terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A propósito dos votos de «Bom Ano Novo»

Particularmente em tempos de crise, alguns rituais enfrentam certos problemas de sentido. É o caso do ritualizado voto de «Bom Ano Novo». No contexto da crise em que estamos metidos — cuja duração recolhe a desgraçada unanimidade de nos atirar a esperança da melhoria de vida só para meados dos próximos anos 20, se não houver uma ruptura com a política que tem sido seguida — formular o desejo de «Bom Ano Novo» só terá razão de ser se a formulação for acompanhada de um rasgado sorriso de ironia ou de uma enorme inconsciência. De outro modo não faz sentido. 
A não ser que os votos de «Bom Ano Novo» signifiquem votos de que em 2014 o governo de Passos Coelho caia, de que a Tróica saia e de que uma política centrada na defesa do Estado Social e no combate às desigualdades seja iniciada. Se assim for, a formulação de tais votos será certamente mais virtuosa, ainda que, mesmo deste modo, subsista um problema: os governos não caem com votos formulados à cadência das badaladas. Para o bem ou para o mal, os governos só caem se forem forçados a cair, e para que isso aconteça é necessário que cada um de nós, nos momentos decisivos, não se furte à sua parte de responsabilidade na oposição política, sindical e cívica à governação que temos tido.
Caso contrário, nem o governo cai nem o ano de 2014 será melhor do que este que agora termina.

domingo, 29 de dezembro de 2013

«O início do fim – uma nova era de recursos educativos ao dispor»

Artigo de César Israel Paulo, Presidente da ANVPC (Associação Nacional dos Professores Contratados), publicado no jornal Público (27/12/13):
«No dia 11 de dezembro, Nuno Crato referiu que, em breve, o ministério que tutela abrirá vagas de quadro para docentes, pois necessita de “sangue novo” nas escolas face ao elevado número de aposentações que se têm vindo a registar.
Estas declarações podem parecer inesperadas, uma vez que a política educativa que este Ministério da Educação e Ciência (MEC) colocou em marcha tem retirado ao sistema de ensino público uma parte significativa dos seus recursos, propagandeando uma sucessão de indicadores de “professores a mais” e um regime muito discutível de “redução de alunos”. No entanto, devo esclarecer os leitores que no passado mês de novembro foi amplamente difundido que o Estado português, depois de múltiplas queixas de docentes à Comissão Europeia (CE) demonstrando o limite de precariedade laboral a que o próprio Estado sujeita os professores contratados (mantendo-os com contratos sucessivos), foi intimado a resolver esta questão discriminatória (alegada violação da Diretiva 1999/70/CE) e que o deverá fazer até ao próximo mês de janeiro.
Nuno Crato tem agora uma bomba-relógio em mãos, quer pelo tempo curto que detém para solucionar o problema, quer pelas implicações políticas, e jurídicas, que um trabalho menos cuidado poderá vir a desencadear. Vejamos que durante anos a fio estes docentes precários se viram, por motivos vários, ultrapassados, ou afastados de serem integrados nos quadros, vendo, nos seus grupos de recrutamento, a existência de um número de vagas diminutas, ou inexistentes. Conhecemos casos de indivíduos a quem foi dificultada a realização da profissionalização em serviço, tendo sido ultrapassados por colegas advindos de cursos via ensino (autorizados a abrir sem que tenha sido previamente acautelada a entrada para o quadro destes profissionais que já lecionavam há vários anos). Estes são apenas exemplos soltos das muitas atrocidades que foram cometidas em momentos anteriores de abertura dos quadros, e que não poderão ser repetidas, não podendo a tutela, enquanto elemento regulador, alegar desconhecimento das mesmas e insistir em políticas discriminatórias, num Estado de direito e deveres.

Caso venha a ser realizado um concurso de vinculação sem a aplicação da justiça necessária, com critérios uniformes, o MEC estará a colocar um ponto final a milhares de vidas dedicadas à docência, e em lugar de resolver um problema estará a agudizá-lo, dando forma a um “genocídio laboral”. Tal situação implicaria um volume ainda maior de denúncias à CE e aos tribunais, e o direito de oportunidade agora concedido a Portugal para solucionar a precariedade docente teria sido “demoniacamente” utilizado, lesando os mesmos de sempre – aqueles que, sendo necessidades permanentes do sistema de ensino público, nunca foram integrados no quadro, não tendo quaisquer responsabilidades nas alterações consecutivas levadas a cabo no sistema público de educação (ideológicas e curriculares), durante a vigência dos seus vários contratos, e que, de ano para ano, têm aumentado a precariedade laboral destes professores.
Nessa medida, uma futura vinculação deverá respeitar, entre outros, os três seguintes limites:
- ser restrita aos docentes que lecionaram no ensino público, ou ver-se-iam ultrapassados por indivíduos do ensino privado (curiosamente já enquadrados na regulamentação da diretiva referida);
- integrar todos os docentes com mais de um determinado número de anos de serviço (respeitando, paralelamente, a sua graduação profissional), cumprindo estritamente o definido na diretiva, e aplicando-a uniformemente a todos os grupos de recrutamento (sem quaisquer exceções ou diferenciações) e nunca com distribuições disformes, incompreensíveis, como as aplicadas no recente concurso de vinculação extraordinária. Caso tal situação não se aplique nestes moldes, teremos uma nova situação de desigualdade no acesso às funções públicas, sendo que a CE já entendeu que o subterfúgio de preterir uma área científica em prol de outra não poderá substanciar preterir profissionais precários com muitos anos de serviço, em prol de outros, muitas das vezes com menos tempo de funções;
- não existir qualquer alteração aos currículos nacionais ou ao regime de habilitações para os grupos de recrutamento vigentes, pois se tal viesse a ocorrer seria uma vez mais viciar o jogo, e tal tomada de decisão mostraria uma má-fé de tal ordem que nenhum enquadramento jurídico a conseguiria contornar, sendo bem paga nas instâncias internacionais e nacionais, tal como em momentos eleitorais posteriores.

É ainda importante realçar que o custo anual, resultante desta vinculação, poderá representar um valor insignificante relativamente ao da indemnização a liquidar pelo incumprimento da diretiva. Será, nessa medida, que algum cidadão compreenderia uma tomada de decisão pela continuidade da ação judicial internacional, e possível aplicação de tão pesada multa? Alguém compreenderia que um político responsável escolhesse a via do pagamento indemnizatório a entidades externas em lugar do fortalecimento dos recursos educativos do país?
É tempo de o MEC se reunir com as estruturas representativas dos professores contratados, entre elas a ANVPC, no sentido de estabelecer um modelo equitativo para a estabilização deste corpo docente. Veríamos, desta forma, a educação pública dotada de “sangue novo”, proporcionando, paralelamente, o aumento das respostas educativas e correspondente crescimento educacional e civilizacional de um país ainda repleto de desigualdades.
É tempo de este Governo demonstrar que acima de qualquer ideologia existem leis a cumprir, e essa observância deverá atingir também limites de inteligibilidade, criteriosidade e humanismo. É o momento certo para colocar um fim à precariedade docente, e por isso colocar em marcha o início do fim.»
César Israel Paulo

