uma coisa que surpreendeu Espinoza e Pelletier, não pelo facto de a senhora começar a beber tão cedo, mas sim por não lhes ter oferecido um copo a eles, copo que, por outro lado, teria sido rejeitado.
- A única pessoa na editora que conhecia a obra de Archimboldi na perfeição - explicou a Sr.ª Bubis - era o senhor Bubis, que lhe publicou todos os seus livros.
Mas ela interrogava-se (e de passagem perguntava-lhes a eles) até que ponto alguém pode conhecer a obra de outrem.
- A mim, por exemplo, apaixona-me a obra de Grosz - disse ela indicando os desenhos de Grosz pendurados na parede - mas conheço realmente a sua obra? As suas histórias fazem-me rir, por momentos penso que Grosz as desenhou para que eu me risse, por vezes o riso transforma-se em gargalhadas e as gargalhadas num ataque de hilaridade, mas uma vez conheci um crítico de arte que gostava de Grosz, claro, e que, no entanto, se deprimia imenso quando assistia a uma retrospectiva da sua obra ou por motivos profissionais tinha de estudar alguma tela ou algum desenho. E essas depressões ou esses períodos de tristeza costumavam durar-lhe semanas. Esse crítico de arte era meu amigo, embora nunca tivéssemos tocado no tema Grosz. Uma vez, porém, disse-lhe o que acontecia comigo. A princípio não queria acreditar. Depois começou a abanar a cabeça. Depois olhou para mim de cima a baixo como se não me conhecesse. Pensei que tinha ficado louco. Ele rompeu a sua amizade comigo para sempre. Há pouco tempo contaram-me que ainda diz que eu não sei nada sobre Grosz e que o meu gosto estético é semelhante ao de uma vaca. Bem, por mim pode dizer o que quiser. Eu rio-me com Grosz, ele deprime-se com Grozs, mas quem conhece Grosz realmente?»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 41-42.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Retratos de Sócrates (17)

«Com um enorme mandato para cumprir, com mais de quatro anos e meio de governação pela frente, o desgaste provocado por uma série de erros de palmatória, designadamente de estilo, começou a fazer-se sentir. A estratégia de confronto teve uma única consequência: a crispação desnecessária do ambiente político e social.
A guerra declarada sobretudo aos juízes, professores e sindicatos começava a provocar reacções contraditórias, tais foram os dislates governamentais. A manobra de diminuição do período de férias judiciais, o simulacro de avaliação de professores e alunos e a imposição de uma certa forma de negociar tornaram-se em obsessões dos ministros, agindo à imagem e semelhança do chefe. E com o aval dele, em privado e em público. Qualquer contrariedade, qualquer obstáculo, provocava a fúria do "homem" e do "líder". [...]
As nomeações de boys e girls para o aparelho de Estado já estavam em velocidade de cruzeiro, isto é, era mais do mesmo. Por diversas vezes, no âmbito do meu trabalho jornalístico, denunciei a invasão socialista e as nomeações fulminantes em variadíssimos sectores, nomeadamente nos serviços de informações e nas polícias. Fi-lo com este governo, como o fiz com os anteriores, independentemente da suas cores partidárias e estilos mais ou menos trauliteiros.
Um mês e sete dias depois da posse, José Sócrates escolheu o novo 'Senhor SIRP [Serviço de Informação da República Portuguesa], Júlio Pereira, um conhecido do Serviço de Informações e Segurança (SIS) e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A nomeação antecedeu uma espécie de revolução silenciosa. Aliás, não foi preciso esperar muito mais tempo. Sete meses depois da eleição do governo de maioria absoluta, a dimensão do "Estado Rosa" faria corar o criador do "Estado Laranja", como destaquei num artigo, em 20 de Setembro de 2005.
Da maioria absoluta, alcançada nas urnas, à prática do poder absoluto foi um passo. Um passo que gerou a maior desconfiança em relação a um primeiro-ministro com poderes, directos e derivados, nunca reunidos num governante. E da concentração de poderes ao seu exercício foi outro passo. Mais parecia "Deus". Enquanto não lhe destaparam os pés de barro, foi um regabofe de exibicionismo de autoridade. Um dos artigos que assinei sobre as 'secretas' irritou-o, em privado, claro está, pelo que a subsequente correria para o telefone e para apresentar uma queixa-crime só surpreendeu quem não o conhecia. [...] A partir daí a minha vida profissional começou a correr mal.
Não fui o único jornalista que escreveu e assinou artigos desfavoráveis, mas verdadeiros. Nem fui o único a ter problemas posteriormente. Senão vejamos, para já, um caso paradigmático.
Depois de ter começado a reeditar uma série de artigos, com o título "O Polvo", que retratavam as aventuras e as redes de cumplicidade entre socialistas, nomeadamente os que passaram por Macau, uns mais "soaristas" do que outros, Joaquim Vieira acabou por ser despedido, inesperadamente, de director da revista "Grande Reportagem", em 20 de Novembro de 2005. Obviamente, ou não, a decisão, certamente muito difícil, pertenceu à administração de Joaquim Vieira que, entretanto já comprara a "Lusomundo", depois de José Sócrates ter assumido o poder. Coincidência? [...]
Foi o mesmo tipo de coincidência que me aconteceu a mim, mais tarde, em Janeiro de 2007, depois de uma série de artigos sobre a polémica passagem de aviões da CIA e de uma reportagem que realizei nos Açores, [...] e para a qual não obtive autorização para publicar, dando origem à rescisão do meu contrato laboral. Não necessito de me socorrer do que me aconteceu, pois sucederam outros casos semelhantes a outros jornalistas, uns mais credíveis do que outros, mas sempre com o mesmo denominador comum: artigos desfavoráveis a José Sócrates.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 128-131.

