terça-feira, 30 de abril de 2013

Maio, dia um


Esta pintura de Tarsila do Amaral, intitulada Operários, apesar de ter sido pintada na década de trinta do século passado, para expressar a realidade social brasileira, tem, para nós portugueses, nos dias que agora vivemos, a mesma força e o mesmo sentido que teve há oitenta anos.
Estes rostos dolorosamente sérios, tristes, cansados, desprovidos de qualquer sinal de esperança interpelam e incomodam quem os observa. Olhares e faces que insinuam pertencer a mulheres e homens que angustiadamente vão sobrevivendo, sem mais.

Uma cópia desta tela deveria ser colocada no gabinete, em frente da secretária, de cada um dos ministros do actual governo. Esta realidade, de que alguns responsáveis deste executivo cobardemente se escondem e que outros arrogantemente desprezam, atinge quase todos os dias mais trabalhadores e novas famílias. O respeito que dizem ter pelo dia que hoje se comemora é tão cínico como o respeito que dizem ter por quem trabalha.
Se, por memória menos viva, ainda dúvidas houvesse acerca do incontornável conflito entre o mundo do trabalho e o mundo do capital, os acontecimento dos últimos anos não permitiriam que elas subsistissem. É, pois, intolerável ver alguns políticos proclamarem, durante um dia do ano, os direitos dos trabalhadores e, durante os restantes trezentos e sessenta e quatro dias, defenderem os interesses de quem é responsável pela existência de milhões de rostos como os de Tarsila do Amaral.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nacos

«Alto, com uma bela figura, rosto pensativo e fino de longos bigodes loiros, de olhar azul desencantado, de uma delicadeza refinada, um conversador como nunca tínhamos ouvido, era aos olhos da minha família, que o citava sempre como exemplo, o tipo de homem de escol, que encarava a vida da maneira mais nobre e mais delicada. A minha avó só lhe censurava o falar um pouco bem de mais, um pouco como um livro, o não ter na sua linguagem a naturalidade que existia nos seus laços lavallière sempre flutuantes, no seu jaquetão direito, quase de estudante. Também se espantava com as tiradas inflamadas em que ele muitas vezes se lançava contra a aristocracia, a vida mundana, o snobismo, "certamente o pecado em que São Paulo está a pensar quando fala do pecado para o qual não há remissão".
A ambição mundana era um sentimento que a minha avó era tão incapaz de sentir e quase de compreender que lhe parecia bem inútil pôr tanto ardor em aviltá-la. Para mais, não achava de muito gosto que o senhor Legrandin, cuja irmã estava casada perto de Balbec com um fidalgo da Baixa Normandia, se entregasse a ataques tão violentos contra os nobres, indo ao ponto de censurar a Revolução por não os ter guilhotinado a todos.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido — Do lado de Swann, Relógio D'Água.

sábado, 27 de abril de 2013

O fim das escolas

As escolas estão em extinção, os grupos disciplinares desapareceram e os auxiliares de acção educativa também. Estes são três exemplos do que a ideologia «exceliana», que há uns largos anos nos governa, tem feito relativamente a quase tudo o que é significante, do ponto de vista da educação. Na mente e na linguagem do «administrês» ou do «economês» (que repugnam tanto ou mais do que as do «eduquês») as escolas passaram a «unidades orgânicas», os grupos disciplinares passaram a «grupos de recrutamento» e os auxiliares de acção educativa passaram a «assistentes operacionais». 
O significante «Escola», cujo significado actual nos liga ao Saber, ao Ensinar, ao Aprender, ao Educar, não cabe numa célula do «Excel», mas o (in)significante «unidade orgânica» já lá cabe, tal é a pobreza do seu significado. 
O significante «grupo disciplinar» foi substituído pelo (in)significante «grupo de recrutamento» com um número à frente. O que outrora foi o grupo disciplinar de português, ou de matemática, ou de história, ou de filosofia, ou de... passou a «grupo de recrutamento» número x, ou y, ou z, ou... De uma assentada, anula-se a ordem do saber, que era a razão de ser do grupo disciplinar, e substitui-se pela ordem do alistamento ou do arrebanhamento. Os professores passam de docentes identificados e ligados a saberes, que a civilização durante milénios produziu, a uma massa anónima de recrutas com um número à frente. 
Por sua vez, o significante «auxiliar de acção educativa» foi substituído pelo (in)significante «assistente operacional». O significante «auxiliar de acção educativa» tinha o significado de fazer do funcionário um adjunto do professor na acção educativa, de responsabilizá-lo e de integrá-lo naquilo que é uma das missões fundamentais da escola. Pretendia-se precisamente aquilo que o (in)significante «assistente operacional» não faz. Isto é, não faz do funcionário coisa alguma nem o integra em coisa nenhuma.