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Nacos

«O Sr. Napumoceno dedicou saborosas páginas do seu testamento à sua estada naquela ilha e falou do privilégio que fora ter pessoalmente conhecido o distinto Sr. David Ben'Oliel, pessoa de trato fino e dono não só da maior casa comercial da ilha como também de quase todos os botes da vila. Disse do êxtase que lhe causara o luar na areia branca e da festa que fora um baile no Rabil onde o Sr. David era tratado como se fosse um rei. Mas do que ainda sentia uma melancólica saudade era de um violão perdido na praia de João Cristão numa noite de lua cheia e maré tão seca que ele e os seus ilustres anfitriões, Sr. David e D. Bibi, podiam passear sobre a areia dura da maré rasa sem molhar os pés. Aliás, por feliz coincidência, passava igualmente férias na Boa Vista uma irmã da D. Bibi normalmente residente na América do Norte. Vivendo na mesma casa, pois que o Sr. Napumoceno era hóspede dos Ben'Oliel, fora forçoso travarem relações de amizade e na verdade os dois sozinhos passearam as praias da ilha e tiveram longas horas de conversa a sós. Na época o Sr. Napumoceno andaria entre os 45 e os 50 anos e não poderia dizer que não ambicionasse casar, ter família, uma esposa, um lar. E ouvindo aquele violão distante, ele com os pés naquela areia de prata queimada, o mar docemente marulhando perto deles, sentiu que invejava aquele senhor que soubera fugir à confusão das terras distantes e abrigar-se naquela paz de que era rei e senhor, com cemitério familiar exclusivo e capela própria. Mas num momento do passeio e em que D. Jóia falava da América, da constante confusão e azáfama, nem tempo para coçar na cabeça uma pessoa tinha, uma ondinha aproximou-se ameaçando perigosamente os seus sapatos. Rindo alto e em gargalhadas argentinas e chamando à onda de ondinha atrevida, D. Jóia, para não molhar os sapatos, pulou para o Sr. Napumoceno passando-lhe os dois braços pelo pescoço. O Sr. Napumoceno confessaria depois ter aspirado aquele perfume suave e ao mesmo tempo forte para os seus sentidos e cambaleando menos pelo peso dela que por ela sentiu que uma palavra, que felizmente ela não ouviu, lhe escapava da boca. Porque D. Jóia, já entrada nos 40 mas conservando uma juvenil frescura, os seus seios opulentos como que em constante oferta de carícias, podia ser considerada uma senhora bem apetecível, e se fosse modernamente, assim como chamariam a sua atitude para com os pobres de solidariedade, chamariam à D. Jóia de um bom pedaço de fêmea. Mas deteve-o o respeito aos seus anfitriões e apenas no baile que lhe fizeram em despedida no Rabil se atreveu a dizer-lhe, mas lá pelo meio da noite e dançando uma morna, que tinha valido a pena conhecer Boa Vista.»
Germano Almeirda, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, Editorial Caminho.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Impreparações, irresponsabilidades, arbitrariedades

Quando alguém se propõem governar um país, supõem-se que da parte do proponente tenha havido a preocupação e a responsabilidade de se preparar política e tecnicamente para essa missão. Isto é o que qualquer sensato cidadão pressupõem, isto é o que qualquer indivíduo medianamente consciente exige a si próprio e aos outros. Surpreendentemente a realidade tem vindo a desmentir o bom senso com uma impressionante teimosia. A última década foi mesmo particularmente cruel no modo como desfez qualquer ilusão a respeito da suposta preparação política e técnica de quem se candidata a governante.
Há dez anos tínhamos Durão Barroso como primeiro-ministro. Com sinais claros de recalcamentos não resolvidos decorrentes de opções políticas juvenis, governou em ziguezague, sem rumo nem coerência, com vários episódios de comportamento impulsivo e irresponsável: desde o caso do prometido choque fiscal (que terminou num aumento de impostos...) até ao bizarro papel de recepcionista de Busch, Aznar e Blair, na preparação da guerra do Iraque. A meio do mandato, fugiu para a Comissão Europeia, furtando-se às responsabilidades que tinha assumido perante o seu eleitorado e perante o país.
Há nove anos, tínhamos Santana Lopes como primeiro-ministro. Foi o político que melhor personificou a desconsciência política. Habituado a ambientes frívolos via o governo como um prolongamento desses ambientes. Foi exonerado ao fim de oito meses.
Há oito anos, tínhamos José Sócrates como primeiro-ministro. Sem preparação técnica nem cultura política, não precisou delas para vencer eleitoralmente a picaresca figura do seu antecessor. Assentou a sua acção no voluntarismo irresponsável e na acrítica adesão à designada terceira via «blairista». Obscecado, arrogante, psicologicamente desequilibrado, politicamente oportunista, viveu da imagem e para a imagem. Sem substância no pensamento nem competência na acção, conduziu o país à bancarrota.
Há dois anos e meio que temos Passos Coelho como primeiro-ministro. Chegou ao poder sem nenhuma experiência governativa e sem fazer a menor ideia do que é liderar um país. Prometeu tudo e tem feito precisamente o seu contrário. É confrangedora a sua impreparação política e técnica. Crente fanático em meia dúzia de ideias liberais mal compreendidas e pior fundamentadas, entrega-se, com o denodo de um talibã, ao exercício de satisfazer os seus dogmas e de levar o país à pobreza generalizada.
Nos últimos dez anos, tivemos, assim, quatro primeiros-ministros unidos pela irresponsabilidade de se candidatarem a um cargo para o qual manifestamente não estavam preparados.
Independentemente da proximidade ou do afastamento que se tenha em relação às famílias políticas de que eles são oriundos, é um facto que nenhum deles reunia as condições necessárias para ser primeiro-ministro.
É pois preocupante a irresponsabilidade dos próprios, que não viram necessidade de se prepararem para liderar um país, e a irresponsabilidade que, com estes exemplos, tende a generalizar-se. O sentido de serviço público e a responsabilidade que lhe está inerente desapareceram.

Mas, curiosamente, é quem nunca se preparou nem sujeitou a nenhuma avaliação de conhecimentos nem de capacidades, para o exercício das altas funções que desempenharam ou desempenham, quem mais fala e quem, com arbitrariedade, impõe (pseudo) provas de avaliação a profissionais cujo desempenho é anualmente sujeito a avaliação e cuja certificação académica resultou de múltiplas provas de avaliação.
Curiosamente, é quem, de forma reiterada, revela objectiva incompetência para governar sem violar a Lei — veja-se o escandaloso número de decretos-leis «chumbados» por inconstitucionalidade — quem mais enche o discurso com termos como: rigor, competência e exigência.
Curiosamente, é quem mais desrespeitoso é para com um órgão de soberania, como é o caso do Tribunal Constitucional, com comportamentos e atitudes que configuram grosseria e desconsideração institucionais, quem se insurge contra comportamentos rebeldes da parte de quem está a ser vítima de humilhação e de prepotência, como é o caso dos professores contratados.