Quinta da Clássica - Johannes Brahms

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Em desacordo com o Acordo - 2

Entre muitos outros, um dos aspectos mais importantes que inquinou e tornou inaceitável o modelo de avaliação do anterior Governo foi o modo como os avaliadores foram escolhidos e a inexistência de qualificação e de credibilização dos mesmos.
1. O modo como os avaliadores foram escolhidos foi, como é sabido, constituído por um duplo processo:
a) o concurso para professor titular, isto é, o vergonhoso, irresponsável e arbitrário processo de selecção dos professores titulares;
b) a escolha dos avaliadores (coordenadores de departamento e/ou professores titulares com funções de avaliador), pela forma de nomeação, feita pelo presidente do conselho executivo/director, e pela forma de delegação de competências avaliativas, feita pelos coordenadores de departamento. Como também é sabido, quer a nomeação dos coordenadores de departamento quer a delegação de competências foi feita, na maioria das escolas, seguindo um dos seguintes critérios: amiguismo, apoio manifesto ou encapotado ao presidente do conselho executivo/director, apoio manifesto ou encapotado à política do Governo, e outras cumplicidades várias.
2. O modelo de avaliação, quer na sua versão inicial, quer na versão simplex, iniciou-se e desenvolveu-se sem uma obrigatória qualificação dos professores avaliadores. O aventureirismo da anterior ministra e do primeiro-ministro permitiu que centenas de docentes exercessem funções avaliativas sem um mínimo de preparação. Foram realizadas à pressa e sem qualquer qualidade umas acções ditas de formação de 15 ou 25 horas para, irresponsavelmente, fazerem crer, não se sabe bem a quem, que todos passaram a estar qualificados. Há, certamente, países do terceiro mundo que não aceitariam estes procedimentos.
3. Dos factores acima enunciados decorreu a total descredibilização dos avaliadores. E sem avaliadores reconhecidos não é possível desenvolver nenhum processo avaliativo, sem graves e irreversíveis consequências.
Isto foi o que se passou. Esta foi uma das causas que desencadeou um gigantesco protesto nacional e uma revolta nunca antes vista.

O Acordo, agora assinado entre o ME e alguns sindicatos, resolveu este grave e estrutural problema? Ultrapassou esta causa que originou uma legítima e veemente contestação? Não o resolveu nem a ultrapassou, pelo contrário, reafirma ambos: substitua-se o professor titular pelo professor relator e a situação é, na prática, a mesma.
O professor avaliador/relator continua a não ter qualquer preparação para o exercício da função (leia-se preparação de médio e de longo prazo, de nível superior, como o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores enfaticamente recomendou). O professor avaliador/relator continua a ser nomeado nos mesmos moldes que os anteriores avaliadores o eram. Ou seja, o professor avaliador/relator continuará a ser escolhido por um processo inaceitável, continuará a ser desqualificado e continuará a ser descredibilizado.
Esta é uma das razões porque estou em desacordo com o Acordo.

Às quartas

Eu quero, eu quero

De boca aberta, o deus recém-nascido
imenso, calvo, embora com cabeça de criança,
gritou pela teta da mãe.
Os vulcões secos estalaram e cuspiram,

a areia esfolou o lábio sem leite.
Gritou então pelo sangue paterno
que agitou a vesta, o tubarão e o lobo
e veio engendrar o bico do ganso.

De olhos secos, o inveterado patriarca
ergueu seus homens de pele e osso:
farpas sobre a coroa de fio dourado,
espinhos nas hastes sangrentas da rosa.

Sylvia Plath
(Trad.: Maria de Lourdes Guimarães)