Os homens e as mulheres do «Excel» têm horror aos significantes cujo significado extravase a dimensão de uma quadrícula, e deleitam-se com tudo o que tenha odor ou aparência de «tecnicidade», «operacionalidade», «organicidade», «concreticidade». Têm pavor à substância e à qualidade, o seu mundo não abarca mais do que a forma e a quantidade.
Mas o que é preocupante não é a existência destas mentes quadriculadas, o que verdadeiramente preocupa é a passividade e o acriticismo com que se aceita e se reproduz tanta miséria de intelecto.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cinismos de Abril


um ano, escrevi o seguinte:
«É uma amarga ironia observar que, em cada 25 de Abril que se sucede, aqueles que têm a responsabilidade de proceder à sua celebração oficial são personagens cuja identificação com o acontecimento que celebram vai sendo cada vez menor. Ano após ano, os protagonistas institucionais das celebrações vão acentuando o divórcio entre o que eles próprios são e simbolizam e entre o que o 25 de Abril foi e simboliza.
Ao contrário do que, com insistência, os discursantes oficiais afirmam, o 25 de Abril não foi apenas o momento do triunfo da Liberdade. O 25 de Abril foi essencialmente o momento de uma notável inversão de valores políticos e éticos, na sociedade portuguesa. Valores como a Igualdade, a Solidariedade, a Justiça Social e outros foram parte integrante da Liberdade abrilista. Procurar reduzir o 25 de Abril à aquisição da Liberdade formal é a preocupação daqueles que, tolerando a existência e a inevitabilidade da Liberdade, a pretendem vazia de conteúdo.»

Desgraçadamente, o que há um ano era verdade continua hoje a sê-lo. Mas aquilo que chamei de «amarga ironia» talvez deva agora ser chamado de insultuoso cinismo. A verdade é que, apesar das personagens serem as mesmas, a distância entre o que elas simbolizam e o que o 25 de Abril simboliza cresceu ainda mais. Os actuais detentores do poder político tudo fazem para destruir qualquer réstia ou sobrevivência de Igualdade, de Solidariedade ou de Justiça Social. Usufrutuários da Liberdade que Abril lhes trouxe, diariamente atraiçoam os Valores que a Abril estão associados. Com um impressionante cinismo, servem-se da Liberdade para recuperar o domínio e os privilégios perdidos. Sem tibiezas, todos os dias enganam quem os elegeu e todos os dias querem transformar a democracia num jogo sem regras éticas. 
Cinicamente, vale tudo.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Para clicar


Poemas

E LEVANTAM-SE AS PESSOAS

E levantam-se as pessoas
Como quem se adormecesse.
Preparam-se para o sono
De uma vigília nas ruas
Nas casas e nos empregos.

E naufragam e sufocam
Nas avenidas do Tempo.
Conversam como quem fecha
Creches gaiolas enterros
— Crianças aves e mortos.

Nos sorrisos e nos risos
Na lucidez dos reflexos
Pensam os tristes dos homens
Ganhar os dias correndo.
Mas são retidos nas sombras.
São amarrados ao vento
São sacudidos em potros
e forcas de entendimento.

Eles que são cabeleiras,
Nas chuvas de outros intentos
Nos rios e nas goteiras.

E levantam-se as pessoas
Como quem fosse viver.

Dá o Sol por sobre o Dia
Faz o dia apodrecer.

(Maduro quer dizer Morte
Com toda a sabedoria)

Deitam-se então as pessoas
Para a morte de outro dia.