De impreparação em impreparação, de irresponsabilidade em irresponsabilidade vai-se traçando o caminho da degradação, da arbitrariedade e da prepotência. É cada vez mais necessário um levantamento cívico.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Crato: a necessidade da demissão

O que esta manhã aconteceu em dezenas de escolas, durante a realização da (pseudo) prova dirigida aos professores contratados, deveria ser razão mais do que suficiente para que o responsável pela pasta da Educação se demitisse de imediato. 
Se Nuno Crato não se demitir, ficaremos com a certeza de que para além da objectiva impreparação técnica e política para o exercício do cargo também existe uma objectiva falta de consciência sobre as responsabilidades éticas e cívicas das suas funções. 
Os acontecimentos ocorridos são de tal forma graves que não existe outra saída decente que não seja o abandono do posto de ministro. Para além da adesão à greve ter sido esmagadora, mesmo nas escolas onde a (pseudo) prova se realizou — o que deixa Nuno Crato votado a um isolamento insuportável —, a não realização da mesma em múltiplos estabelecimentos de ensino, por falta de condições, e as centenas de casos de assumida e consciente recusa da sua prestação constituem factos incontornáveis que retiram a autoridade política ao ministro da Educação. Desde que tomou posse, a sua descredibilização tem sido regular e progressiva e agora chegou a um ponto de não retorno. 
Ter a capacidade para reconhecer isto será um acto de clarividência, provavelmente o único do seu mandato. Não ter essa capacidade conduzirá a um agravamento da situação de guerra aberta entre o governo e os professores. Teimar na realização da (pseudo) prova, marcando nova data, irá provocar novos e mais graves conflitos, pois não havendo uma única razão séria que sustente a existência desta prova, aos professores só resta o caminho da defesa da sua dignidade profissional.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Um imperativo ético

Parece óbvio que fazer greve à vigilância da (pseudo) prova de avaliação dos professores contratados não é apenas um direito, é acima de tudo um imperativo de ética profissional. Não colaborar com mais esta indecorosa farsa avaliativa é um dever que a consciência profissional determina.



domingo, 15 de dezembro de 2013

A prova que não deve e não pode realizar-se

A seriedade e a dignidade profissionais não podem aceitar que se realize uma (pseudo) prova que nada tem a ver com avaliação de conhecimentos nem de capacidades dos professores contratados. 
Fruto da demência política de Rodrigues e do fanatismo ideológico de Crato, esta (pseudo) prova constitui um manifesto acto de abuso de poder, porque nada tem que o fundamente.
Se o Ministério da Educação considera que o Ensino Superior que forma os professores é um ensino fraudulento, deve começar por demonstrá-lo e, se conseguir fazê-lo, deve então retirar às instituições do ensino superior responsáveis pela fraude a respectiva acreditação institucional.
Se o Ministério da Educação considera que o seu modelo de avaliação do desempenho docente, ao qual anualmente são submetidos os professores contratados, é um modelo fraudulento, deve começar por extinguir o modelo que ele próprio criou. 
O que o Ministério da Educação não pode é fazer dos professores contratados as cobaias e as vítimas da sua cobardia política e da sua inépcia em relação ao que alegadamente pretende contestar — a qualidade dos cursos do ensino superior — e da sua incongruência relativamente ao modelo de avaliação do desempenho docente por si imposto.
No total, estes professores já foram submetidos a dezenas de avaliações académicas e profissionais que certificam a sua competência para o exercício das funções que desempenham. Quem ainda não se submeteu a nenhuma prova que certifique os conhecimentos e as competências necessárias às funções que actualmente desempenha foi Nuno Crato, ministro da Educação.
Este governo tem de saber e este ministro tem de aprender que não pode brincar e muito menos achincalhar a classe profissional dos docentes. A irresponsabilidade do governo e do ministro não podem ser pagas pelos professores. Esta prova não deve e não pode mesmo realizar-se.

Trechos — Joseph Stiglitz (3)

«Os mercados, por si só, mesmo quando eficientes e estáveis, costumam conduzir a níveis altos de desigualdade, a resultados que são amplamente vistos como injustos. Pesquisas recentes sobre economia e psicologia mostraram a importância que os indivíduos dão à justiça. Mais do que tudo, a perceção de que o sistema político-económico foi injusto é o que motiva as manifestações em todo o mundo. Na Tunísia, no Egipto e noutras partes do Médio Oriente, a questão não era meramente a dificuldade em encontrar trabalho, mas sim que os empregos disponíveis eram ocupados por quem tinha ligações políticas.
Nos Estados Unidos e na Europa, as coisas pareciam mais justas, mas só de um ponto de vista superficial. Os que se formavam nas melhores escolas com as melhores notas tinham melhores hipóteses de arranjar um bom emprego. Mas o sistema estava viciado porque os pais endinheirados enviavam os filhos para os melhores infantários e para as melhores escolas primárias e secundárias, e esses estudantes tinham muito mais hipóteses de entrar nas universidades das elites.
[...] 
A crise financeira desencadeou uma nova perceção de que o nosso sistema económico não era só ineficiente e instável, como também era fundamentalmente injusto. [...] O que aconteceu no meio da crise revelou que não era o contributo para a sociedade o que determinava a remuneração de alguém, mas sim outra coisa: os banqueiros recebiam prémios enormes, ainda que o seu contributo para a sociedade — e mesmo para as empresas — tivesse sido negativo. A riqueza dada às elites e aos banqueiros parecia surgir da sua capacidade e da sua vontade de tirarem vantagem de outros.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertand Editora.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Contra a prova absurda



Acerca da crise e da corrupção (14)

«Os sistemas autárquicos locais estão tomados pelos negócios, em particular os do urbanismo, e afastam todos os que possam pôr em causa a ordem desde há muito estabelecida: conluio, conúbio entre promotores imobiliários, chefes partidários locais e autarcas. [...]
Os pelouros do urbanismo das Câmaras municipais passaram a ser, muitas vezes, locais de troca de favores entre autarcas, dirigentes partidários e promotores imobiliários. Nesses espaços, todas as práticas acontecem, desde a valorização ilegítima de terrenos ao tráfico de influências generalizado — todas, excepto as que conduziriam à estruturação apropriada do território e à promoção de qualidade de vida para os cidadãos. [...]
Em quase todas as autarquias, quase metade [dos recursos] vai para pagar salários, ou seja, para alimentar uma máquina de pessoal gigantesca. Máquina desproporcionada face ao serviços prestados porque, muitas vezes, foi sendo engordada com a entrada em catadupa de "boys" partidários, cuja contratação não resulta da necessidade de suprir a falta de pessoal qualificado para as missões das autarquias, mas sim garantir "tachos".
Esta situação agravou-se ainda mais nos últimos tempos devido à proliferação das empresas municipais, cujo regime de funcionamento facilitou estas práticas. Na última década, as empresas municipais foram nascendo como cogumelos em todo o país.. Na grande parte dos casos, têm servido apenas para distribuir empregos a "boys" dos partidos e a favorecer negociatas. A maioria dessas empresas não tem nem nunca teve razão de existir: não atingem um volume de negócio mínimo, não pagam regularmente a fornecedores, não geram emprego. [...] A sua sobrevivência é apenas garantida por subsídios e indemnizações compensatórias atribuídas pelas autarquias. Em grande parte dos casos, não têm sequer um proveito social claro e apenas servem para absorver o dinheiro dos nossos impostos. Haverá, com certeza, algumas excepções e empresas municipais com razão de existir e um funcionamento regular. Essas devem ser preservadas se apresentarem uma utilidade social evidente, uma actividade empresarial salutar que crie trabalho e bem-estar social. As restantes deveriam encerrar portas rapidamente.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

Um bom exemplo


«José António Pinto deixou esta tarde [terça-feira, 10/12/13] na Assembleia da República a medalha de ouro comemorativa do 50º aniversário da declaração Universal dos Direitos Humanos, que lhe tinha sido entregue como reconhecimento pelo seu trabalho no Porto. O assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã afirmou que trocava a medalha por outro modelo de desenvolvimento económico» (RTP Notícias). 
Para ouvir aqui e ver aqui.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Poemas

AMÁTIA

Timbórica, morfia, ó persefessa,
meláina, andrófona, repitimbídia,
ó basilissa, ó scótia, masturlídia,
amata cíprea, calipígea, tressa

de jardinatas nigras, pasifessa,
luni-rosácea lambidando erídia,
erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.

Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos
alipigmaios, atilícios, futos
da lívia damitada, organissanta,

agonimais se esforem morituros,
necrotentavos de escancárias duros,
tantisqua abradimembra a teia canta.

Jorge de Sena

domingo, 8 de dezembro de 2013

A prova que faltava?

E vai-se consumindo o tempo, gastando a energia, desperdiçando a concentração, perdendo a paciência com a estupidez institucionalizada, com os modismos irresponsáveis e com as incompetências instaladas  no Ministério da Educação. É isto que tem sucedido aos professores nos últimos oito anos. Desde há uns oito longos anos que fanatismos irresponsáveis tomaram conta do Ministério da Educação e apostaram em desviar a atenção dos docentes da sua verdadeira função: ensinar.
No decurso destes anos, os fanáticos políticos e técnicos do Ministério da Educação, em lugar de se preocuparem com a qualidade dos programas disciplinares, com a qualidade da formação contínua, a nível científico e a nível pedagógico (por esta ordem), com a responsabilização e a valorização da função docente; preferiram inundar os professores com procedimentos e tarefas burocráticas, preferiram fomentar a divisão e a instabilidade profissionais, preferiram impor, da forma mais incompetente que se pode imaginar, uma (pseudo) avaliação do desempenho, que constituiu e constitui uma farsa única,  preferiram, acrítica e grosseiramente, importar das empresas um modelo de gestão que ideologicamente corresponde a um regresso a paradigmas arcaicos de liderança e que psicologicamente derivará de desequilíbrios e de carências de figuras tutelares, preferiram transformar as salas de aula em armazéns de alunos; preferiram..., etc., etc.

Surgiu agora a prova que faltava sobre a demência política dos actuais e anteriores responsáveis pelo nossa Educação. Pensado por L. Rodrigues, do governo de Sócrates, e executado por Nuno Crato, do governo de Passos Coelho, o exame, a que se pretende submeter os professores contratados, tem algumas virtudes: mostra os laços que efectivamente unem Rodrigues a Crato, e Sócrates a Coelho — por muito que isso aparentemente desagrade a alguns socratistas; mostra a forma escurril como Crato faz política e a FNE faz sindicalismo; e confirma a enorme desorientação de que há muito padece o ministro da Educação.
Aceitar o critério da experiência para isentar os professores de fazer a prova é um critério justo — no mínimo, porque essa experiência, segundo as regras do sistema em que estamos, já foi validada por um modelo de avaliação do desempenho docente, que Crato não se cansa de considerar como possuindo rigor e fiabilidade. Mas se a experiência profissional destes professores já foi avaliada rigorosa e fiavelmente como boa, muito boa ou até excelente, com que  justificação se faz tábua rasa dessa avaliação e se pretende submetê-los a uma avaliação suplementar? E com que fundamento se pretende isentar uns e obrigar outros? A experiência é um bom critério para ser aplicada a uns e não é um bom critério para ser aplicada a outros? Que razões científicas ou pedagógicas permitem diferenciar um professor com 4 anos de experiência profissional de um outro que tem apenas mais um ano ou mais uns meses dessa experiência (em alguns casos, apenas mais dias)? Como não existem razões científicas nem pedagógicas para essa diferenciação, nem aqui nem em lado algum, o critério para isentar uns e obrigar outros à realização da prova é o critério da arbitrariedade: são 5 anos, porque sim (precisamente o mesmo critério que L. Rodrigues utilizou para definir que só contavam os 7 últimos anos da carreira para se ascender a professor titular: porque sim). Poderiam ter sido 3, 4,  6 ou também 7 anos, mas foram 5, porque, naquele dia, a Crato o 5 afigurou-se-lhe empático.
A desorientação e o fanatismo de Crato levam-no, assim, a ter de confirmar a incompetência do seu próprio modelo de avaliação do desempenho docente e a confirmar que não tem rumo, que não sabe o que pretende e que em momentos de atrapalhação não hesita em usar a arbitrariedade.
Era esta a prova que faltava para Crato ser demitido?

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Para clicar


Trechos - Joseph Stiglitz (2)

«Três temas ressoaram com força pelo mundo: que os mercados não funcionavam como deviam, porque não eram, obviamente, nem eficientes nem estáveis; que o sistema político corrigira as falhas do mercado; e que o sistema político e o sistema económico eram fundamentalmente injustos. [...] Os três temas estão intimamente relacionados: a desigualdade é causa e consequência do falhanço do sistema político e contribui para a instabilidade do nosso sistema económico, que por sua vez contribui para uma maior desigualdade.
O falhanço dos mercados 
Os mercados não têm claramente funcionado como os seus defensores clamam. É suposto que os mercados sejam estáveis, mas a crise financeira global mostrou que podem ser bastante instáveis, com consequências devastadoras. Os banqueiros apostaram que, sem ajuda governamental, tanto os bancos como toda a economia cairiam. Mas se olharmos de perto para o sistema, apercebemo-nos de que nada disso aconteceu por acaso; os banqueiros tinham incentivos para se comportarem assim. 
Supostamente, a virtude do mercado é a sua eficiência. Mas é óbvio que o mercado não é eficiente. A mais básica lei económica — necessária para que a economia seja eficiente — é a da procura ser igual à oferta. Mas vivemos num mundo onde existem enormes necessidades não atendidas — investimentos para tirar os pobres da pobreza, para promover o desenvolvimento de países africanos menos desenvolvidos, entre outros países do mundo, para melhorar a economia global de modo a enfrentar os desafios do aquecimento global. Ao mesmo tempo, temos vastos recursos subutilizados — trabalhadores e maquinaria que estão parados ou não produzem de acordo com o seu potencial. O desemprego — a incapacidade do mercado de criar emprego para tantos cidadãos — é o maior falhanço do mercado, a maior fonte de ineficiência, e uma grande causa de desigualdade.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Enquanto o formos permitindo...

