segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Impreparações, irresponsabilidades, arbitrariedades

Quando alguém se propõem governar um país, supõem-se que da parte do proponente tenha havido a preocupação e a responsabilidade de se preparar política e tecnicamente para essa missão. Isto é o que qualquer sensato cidadão pressupõem, isto é o que qualquer indivíduo medianamente consciente exige a si próprio e aos outros. Surpreendentemente a realidade tem vindo a desmentir o bom senso com uma impressionante teimosia. A última década foi mesmo particularmente cruel no modo como desfez qualquer ilusão a respeito da suposta preparação política e técnica de quem se candidata a governante.
Há dez anos tínhamos Durão Barroso como primeiro-ministro. Com sinais claros de recalcamentos não resolvidos decorrentes de opções políticas juvenis, governou em ziguezague, sem rumo nem coerência, com vários episódios de comportamento impulsivo e irresponsável: desde o caso do prometido choque fiscal (que terminou num aumento de impostos...) até ao bizarro papel de recepcionista de Busch, Aznar e Blair, na preparação da guerra do Iraque. A meio do mandato, fugiu para a Comissão Europeia, furtando-se às responsabilidades que tinha assumido perante o seu eleitorado e perante o país.
Há nove anos, tínhamos Santana Lopes como primeiro-ministro. Foi o político que melhor personificou a desconsciência política. Habituado a ambientes frívolos via o governo como um prolongamento desses ambientes. Foi exonerado ao fim de oito meses.
Há oito anos, tínhamos José Sócrates como primeiro-ministro. Sem preparação técnica nem cultura política, não precisou delas para vencer eleitoralmente a picaresca figura do seu antecessor. Assentou a sua acção no voluntarismo irresponsável e na acrítica adesão à designada terceira via «blairista». Obscecado, arrogante, psicologicamente desequilibrado, politicamente oportunista, viveu da imagem e para a imagem. Sem substância no pensamento nem competência na acção, conduziu o país à bancarrota.
Há dois anos e meio que temos Passos Coelho como primeiro-ministro. Chegou ao poder sem nenhuma experiência governativa e sem fazer a menor ideia do que é liderar um país. Prometeu tudo e tem feito precisamente o seu contrário. É confrangedora a sua impreparação política e técnica. Crente fanático em meia dúzia de ideias liberais mal compreendidas e pior fundamentadas, entrega-se, com o denodo de um talibã, ao exercício de satisfazer os seus dogmas e de levar o país à pobreza generalizada.
Nos últimos dez anos, tivemos, assim, quatro primeiros-ministros unidos pela irresponsabilidade de se candidatarem a um cargo para o qual manifestamente não estavam preparados.
Independentemente da proximidade ou do afastamento que se tenha em relação às famílias políticas de que eles são oriundos, é um facto que nenhum deles reunia as condições necessárias para ser primeiro-ministro.
É pois preocupante a irresponsabilidade dos próprios, que não viram necessidade de se prepararem para liderar um país, e a irresponsabilidade que, com estes exemplos, tende a generalizar-se. O sentido de serviço público e a responsabilidade que lhe está inerente desapareceram.

Mas, curiosamente, é quem nunca se preparou nem sujeitou a nenhuma avaliação de conhecimentos nem de capacidades, para o exercício das altas funções que desempenharam ou desempenham, quem mais fala e quem, com arbitrariedade, impõe (pseudo) provas de avaliação a profissionais cujo desempenho é anualmente sujeito a avaliação e cuja certificação académica resultou de múltiplas provas de avaliação.
Curiosamente, é quem, de forma reiterada, revela objectiva incompetência para governar sem violar a Lei — veja-se o escandaloso número de decretos-leis «chumbados» por inconstitucionalidade — quem mais enche o discurso com termos como: rigor, competência e exigência.
Curiosamente, é quem mais desrespeitoso é para com um órgão de soberania, como é o caso do Tribunal Constitucional, com comportamentos e atitudes que configuram grosseria e desconsideração institucionais, quem se insurge contra comportamentos rebeldes da parte de quem está a ser vítima de humilhação e de prepotência, como é o caso dos professores contratados.

De impreparação em impreparação, de irresponsabilidade em irresponsabilidade vai-se traçando o caminho da degradação, da arbitrariedade e da prepotência. É cada vez mais necessário um levantamento cívico.