Natércia Freire

sábado, 20 de abril de 2013

A propósito de honrar os compromissos e garantir a estabilidade

Não fosse o enorme sofrimento que consigo arrasta, o tempo que estamos a viver seria de particular utilidade. Na verdade, as sui generis circunstâncias do período que estamos a passar obrigam a vir à tona muitas das mais toscas contradições que, em tempos «normais», a hipocrisia política e social consegue esconder com relativa facilidade. 
E não fosse a causa dessas grosseiras contradições ser também uma das causas da dor e da injustiça que atingem quase todos nós, poderíamos até sorrir com o cair do véu da dissimulação.

Um exemplo do que acabo de referir. 
A propósito do pagamento ou não pagamento da dívida soberana aos credores, são recorrentemente proferidas, com enfâse, expressões desta natureza: «O Estado tem de honrar os compromissos que assumiu»; «Os compromissos são para ser cumpridos»; «É impensável fugirmos às nossas responsabilidades»; «Temos de ser credíveis». 
A propósito da captação de investimento estrangeiro ou da criação de condições para o desenvolvimento económico das empresas são repetidamente feitas afirmações como estas: «O Estado tem de garantir estabilidade contratual.» «A estabilidade de longo prazo é fundamental»; «As regras definidas têm de ser cumpridas e as expectativas devem ser respeitadas»; «É assim que as pessoas de bem se comportam». 
Estas frases são ditas com aparente convicção e são inseridas no domínio dos princípios fundamentais da ética. Fundamentais e invioláveis, segundo os dizentes. Os dizentes são: membros do actual governo, membros do governo anterior, deputados da actual maioria, deputados da maioria anterior, patrões, financeiros, economistas da elite dominante, comentantes profissionais. 
O problema surge quando estas evidências éticas, quando estes princípios afirmados como inabaláveis são repentinamente esquecidos ou misteriosamente dissolvidos no éter. O problema surge e agrava-se quando aqueles que os proferem são os mesmos que, quando o contexto muda, proferem e praticam o oposto. E aquilo que antes era princípio absoluto passa com facilidade a minudência relativa e desprezível. 

Na realidade, não é possível defender que «o Estado tem de honrar os compromissos que assumiu» relativamente aos credores e ao mesmo tempo defender que o Estado já não tem de honrar os compromissos que assumiu relativamente aos seus funcionários e pensionistas e para com aqueles a quem presta apoio social. Não é possível apregoar que «o Estado tem de assumir as suas responsabilidades» para com os credores e simultaneamente considerar que o Estado não tem de assumir as suas responsabilidades para com os funcionários públicos e pensionistas e para com aqueles a quem presta apoio social. 
A falta de honestidade intelectual é evidente. A falta de critério moral é confrangedora. 
Relativamente ao valor «estabilidade» o problema replica-se.
Afinal onde se situa, na hierarquia axiológica da nossa elite, aquilo que é afirmado como um valor essencial — «o Estado garantir estabilidade contratual» — se a estabilidade dos contratos é somente um valor quando se reporta às empresas e é um desvalor quando se reporta às pessoas? As expectativas são invioláveis para as empresas e violáveis para os trabalhadores e reformados e para quem necessita de apoio social? Afinal como se comporta uma pessoa de bem: umas vezes respeitando as regras definidas outras vezes desrespeitando-as?

Esta ideologia que nos domina resulta de um amontoado de interesses não assumidos e apenas sobrevive no pântano da hipocrisia política e da retórica de falácias.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O privado faz melhor do que o Estado?

«O que o privado pode fazer faz melhor do que o Estado.» Esta é uma das frases emblemáticas que a ideologia dominante repete insistentemente. A teimosia com que esta frase é repetida não tem um contraditório de idêntica persistência. E não se compreende que não o tenha. Na verdade, as «evidências» (termo adorado pelos neófitos da ideologia dominante) não confirmam a universalidade da afirmação. Em Portugal, temos até muitos elementos que, se se pretendesse a partir deles generalizar, nos conduziriam à conclusão oposta.