Vivemos uma época medonha. Estilhaçam-se referenciais políticos, éticos e sociais com uma facilidade inimaginável. Implanta-se a lei da savana e os predadores atiram-se às presas com uma voracidade que já há muito não se via. Encobre-se a selvajaria dominante com um manto discursivo assente numa (pseudo) moralidade repleta de hipocrisia e de mentiras. Mantém-se intocável um sistema económico injusto, que garante a uma minoria a manutenção de privilégios escandalosos, enquanto milhares de homens e mulheres são atirados para o desemprego e milhares de crianças, idosos e doentes são arrastados para a miséria. É este quadro, fanaticamente mantido e fortalecido pelo governo, que sustenta a proliferação de múltiplas situações como a que foi noticiada na semana passada: apesar da alegada «profundíssima crise» que vivemos — à luz da qual é justificada a política de destruição maciça dos direitos de quem trabalha — as maiores fortunas nacionais continuam em acelerado desenvolvimento. Só em 2012, os 25 mais ricos de Portugal valorizaram as fortunas em 16%, e Américo Amorim, apenas à sua conta, conseguiu elevar para o dobro a sua riqueza. 
Para além de indigna, esta realidade é insuportável. Na verdade, de nenhum ponto de vista uma situação destas pode ser considerada aceitável, e só uma sociedade doente poderá ver isto com indiferença. É o nosso caso. Estamos anémicos, ou anestesiados, ou embrutecidos, ou outra coisa qualquer, o certo é que não estamos bem. Os limites da decência social já foram ultrapassados há muito e, contudo, nós mantemo-nos incrivelmente ineptos na oposição à barbárie.
E a barbárie prossegue e aprofunda-se em todas os domínios. O que se está a passar na empresa Estaleiros Navais de Viana do Castelo reveste-se de uma tão elevada gravidade que deveria exigir uma rigorosa investigação, quer parlamentar quer da Procuradoria-Geral da República. Entretanto, o governo vai despedir todos os trabalhadores da empresa, mais de seiscentos, e mostra-se satisfeito com o desfecho a que chegou.
Num outro domínio, o a Educação, uma outra forma de barbárie está prestes a ser levada a cabo: o governo, sem uma única justificação séria, pretende realizar exames a professores contratados, professores que (e estamos a falar de muitos milhares) há muito anos já deveriam estar no quadro, se a lei fosse cumprida. Sem respeito nem escrúpulo, nem a voz do Provedor de Justiça, o governo atende.
O fanatismo que alimenta estes governantes ensurdece-os e cega-os. Enquanto nós o formos permitindo...

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (13)

«O processo de compra de submarinos a uma empresa alemã por parte do Ministério da Defesa iniciou-se no governo de António Guterres, sendo então o advogado Rui Pena o titular da pasta. O negócio conclui-se já depois no consulado de Durão Barroso, com Paulo Portas como ministro com a tutela das forças armadas.
Os processos de concurso e de aquisição destes equipamentos foram opacos, as contrapartidas que os alemães deveriam dar ao Estado português pelo negócio não se concretizaram. Os portugueses foram assim lesados em muitos milhões de euros. Neste crime, terão sido beneficiados particulares, advogados e os partidos políticos do arco do poder. A aquisição de submarinos por parte do Estado português aos alemães representa não só um caso de corrupção, mas igualmente a podridão na política. Simboliza a agonia do sistema de justiça.
A corrupção foi demonstrada de forma incontestável. Na Alemanha, há já responsáveis condenados a penas de prisão e encarcerados por terem corrompido portugueses. Num processo análogo, foi igualmente sentenciado e preso um ex-ministro grego. Contudo, em Portugal, não há arguidos, os processos eternizam-se e prescrevem, com documentos a esfumarem-se convenientemente.
O secretário-geral do PSD da época da aquisição, José Luis Arnaut, é sócio do ministro que iniciou o processo, ou seja, Rui Pena. Ambos se associaram ainda no mesmo escritório de advogados ao actual presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, Matos Correia. Estas ligações parecem convenientes e, assim, garante-se a inércia do Parlamento enquanto órgão fiscalizador.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Nacos

«Uma nova luz sobre a vida e pessoa do ilustre extinto, foi como o Sr. Américo Fonseca, já a caminho de Lombo de Tanque, definiu a abertura do testamento do Sr. Napumoceno. E o Sr. Armando Lima, com o  seu rigor de contabilista aposentado, precisou que a luz parecia total. E andando ao lado do Sr. Fonseca ia filosofando que nenhum homem poderá alguma vez pretender conhecer outro em toda a extensão e profundidade do seu mistério. Porque quem na verdade alguma vez sonhou que Napumoceno da Silva Araújo poderia ser capaz de aproveitar das idas da sua mulher de limpeza ao escritório e entrar de amores com ela pelos cantos da divisão e por cima da secretária, ao ponto de chegar ao preciosismo de lhe fazer um filho, melhor dizendo uma filha, em cima do tampo de vidro! Dando uma pequena gargalhada, o Sr. Fonseca concordou com o amigo e voltou a rir-se do facto de mesmo eles, íntimos do falecido, jamais lhes ter passado pela cabeça ele ter tido uma amante quanto mais um fruto. Claro que agora vai aparecer muita gente a apontar semelhanças, a dizer que está na cara, são os mesmos olhos aguados, etc., mas a verdade é que durante 25 anos, se alguém desconfiou não se atreveu a dizer nem à boca pequena que ele tinha um filho, melhor, uma filha.
E no entanto, quando tudo ficou esclarecido e os factos repostos, em primeiro lugar por força do testamento e mais escritos avulsos e diversos metodicamente numerados e arquivados em diversas pastas com índices de datas e matérias, em segundo lugar pelas próprias revelações de D. Chica que acabou por achar de seu dever confidenciar com a filha os pormenores da sua concepção — viu-se o que há muito poderia ter sido visto, isto é, aquele cabelo preto fino era o mesmo cabelo do falecido, a testa alta era dele sem tirar nem pôr e a própria postura da moça não era da ascendência de mulher de limpeza e certamente que sangue comercial girava naquelas veias.»
Germano Almeida, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, Editorial Caminho.

Petição


domingo, 24 de novembro de 2013

E o ministro da Educação não se demite?

A anunciada prova de avaliação dos professores contratados é a cereja colocada em cima de um enorme bolo. Esse bolo gigante começou a ser elaborado há cerca de oito anos e a sua confecção, desgraçadamente, continua nos dias de hoje. 
Em 2005, um grupo liderado por L. Rodrigues tomou conta do Ministério da Educação. Esse grupo tinha a uni-lo basicamente quatro características que os seus membros partilhavam: arrogância pessoal, ignorância sobre a realidade do nosso sistema educativo, incompetência técnica e irresponsabilidade política. 
Do amontoado legislativo que este grupo produziu, um dos aspectos que se destacou foi o que deu tradução legal à tresloucada obsessão por aquilo que designavam de avaliação do desempenho docente. 
Na realidade, este grupo não tinha a mais pequena noção do que deveria ser uma avaliação do desempenho docente e de como realizá-la. Ministra e secretários de Estado detinham apenas umas vagas noções sobre o assunto, que o senso comum lhes gerou, e sabiam que politicamente  a avaliação dos professores dava uma renda garantida junto da opinião pública. Munidos destas ideias e com a irresponsabilidade dos tolos, avançaram com uma montanha de barbaridades técnicas sobre a avaliação docente. Deu naquilo que todos sabemos que deu: um processo que constituiu uma vergonha nacional.