1. Na educação, por exemplo, uma comparação séria entre a qualidade do serviço público e a qualidade do serviço privado revela que o primeiro é claramente superior.
No ensino universitário, não existe nenhuma instituição privada cuja qualidade de ensino rivalize com as públicas. Pelo contrário, é no ensino universitário privado que têm ocorrido as mais extravagantes situações, algumas que culminaram até com o encerramento dessas universidades — um desses encerramentos foi mesmo de natureza compulsiva (refiro-me à Universidade Independente, conhecida por aceitar testes enviados por fax e por passar diplomas ao domingo).
A Universidade Católica não constitui uma excepção a esta regra, porque não se trata de uma instituição privada — é uma Universidade pública não estatal. Neste momento, o ensino superior privado é essencialmente uma solução de recurso para aqueles que não conseguem entrar no ensino público.
No ensino básico e secundário, temos uma realidade ocultada por uma «medição» trapaceira, a conhecida «medição» dos rankings dos jornais. Houvesse um escrutínio sério que comparasse o trabalho desenvolvido por todas as escolas e ver-se-ia que o verdadeiro trabalho educativo e formativo é esmagadoramente realizado nas instituições públicas, que diariamente trabalham com crianças e jovens de todas as classes e de todas as proveniências. Não trabalham com um público seleccionado, cujo o nível económico e cultural se situa muitíssimo acima da média, possibilitando processos de ensino e de aprendizagem muito diferentes daqueles que têm de ser desenvolvidos com alunos que vêm de famílias desestruturadas e/ou carenciados económica, cultural e afectivamente. Não haja a menor dúvida de que é nas escolas públicas que é desenvolvido o trabalho mais difícil e o mais meritório.

2. Na saúde, ninguém afirma, com seriedade, que os melhores cuidados sejam prestados pelos hospitais privados. Não é atribuída à medicina privada qualquer mais-valia, se comparada com a medicina pública. São aliás os centros de saúde e os hospitais públicos os pilares da saúde dos portugueses. A existir supremacia será, pois, do público sobre o privado.

3. Nos transportes, a passagem de diversas empresas do sector público rodoviário para o sector privado não trouxe, para o utente, nenhuma vantagem conhecida. Pelo contrário, nestes casos, a regra tem sido aumento dos preços e diminuição da frequência do serviço.

4. Na energia, nenhum consumidor ficou beneficiado com a transformação da EDP em empresa privada. O mesmo sucedeu com a GALP. Em nenhuma das duas situações houve abaixamento dos preços ou melhoria da qualidade do serviço prestado. E o Estado deixou de usufruir dos lucros que ambas as empresas lhe proporcionavam.

5. Na televisão, as estações privadas não fazem melhor serviço do que a RTP. A qualidade é equivalente e a independência, ou a falta dela, é idêntica. Acresce que a RTP realiza serviço público que as estações privadas nunca estariam interessadas em realizar.

6. Na banca, são os bancos privados os maiores sorvedouros do dinheiro dos contribuintes e onde os crimes e as falcatruas proliferam. O BPN e o BPP, dois bancos onde as burlas não parecem ter fim, são privados, não são públicos. O BANIF, o BPI e o BCP, que foram recentemente recapitalizados com o dinheiro do Estado, são bancos privados, não são públicos. A CGD, que é pública, teve de ser recapitalizada porque injectou e continua a injectar milhões de euros no BPN.

A frase «o privado faz melhor do que o Estado» está pois muito carenciada de prova factual. 
A defesa da actividade não estatal é obviamente legítima e é óbvio que se trata de uma actividade necessária em qualquer sociedade, o que não é legítimo nem óbvio é adulterar a realidade em favor de uma ideologia cega ao interesse comum.

domingo, 14 de abril de 2013

Momento quase filosófico

Nasreddin Hodjâ [uma personagem desconcertante presente em muitos contos e lendas do Médio Oriente], como de costume de barriga vazia, andava um dia pela rua de uma cidade quando ouviu, dentro de uma bela e rica residência, os ruídos calorosos, e muito atraentes, de uma festa. Apresentou-se e pediu para ser recebido para participar nos festejos, mas estava tão mal vestido que os dois guardas, brutalmente, lhe recusaram a entrada.
Nasreddin foi logo pedir emprestado a um amigo um caftã debruado a ouro. Envolto naquela peça de roupa de magnífica aparência, apresentou-se de novo à porta da casa e desta vez mandaram-no entrar com todas as honras.
Nasreddin instalou-se junto das travessas que acabavam de servir, agradecendo sempre educadamente. Então, com todo o cuidado, levantou um braço e deixou molhar a manga do seu belo caftã no molho de um prato.
Ao mesmo tempo, parecendo dirigir-se àquela mancha, dizia:
— Toma, come.
O dono da casa estranhou, ficou indignado e disse:
— Que fazes? Estás louco?
— De maneira nenhuma — respondeu Nasreddin. — Não sou eu o convidado, é o meu caftã. É normal que seja ele a comer.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema.

sábado, 13 de abril de 2013

Nacos

«Ali, o ar estava saturado da fina-flor de um silêncio tão alimentício, tão suculento, que eu só lá entrava com uma espécie de gulodice, sobretudo nessas primeiras manhãs ainda frias da semana da Páscoa, onde o saboreava melhor porque mal acabava de chegar a Combray: antes de entrar para dar os bons-dias à minha tia faziam-me esperar um momento, na primeira sala, onde o sol, ainda de Inverno, viera aquecer-se ao pé do fogo, já aceso entre os dois tijolos e que polvilhava todo o quarto de um cheiro a fuligem, que fazia dele como que uma daquelas grandes "frontarias de fogão" do campo, ou daqueles panos de chaminé dos palácios, debaixo dos quais desejamos que se declarem lá fora a chuva, a neve, ou até alguma catástrofe diluviana, para acrescentar ao conforto da reclusão a poesia da invernagem; eu dava alguns passos entre o genuflexório e os cadeirões de veludo forte, sempre revestidos de um resguardo para a cabeça de renda, e o fogo, cozendo como uma massa os apetitosos odores que enchiam de grumos o ar do quarto, e que a frescura húmida e ensolarada da manhã já fizera trabalhar e "levedar", folhava-os, dourava-os, enfolava-os, enturgecía-os, fazendo um invisível e palpável bolo de província, uma imensa torta de maçãs, à qual, logo depois de saborear os aromas mais estaladiços, mais finos, mais reputados, mas também mais secos, do armário, da cómoda, do papel de ramagens, eu regressava sempre com uma inconfessada cobiça, deixando-me prender no odor medíocre, viscoso, insosso, indigesto e frutado da colcha de flores.»
                                  Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido — Do lado de Swann, Relógio D'Água.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Mensagem aos Professores Contratados

Recebido por e-mail, da Associação Nacional dos Professores Contratados:


MENSAGEM AOS PROFESSORES CONTRATADOS PORTUGUESES 
NOVA AÇÃO DE LUTA

Caros(as) Professores Contratados(as) portugueses(as), 

A ANVPC tem colocado na “praça pública”, nos últimos meses, o problema da precariedade laboral de longa duração dos Professores Contratados portugueses, problema que se arrasta há anos e anos sem que sejam apresentadas, pela tutela, soluções reais, e verdadeiramente adequadas à dimensão do problema. Uma série de ações de natureza diversa, mas complementar, têm sido postas em marcha pela ANVPC, todas elas disponíveis no seu website em www.anvpc.org .

Cabe, no entanto, referir que a ação específica que a ANVPC desenvolveu conjuntamente com os seus associados e Professores Contratados portugueses, junto da Comissão Europeia (CE), durante os passados meses de dezembro, janeiro e fevereiro, começa a dar os seus resultados reais, tal como poderá ser avaliado pelas informações colocadas em www.anvpc.org/noticias assim como pela leitura da recente notícia, publicada no dia de ontem no jornal “Diário de Notícias” (que poderá ser consultada AQUI), a que aconselhamos uma leitura atenta.

Face aos desenvolvimento referidos, a Associação Nacional dos Professores Contratados solicita a todos os Professores Contratados portugueses que se juntem a uma nova fase desta ação junto da CE – a dar início já no próximo dia 16.04.2013 – e enviem seu processo de denúncia.

a) Os(as) associados(as) da ANVPC deverão consultar o seu e-mail e verificar se já são detentores do “Manual de Instruções – CE” para realização, e envio, da sua queixa individual. Todo o apoio será disponibilizado através do e-mail ce@anvpc.org.

b) Os Professores Contratados que ainda não são associados da ANVPC deverão solicitar informações adicionais através do e-mail ce@anvpc.org.

c) Todos os professores deverão requerer, junto dos serviços administrativos das suas escolas, e com a maior brevidade, os seguintes documentos: Declaração de tempo de serviço para efeitos de concurso e copia autenticada do seu Registo biográfico

Mais informações em:
e

Agradecemos, a todos vós, que enviem a todos os vossos contactos de e-mail, telefone, ou por outros meios (sala dos professores, etc.) toda esta informação.