Depois, veio Crato que maquilhou o processo, mas manteve intacta a farsa avaliativa. Agora, resolveu ampliá-la, com a designada prova de avaliação dos professores contratados.
O carácter obsceno desta prova já foi denunciado até à exaustão: não há uma única razão séria que a justifique e há um mar de razões sérias que inviabilizam. Mas, há dias, o jornal Público acrescentou mais um elemento que cobriu definitivamente de grotesco esta (pseudo) prova. Colocou adolescentes que frequentam o 8.º e 9.º anos a responderem às perguntas de escolha múltipla da prova modelo divulgada pelo Ministério da Educação — prova que supostamente irá avaliar os conhecimentos dos professores contratados para se saber se poderão entrar na carreira docente. Todos os adolescentes realizaram aquela parte da prova em menos de meia hora e todos passaram.
Uma prova que é dirigida a adultos que são licenciados (alguns mestres), que são professores, que leccionam há muitos anos (alguns há mais de trinta), e que consegue ser respondida facilmente por adolescentes do 8.º ano deveria cobrir de ridículo os «técnicos» que a elaboraram e os políticos que a conceberam. Todos estes, técnicos e políticos, têm um caminho a seguir: a imediata apresentação do respectivo pedido de demissão. Mas, antes disso, Crato deve ter a hombridade de anular esta prova.

Este episódio confirma duas coisas:
i) Vivemos (desde há oito anos) dominados por uma política de aparências. O que interessa é fazer de conta. Neste caso, fazer de conta que se avalia, aparentar que se avalia. A política é feita para a plateia, para a fotografia, para os holofotes. Não há seriedade no que se faz. E não há respeito por ninguém. Neste caso, não há respeito pelos professores contratados. Fere-se a sua dignidade profissional com uma impressionante falta de escrúpulo, apenas para consumar o exercício da política de aparência.
ii) Quem enche o discurso com o termo avaliação é quem menos sabe de avaliação. Rodrigues e Alçada foram e agora Crato é a demonstração viva deste fenómeno.

Se vivêssemos num país politicamente decente, Crato já não poderia estar à frente do Ministério da Educação, já teria seguido o caminho das suas duas antecessoras.

sábado, 23 de novembro de 2013

Trechos - Joseph Stiglitz (1)

«Ao longo de 2011, aceitei de bom grado convites do Egito, da Espanha e da Tunísia, e encontrei-me com manifestantes no Parque Buen Retiro em Madrid, no Zuccotti Park em Nova Iorque, e no Cairo, onde falei com jovens que tinham estado na Praça Tahir.
À medida que conversava com os manifestantes, pareceu-me evidente que, embora as queixas específicas variassem de país para país — e, em particular, que as queixas políticas no Médio Oriente fossem bem diferentes das do Ocidente —, havia questões comuns. Havia um entendimento mútuo de que o sistema económico e o sistema político tinham falhado em muitos aspectos, e que ambos eram fundamentalmente injustos.
Os manifestantes tinham razão em que algo estava mal. O hiato entre o que o nosso sistema político-económico deve fazer — o que nos disseram que faria — e o que realmente faz tornou-se grande demais para ser ignorado.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

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A razão dos professores contratados reconhecida pela Comissão Europeia

Notícia retirada do Público Online:
«A Comissão Europeia (CE) anunciou esta quarta-feira que dá dois meses ao Governo português para comunicar as medidas tomadas para rever as condições de trabalho dos professores que estão a contrato nas escolas públicas, sob pena de remeter o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Em causa, segundo uma nota divulgada pela CE, está o alegado tratamento discriminatório daqueles docentes, nomeadamente em termos de vencimento, em relação a professores do quadro que exercem funções semelhantes; e também o recurso a contratos a termo sucessivos, durante muitos anos, que colocam aqueles docentes em situação de precariedade, apesar de eles exercerem tarefas que correspondem a necessidades permanentes.
A CE sublinha que aquelas situações são contrárias à directiva europeia relativa ao trabalho a termo e chama a atenção para o facto de a legislação portuguesa não prever “medidas eficazes para prevenir tais abusos".
Na nota divulgada nesta quarta-feira, a CE dá nota de que tem recebido inúmeras denúncias sobre estas situações. Parte delas foi promovida pela direcção da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), que há cerca de um ano incentivou o envio de queixas individuais para a Comissão Europeia, pela alegada violação, pelo Governo português, da directiva comunitária que impõe o respeito, no sector público, pelas normas de vinculação de trabalhadores que regem o sector privado. 
98% dos docentes reuniam condições para se vincular 
Essa iniciativa – bem como o recurso da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) aos tribunais nacionais – foi tomada depois de o ministro da Educação, Nuno Crato, ter anunciado que dentro de alguns meses seriam postas a concurso apenas 600 vagas (viriam a ser 603) para a vinculação extraordinária de docentes.
Em nota divulgada na altura, a ANVPC perguntava: “O que é que os 37.565 professores contratados com mais de quatro anos de tempo de serviço e os 11.526 com mais de dez anos de tempo de serviço (…) estão realmente dispostos a fazer para que lhes seja reparada a grande injustiça pessoal e profissional?”
Aquela decisão do ministro, disse na altura César Israel Paulo, fez com que ficassem fora do sistema cerca 12 mil professores, ou seja, 98% de docentes que, nos termos da lei geral, reuniam condições para se vincular.
Em Junho de 2012, o provedor de Justiça já considerara, num ofício dirigido ao ministro da Educação, que a legislação actual viola a directiva europeia que visa evitar a utilização abusiva dos contratos a termo. Pôs a tónica na necessidade de alterar as leis, mas alertou que os milhares de professores que já haviam cumprido múltiplos e sucessivos contratos a termo poderiam vir, com sucesso, a intentar acções judiciais contra o Estado, reclamando a indemnização por violação de direitos e a conversão dos contratos para termo indeterminado.
A eventualidade de o desacordo legislativo dar origem a um processo por incumprimento na sequência de queixas à Comissão Europeia era outro dos cenários descritos como possíveis.
Contactado pelo PÚBLICO, César Israel Paulo sublinhou a importância desta notícia, “para mais”, disse, “no momento difícil por que passam os professores sem vínculo”, em luta contra a prova de avaliação de conhecimentos e de capacidades, marcada para dia 18 de Dezembro. “Esta é a prova de que vale a pena estarmos unidos e lutarmos”, disse, apelando à “união” e à “combatividade” dos professores.»

domingo, 17 de novembro de 2013

Uma nova disciplina curricular: empreendedorismo


O nosso ministro da Economia, Pires de Lima, anunciou que considera urgente a introdução de uma nova disciplina obrigatória no currículo do sistema educativo. A nova disciplina por si proposta designa-se de empreendedorismo.
A ideia não é original, mas é interessante. Não é original porque é uma ideia importada e é interessante porque revela o estado a que chegámos.
Na verdade, vivemos tempos em que a ideologia dos interesses instalados domina de modo quase absoluto grande parte das nossas sociedades. Domina a dimensão social, a económica, a financeira e pretende tornar-se pensamento único. Sob a capa de valores nobres como a liberdade, a pessoa humana, a criatividade e outros que ouvimos e lemos nos discursos das elites dirigentes, desenvolveu-se um paradigma que, paradoxalmente com os princípios que reclama, coage a liberdade, tritura a pessoa humana e mata a criatividade. E é ainda curioso verificar que, apesar do designado paradigma neo-liberal ser demasiado grotesco para ter o estatuto de «paradigma», mesmo assim, consegue impor as regras e defender de modo inquestionavelmente eficaz os interesses das classes dominantes. A manutenção do statu quo, isto é, a manutenção do poder económico circunscrito às actuais classes que o detêm é o seu primeiro objectivo.