Os Professores Contratados portugueses exigirão a reposição da justiça laboral, em todas as instâncias que estejam ao seu dispor – nacionais e internacionais. Com uma ação coesa, articulada e estratégica, atingiremos o nosso objetivo central – a estabilização profissional de milhares de docentes que há muito se assumem como necessidades permanentes do sistema de ensino português. Nessa medida, o teu apoio é essencial para a restituição da justiça, no que respeita ao merecido vínculo laboral dos Professores Contratados portugueses. Passa a palavra!

Contámos Contigo, podes contar, como sempre, Connosco!

A direção da ANVPC

Para clicar


domingo, 7 de abril de 2013

A seriedade política que não existe

Passos Coelho não é politicamente sério. Desde que se tornou líder do PSD, Passos Coelho engana recorrentemente os portugueses. Hoje, na comunicação que fez ao país, voltou a revelar uma confrangedora falta de seriedade. Dizer aos portugueses que a culpa da situação que vivemos é do Tribunal Constitucional, por ter declarado ilegais quatro normas do Orçamento, é o mesmo que dizer que a culpa não é de quem comete o crime, mas é do tribunal que condena o criminoso. 
Procurar virar a realidade ao contrário não é sério. Procurar atribuir aos outros culpas que são suas não é sério. Furtar-se às responsabilidades não é sério.
Tivemos seis anos em que esta prática era corrente. Temos agora mais dois anos em que esta prática prossegue. Sócrates e Passos Coelho, para além da destruição que fizeram do país, dizimam a credibilidade do exercício da política, cujo exercício honesto é condição necessária, ainda que não suficiente, para que haja alguma esperança no futuro. 
A nossa verdadeira ruína está na elite política que temos tido e continuamos a ter.

sábado, 6 de abril de 2013

Separar águas

1. É em momentos como este que as águas voltam a separar-se. As reacções à recente decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento de Estado de 2013 mostram, de forma exemplar, essa (salutar) divisão de águas. 
Há uma mar de hipocrisia a inquinar grande parte dos posicionamentos dos políticos que apoiam o governo e dos comentantes profissionais. Muitos daqueles que surgem nos órgãos de comunicação social a explicar que a sua primeira preocupação é a defesa do interesse nacional e da justiça social estão a ser protagonistas de uma enorme hipocrisia. Ou melhor, mentem. Na realidade, a sua primeira preocupação está centrada na defesa dos seus interesses pessoais.  É isso que verdadeiramente os move. E é consoante os interesses pessoais poderem estar mais ou menos em risco que o seus discursos se tornam mais ou menos agressivos. Todavia, essa defesa dos interesses pessoais não é assumida, não é explicitada, ela surge sempre dissimulada no meio de uma especulação aparentemente teórico-técnica sobre economia.

2. Quando, em 2012, os funcionários públicos e os pensionistas viram reduzidos os seus vencimentos e pensões e ficaram sem os subsídios de férias e de Natal, quase nenhum dos comentantes profissionais se mostrou preocupado com o assunto. Disseram que era uma inevitabilidade, atendendo à situação do país. «Tecnicamente» era um corte na «despesa», logo, estávamos no bom caminho. 
Nessa altura, não houve preocupação de saber se esses funcionários e pensionistas — que são pessoas tão reais como todos as outras, que têm o mesmo valor moral e a mesma dignidade pessoal como todas as outras, que têm famílias como todas os outras, que se alimentam e vestem e vivem como todas as outras — tinham capacidade de suportar um colossal corte nos rendimentos. Por parte desses comentantes profissionais e dos apoiantes do Governo não houve réstia de indignação nem sequer de protesto.

3. Contudo, quando em meados de 2012 o Tribunal Constitucional (TC) anunciou que o corte dos subsídios de Natal e de férias não poderia manter-se nos anos seguintes, rapidamente quase todos os comentantes profissionais e os apoiantes governamentais saíram das conchas de silêncio e não esconderam a sua veemente contestação à decisão do TC. E porque contestaram eles de modo tão veemente? Por uma razão simples: deixando de ser possível mexer tão descaradamente nos bolsos dos funcionários públicos e dos pensionistas passaria a ser necessário mexer também nos bolsos dos outros cidadãos, precisamente aqueles outros onde eles se incluem. Ora esta circunstância fazia toda a diferença: uma coisa era penalizar apenas os funcionários públicos e os pensionistas, outra coisa era também eles passarem a ser penalizados.
Porém, as verdadeira razões da contestação não são apresentadas, são dissimuladas, são ocultadas por detrás de um discurso aparentemente «técnico»: «a mexida nos bolsos de todos não é "tecnicamente" um corte na "despesa", "tecnicamente" é um aumento de "receitas". Logo, deixamos de estar no bom caminho. Alegadamente seria esta a causa da preocupação. Isto é, procura-se que a defesa dos interesses pessoais seja escondida no meio de uma suposta discussão teórico-técnica em torno da «dialéctica» despesa-receita. 

4. Em finais de 2012, foi anunciado o orçamento para 2013. Ou seja, foi anunciado o previsto: «um enorme aumento de impostos», nas palavras do próprio ministro das Finanças. Foi então que os comentantes profissionais viram, em concreto, quanto custaria a mexida nos seus bolsos. A histeria estalou: «que já se estava a ultrapassar a capacidade de suportar tantos impostos»; «que não era possível sobrecarregar mais as famílias», etc. E, novamente, o pormenor «técnico» dissimulador: «Trata-se de aumentar as receitas, em lugar de se cortar nas despesas.» Ou, em linguagem mais clara: «Deveriam deixar de cortar nos nossos rendimentos e deveriam cortar nos vencimentos dos funcionários públicos e nas pensões dos reformados.» (A este propósito é bom recordar o seguinte: no Orçamento para 2013, os funcionários públicos e os pensionistas tiveram, e têm, de suportar o mesmo «enorme aumento de impostos» que todos suportaram e, acrescidamente, continuavam sem o direito a receber o subsídio de férias e mantinham, como mantêm, o corte mensal nos vencimentos entre 5 e 10%; os pensionistas, para além de tudo isto, tiveram, e ainda têm, de suportar a designada contribuição extraordinária de solidariedade).

5. Agora que o TC disse o óbvio, isto é, que os funcionários e os pensionistas não podem continuar a ser penalizados de forma excessiva, o mundo dos comentantes profissionais entrou novamente em frenesim e novamente começou a fazer contas e concluiu: «vamos ter de pagar mais.» E, mais uma vez, vem o veemente protesto contra o TC, agora já a raiar o insulto, e sempre acompanhado do cândido detalhe «técnico»: «isto significa menos corte na despesa e mais aumento de impostos/receitas, o que é inaceitável».
Todavia, o que é verdadeiramente inaceitável é a imensa hipocrisia daqueles que protestam apenas quando são os seus interesses que estão em causa. Daqueles que nunca foram solidários. Daqueles que diariamente conspurcam o significado de expressões como «interesse nacional» e «justiça social».
A hipocrisia, o egoísmo e a soberba sociais repugnam. Mas também separam águas.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A propósito de uma moção de censura e da alternativa