Ora, uma das ideias grotescas desse «paradigma» está justamente representada na tentativa de elevar o conceito de empreendedorismo a um alto patamar conceptual — e isto não é feito de modo inocente. No pensamento que revela tanto enlevo pelo empreendedorismo há um pressuposto determinante: as sociedades devem assentar primordial e quase totalmente numa estruturação privada e só residualmente numa estruturação pública, e o individualismo, eufemisticamente designado de iniciativa privada, deve sobrepor-se a todas as formas colectivas de organização social e deve ser elevado a valor nuclear, conjuntamente com o mítico conceito de meritocracia.
Segundo o pensamento linear deste «paradigma», quem está bem instalado na vida é porque foi bem sucedido, e se foi bem sucedido é porque tem mérito, e se tem mérito é porque foi empreendedor. Esta aparente ingenuidade analítica tem uma inegável força pragmática: serve de forma competente a manutenção das regras que asseguram perpetuar o poder económico e financeiro a quem já dele é detentor: na verdade, se a designada «iniciativa privada» é a base e o motor social, quem, à partida, já possui maior poder económico é quem tem mais possibilidades de ser «bem sucedido». Deste modo, o poder económico perpetua-se geracionalmente nas mesmas mãos.
Em torno desta base «programática» de preservação da actual hierarquia social vão surgindo noções menores que, em regra, resultam daquilo que se poderá chamar de novo-riquismo intelectual. De banalidades procuram-se fazer aparentes construções teóricas cuja suposta complexidade justificaria preparação introdutória a nível do ensino básico e secundário. É o caso do conceito de empreendedorismo, cuja qualidade da sua substância está bem traduzida na seguinte definição: o empreendedor é aquele que «transforma a situação mais trivial em uma oportunidade excepcional, é visionário, sonhador; o fogo que alimenta o futuro; vive no futuro, nunca no passado e raramente no presente; nos negócios é o inovador, o grande estrategista, o criador de novos métodos para penetrar nos novos mercados» (Michael E. Gerber, cf. aqui). É este tipo de prosápia de vendedor de vão de escada que agora se pretende erigir em saber e cultura curriculares, ao lado da Literatura, da História, da Filosofia, da Matemática, da Física, da Biologia, só para referir meia dúzia de exemplos. Naturalmente que as roupagens do conceito são outras quando os «especialistas» são de nível superior, mas a substância não se altera.
A verdade é que são trivialidades deste género que constituem os conteúdos das novas «ciências» que o novo-riquismo intelectual pretende difundir e instalar. Os saberes construídos e consagrados por múltiplas civilizações deveriam assim dar lugar aos «empreendedorismos», aos «competitivismos», aos «inovacionismos» e a outros «ismos» de natureza idêntica ou, no mínimo, ombrear com eles, porque, segundo se pretende fazer crer, o futuro depende desses (pseudo)saberes.
Acima de tudo, há um mito que é necessário preservar, para que o statu quo não se altere: quem for empreendedor, mesmo que seja pobre, pode transformar-se num «bem sucedido» e ascender ao mais elevado escalão social. Esta mentira é que é mesmo necessário preservar, e conceitos como o de empreendedorismo estão aí para ajudar a essa preservação.

sábado, 16 de novembro de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (12)

«Uma das invenções mais perversas deste regime foi a proliferação de fundações. Nasceram como cogumelos na esfera privada, não para beneficiar a sociedade, mas para sugar recursos ao Estado. Multiplicaram-se também no domínio público, como organismos da administração sem qualquer controlo. Com recursos públicos, funcionam a favor dos seus dirigentes, sem qualquer escrutínio da opinião pública, sem qualquer controlo ou auditoria.
Uma verdadeira Fundação é uma entidade cujo instituidor, dispondo de meios avultados, de um fundo, decide disponibilizar esses recursos à comunidade para prosseguir um dado desígnio social, um qualquer benefício colectivo.
Nesta perspectiva, as fundações públicas nem sequer são fundações. São apenas departamentos da administração central ou local travestidos, com um estatuto que lhes permite funcionar de forma encoberta. Os seus directores não estão sujeitos a regras da administração pública e podem acordar negócios sem qualquer limite, permitindo-se ainda recrutar pessoal sem concurso. É-lhes assim permitido utilizar os recursos públicos em função dos seus interesses e dos seus negócios privados.
Já quanto às fundações privadas, podemos dividi-las em três grupos. Temos as que prosseguem um fim social útil, mas vivem maioritariamente de recursos públicos. Mas, se não dispõem de facto de fundos próprios, podemos considerá-las instituições de solidariedade ou associações, contudo, não fundações. Devem, por isso, mudar de regime e de estatuto.
Há um outro grupo cujos instituidores são personalidades com muitos recursos que registam os seus bens pessoais em nome de fundações particulares, mas que nada dão à sociedade. Com este esquema, ficam isentos de pagar IRC na sua actividade, os seus terrenos e prédios não pagam os impostos a que está obrigado o comum dos cidadãos, como o IMT e o IMI. Até alguns dos seus automóveis ficam isentos de pagar imposto de circulação e imposto automóvel. Este cavalheiros conseguem desta forma um paraíso fiscal próprio, ou seja, verdadeiras off-shore em território nacional. A estas fundações, que apenas servem para mascarar intentos de benefícios fiscais indevidos, retirem-lhes o estatuto de utilidade pública.
No final, restarão apenas cinco ou seis genuínas fundações [...]. São os casos d[a] Gulbenkian, Champalimaud e pouc[a]s mais. [...]
Em resumo, as fundações públicas devem ser extintas e as fundações privadas sem recursos têm de mudar de regime. E aquelas que, embora dispondo de muitos meios, não perseguem um fim social visível e proporcional aos benefícios que recebem, devem perder o seu estatuto de utilidade pública. Esta verdadeira limpeza e higienização levará à anulação de centenas destas entidades.» 
Paulo de Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Poemas

NA OBSCURIDADE DAS ENTRANHAS

passai mais docemente
sobre nossos nervos, caminhantes.
não, nós não estamos mortos.
apenas fatigados
por um nevoeiro sujo
de rosto apodrecido e falso
que se estira e faz serpente, polvo, enigmas.
antes o ventre da terra que este ar sem ar.

passai mais docemente
sobre nossos nervos, caminhantes.
estamos no negro de um subsolo calmo.
apagando a febre, recuperando o espírito, cantamos.
escondemo-nos.
escondemos nossa vida longe das sendas do tempo
viandantes, sobre nossos nervos
passai mais docemente.

Khalil Hâwi
(Trad.: Adalberto Alves)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Exames para professores contratados ou uma política de aparências

Desgraçadamente, tornou-se uma prática comum a vários ministros de diferentes governos realizar uma política de aparências. É impressionante observar como tal prática se generalizou e como foram e são graves as consequências que daí advieram e advêm. Decreta-se, portaria-se, despacha-se, oficia-se sem conhecimentos mínimos para o fazer e sem noção ou preocupação com os resultados decorrentes. A verdadeira atenção está centrada exclusivamente na aparência que as medidas poderão ter junto da opinião pública. O que realmente interessa é o «parecer», não o «ser».
Nesta malfadada prática, a Educação tem sido, nos últimos anos, um domínio particularmente massacrado. Rodrigues, Alçada e Crato constituem um trio terrível que elevou a níveis nunca antes vistos o exercício do engano e da prestidigitação política. A objectiva incompetência técnica e a evidente incapacidade política para desenvolverem reformas fundamentadas e mobilizadoras foram e continuam a ser escondidas por trás de políticas de aparência que visaram e visam somente obter o aplauso de um certo público. 
A tentativa de divisão da carreira docente, o(s) modelo(s) de avaliação do desempenho docente, o modelo de gestão escolar, o estatuto do aluno, a reforma curricular de 2012 são, entre vários outros, exemplos de dislates e de absurdos políticos originados na ignorância e/ou no preconceito e no desejo de aparentar «obra» realizada, nem que essa «obra» seja a concretização do mais néscio senso comum.
A última versão desta irresponsável política de aparência é o exame que o ministro da Educação considerou dever realizar aos professores contratados para que possam continuar a exercer a docência. É uma «exigência» que é feita somente para parecer bem na fotografia, para alimentar a aparência de rigor. Contudo, trata-se apenas de um exercício arbitrário e mesquinho de poder. Trata-se de uma medida sem contexto, sem sentido, sem justificação. Na verdade, estamos a falar de professores que têm certificações científicas fornecidas por instituições do ensino superior acreditadas pelo próprio ministério da Educação; professores que exercem a docência há muitos anos — muitos deles há mais de vinte e alguns há mais de trinta —; que anualmente foram e são avaliados segundo regras também impostas pelo próprio ministério da Educação e que têm obtido, segundo essas mesmas regras, a classificação de bom, muito bom ou excelente; professores que realizam o mesmo trabalho e com as mesmas responsabilidades dos docentes do quadro.
Que razão séria, que fundamento científico ou pedagógico, que moralidade pode justificar a existência deste exame? Não há razão nem fundamento nem moralidade, há exclusivamente uma enorme falta de respeito profissional por milhares de professores e uma obsessiva necessidade de esconder a incompetência com políticas de aparência.
Nota: a cobrança de 20 euros pelo exame realizado atira irremediavelmente este processo para o domínio da obscenidade.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A criminosa destruição da Escola Pública

Só hoje tive possibilidade de ver a excelente reportagem realizada pela jornalista Ana Leal, da TVI, sobre a criminosa destruição da Escola Pública, que está a ser levada a cabo pelo actual governo. Para além do crime político que é destruir a Escola que, pela sua natureza pública, tem o dever de estar ao serviço de todos, esse crime é perpetrado com o dinheiro dos impostos, isto é, com o dinheiro de todos nós. 
Passos, Portas e Crato terão de ser, espero que num futuro não muito distante, constituídos arguidos por prática de crime continuado contra a res publica.

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sábado, 2 de novembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (11)

«Não por acaso, muitos dos políticos dos diferentes partidos que promoveram as negociações [das PPP] em nome do Estado, integram agora os órgãos sociais dos concessionários reiteradamente beneficiados. Todos os ministros das Obras Públicas de referência do regime estão ligados às PPP. O ministro do sector no tempo de Cavaco Silva, Ferreira do Amaral, preside à Lusoponte, detentora da ponte Vasco da Gama, projecto que concebera enquanto governante. O seu sucessor no governo socialista, Jorge Coelho, administra o grupo Mota Engil, maior detentor de PPP rodoviárias em Portugal. Já o titular da pasta no consulado de Durão Barroso, Valente de Oliveira, pertence também ao mesmo conselho de administração da mesma Mota Engil. Aqui se cruzam e cruzaram Rangel de Lima, antigo presidente das Estradas de Portugal com Luis Parreirão, ex-secretário de Estado das Obras Públicas. Também Almerindo Marques, que presidiu às Estradas de Portugal, transitou para a presidência das obras públicas no grupo Espírito Santo. A transferência sistemática para grupos privados dos agentes públicos que decidem sobre PPP é obscena, mas parece recolher o apoio e mesmo a admiração de políticos no poder.
É o que se pode ler da decisão da Câmara do Porto de atribuir, a 25 de Abril de 2012, a medalha de ouro do município ao presidente do grupo Mota Engil. António Mota personifica a promiscuidade entre política e negócios. O grupo a que preside tem sido dos mais favorecidos pelos sucessivos governos, sustentando-se dessa enorme manjedoura que é o orçamento de Estado. E em todos os escândalos em que aparece envolvido, o grupo Mota escapa incólume. Foi assim com a prorrogação dos contratos da Lisconte ou com a operação Furacão em que foi arguido. Vem de longe a sua tradição de contratar políticos menos escrupulosos como Duarte Lima que, já enquanto líder parlamentar do PSD no tempo de Cavaco Silva, representava os interesses do grupo Mota. António Mota colecciona políticos de todos os quadrantes, cuja utilidade vai do tráfico de influências a favor dos seus negócios até à vassalagem, com a atribuição de comendas ou medalhas.
Entretanto, o grupo Mota Engil é o maior operador na área das parcerias público-privadas rodoviárias, nomeadamente nas designadas "ex-SCUT". É ainda o accionista de referência da Lusoponte, empresa detentora da ponte Vasco da Gama.
Quando a troika chegou a Portugal, em 2011, os quadros superiores do FMI, da União Europeia e do BCE ficaram atónitos com o nível de remuneração que era garantido aos concessionários das PPP.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O esplendor da nossa mediocridade

1. Um governante de um qualquer país deveria sentir-se proibido de pronunciar frases como esta: «antes ser celta do que grego». Porque é uma frase, em si mesma, estúpida, porque politicamente é uma frase sem dignidade, porque eticamente é uma frase inaceitável entre membros de uma mesma União. Um qualquer governante de um qualquer país deveria sentir esta auto-proibição, mas o governante Portas, do governo de Portugal, não sente essa inibição. Não sente essa inibição como não sente inibição de qualquer outra natureza. Pelo contrário, sente que tudo lhe é permitido dizer e fazer. Entrou há bastante tempo no grupo dos inimputáveis. O problema é que esta personagem descredibilizada e descredibilizante, que ninguém leva a sério, é vice-primeiro-ministro, e é pago, como agora se diz, pelo dinheiro dos contribuintes.

2. Somos ridicularizados em privado e em público em vários países do Norte da Europa; colocam-nos como membros de pleno direito do grupo dos PIIGS; temos ministros que vão a rádios locais estrangeiras pedir publicamente desculpas diplomáticas; batem-nos a porta na cara, e nós, curvilínea e sorrateiramente, fazemos toc-toc; mendigamos pão e clemência aos credores; mas... atenção, apesar desta imensa subserviência em relação ao que é importante, imediatamente nos levantamos indignados, vociferamos, gritamos, ameaçamos que fazemos e acontecemos, porque um senhor, de uma certa idade e que manda na coisa do futebol, resolveu meter-se com o cabelo empastado de um jogador de futebol português. O próprio governo da nação emite um comunicado e toma posição formal sobre o assunto. Afinal a linha vermelha do governo e a nossa linha vermelha é o gel de cabelo de um futebolista. E quando essa linha é pisada, aí, sim, «às armas, às armas, contra os canhões marchar, marchar».

3. As pensões reduzem-se a pó, os salários e as reformas a metade, os impostos duplicam, o empobrecimento alastra como uma peste, mas para muita da nossa imprensa e para muito boa gente, com ou sem verbo fácil, o que é realmente importante é a reles coscuvilhice sobre um divórcio entre uma locutora de tv e um ex-ministro.

O esplendor da nossa mediocridade é inigualável.