Sabemos que a moção de censura do PS não foi apresentada para o governo cair de imediato. Foi apresentada para marcar uma ruptura definitiva (ou, talvez melhor dito, um distanciamento mais acentuado) entre o maior partido da oposição e o executivo PSD/CDS. Uma outra razão que também conduziu à apresentação desta moção de censura está directamente relacionada com o número cada vez maior de indícios que apontam para o surgimento de uma crise política. Este governo é cansativamente incompetente e acumula essa incompetência com falta de legitimidade para prosseguir a política que tem levado a cabo, nos dois anos que leva de vida.
A questão que agora se coloca é a questão da alternativa.
As movimentações, inicialmente nos bastidores e agora a céu aberto, que se desenvolvem dentro do PS indiciam o pior. Refiro-me concretamente às movimentações dos correligionários de Sócrates, no sentido do branqueamento da imagem e da acção do seu ex-líder e no sentido da tomada de posições e de lugares estratégicos, por exemplo: nos órgãos de comunicação social, cuja rede de influências foi paulatinamente construída durante os seis anos de governação socialista. E que perdura. 
A falta de pudor político de Sócrates e dos seus seguidores, a manifesta incapacidade de Seguro para lhes barrar o caminho, a falta de memória dos portugueses e a aparente não incomodidade do BE e do PCP pelo regresso à ribalta dessa desgraçada ala do PS podem conduzir à ilusão de que é possível organizar uma alternativa com esse pessoal político. 
A ética política deveria só por si impedir que tal hipótese se colocasse. Sócrates e os seus prosélitos foram os protagonistas que, do ponto de vista da ética republicana, levaram o exercício da política ao nível mais baixo a que pudemos assistir nas últimas décadas. Nunca, desde o 25 de Abril, existiu um grupo de gente como este, que fez da arrogância, da hipocrisia, do conluio e da mentira as suas principais armas políticas. Uma qualquer aliança com este grupo deveria ser, pois, impensável.
Contudo, a impossibilidade dessa aliança deveria ter igualmente como fundamento as concepções e a prática política dos socratistas. Filhos ideológicos de uma incongruente terceira via, foram eles que lançaram as bases e construíram os alicerces para as políticas que o actual governo desenvolve. Entre os socratistas e o PSD a diferença está no grau de aprofundamento das políticas, não está na direcção que essas políticas seguem. Na política educativa, na política da saúde, na política agrícola, no código do trabalho, na Função Pública, na Segurança Social as diferenças entre as ideias dos socratistas e as do PSD está nos pormenores e no maior ou menor grau de liberalização. No essencial há acordo. A assinatura tripartida do memorando da troika é o exemplo mais recente deste acordo de fundo. A preservação intacta, por parte deste Governo, dos pilares do sistema educativo deixados pelos socratistas é outro exemplo. E o mesmo se passa na saúde, na agricultura e em muitos outros domínios.
A esquerda vai mal, se aceitar a possibilidade de incorporar na eventual construção de uma alternativa política pós Passos Coelho aqueles que rodearam e sustentaram Sócrates e as suas políticas durante seis longos anos.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Comunicado da Associação Nacional de Professores Contratados

Recebido por e-mail:

Eurodeputada Ana Gomes remete informações à ANVPC decorrentes da reunião conjunta

A eurodeputada do Partido Socialista Dra. Ana Gomes acabou de remeter à ANVPC uma série de informações, requeridas pela Associação Nacional dos Professores Contratados em reunião conjunta realizada, relativamente aos processos/denúncias em curso da Comissão Europeia (CE) referentes à precariedade docente em Portugal. Destacam-se vários esclarecimentos formais remetidos à eurodeputada por László Andor (em nome da CE) realçando que já foi realizada um troca de correspondência institucional entre a CE e o Estado Português, tendo a resposta das autoridades portuguesas suscitado novos aspectos adicionais, alvos de notificações complementares. Neste momento várias denúncias, e uma petição, encontram-se a ser avaliadas sendo que concluída a avaliação serão tomadas as medidas adequadas no quadro das competências da Comissão, a fim de garantir a correta aplicação do direito da UE.


Comunicação da Comissão Europeia: DG Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades

O chefe da unidade da DG Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades da Comissão Europeia, Muriel Guin, endereçou uma comunicação à ANVPC decorrente da denúncia remetida no passado dia 12.10.2012. Essa comunicação poderá ser visualizada no seguinte link:


A Direção da ANVPC

Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: ANVPC

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Poemas

O REVOLUCIONISTA

Era um revolucionista
Limpava candeeiros a gás;
Marchava que enchia a vista
C'os companheiros, o rapaz!

Diz: «Vou revolucionar!»
E de boné revoltoso
P'rá banda esquerda a tombar,
Até se julga perigoso.

Mas a revoltosa gente
Mete pela rua de trás,
Onde ele, pacatamente,
Limpava os candeeiros a gás.

Às lanternas deitam mão,
No pavimento enterradas;
Querem arrancá-las do chão
P'ra construir barricadas.

E o nosso revolucionista
Grita: «Eu sou o lavador
Desta luz que é nossa vista.
Não ma tirem, por favor!

Se lhe cortarem o gás,
Não vê nada o bom burguês.
Por favor, voltem atrás! —
senão, não vou com vocês!»

Mas os revoluças riram,
E o lavador foi-se embora;
Os candeeiros a gás caíram —
Ele, desespera e chora.

Ficou em casa a escrever
Um livro em que se diz como é
Que se revolve a valer
Deixando os candeeiros de pé.

Erich Mühsam
(Trad.: João Barrento)