sábado, 30 de março de 2013

Três notas sobre uma entrevista

1. Quanto ao modo como os comentantes profissionais comentaram a entrevista.
Há uns anos, quando um (sui generis) ex-primeiro-ministro surgia nas televisões e nos jornais a acusar retrospectivamente o então Presidente da República Jorge Sampaio de falta de isenção ou surgia retrospectivamente a defender a acção do Governo a que presidiu durante uns meses, era depreciativamente considerado pelos comentantes profissionais como alguém que não tinha sabido perder, como alguém que queria ajustar contas com o passado, como alguém que ainda não tinha percebido que o seu tempo já tinha passado, como alguém que queria reescrever a história e coisas de género idêntico.
Esta semana, surgiu na televisão um outro ex-primeiro-ministro a repetir justamente o discurso desse anterior ex-primeiro-ministro: repetiu que a culpa tinha sido da falta de isenção do Presidente da República (desta vez Cavaco Silva) e repetiu que a sua actuação, enquanto chefe de dois governos, tinha sido incólume. Todavia, apesar do discurso ser na essência o mesmo, grande parte dos comentantes profissionais não repetiu agora o que tinha dito há anos. Agora os títulos foram: «O regresso de Fulano de Tal», «O animal feroz voltou», «Fulano de Tal: um político combativo», etc. Até mesmo aqueles que admitem tratar-se de um «ajuste de contas», não o fazem com sentido pejorativo, fazem-no como o reconhecimento do exercício de um suposto direito.
Esta disparidade avaliativa por parte dos comentantes profissionais parece estranha, mas não é. Há dias transcrevi neste blogue uma passagem do livro Mário Soares — Uma Vida, de Joaquim Vieira, publicado há pouco mais de um mês. Nessa passagem conta-se que o ex-primeiro-ministro agora regressado manifestava junto de Mário Soares uma enorme satisfação pelo seu candidato a presidente da República, Manuel Alegre, ter perdido as eleições. Isto é, depois de o ter  apoiado durante toda a campanha eleitoral, o então secretário-geral do PS estava radiante e feliz com a derrota daquele que publicamente tinha defendido. Ora esta passagem do livro, que descreve um comportamento infame, um comportamento que repugna, foi ignorada pela generalidade dos órgãos de comunicação social — salvo o erro, apenas o semanário Sol a noticiou. Esta deliberada omissão revela a teia de influências, dependências e cumplicidades que o agora recém-regressado político construiu e mantém junto do meio jornalístico. Não admira, portanto, a indecorosa disparidade de critérios utilizados para descrever e julgar o comportamento destes dois ex-primeiros-ministros.
É neste lamaçal que vive grande parte da nossa imprensa.

2. Quanto à substância da entrevista.
Tenho dificuldade em descobrir o que de verdadeiramente novo o recém-regressado ex-primeiro-ministro tenha dito na entrevista de quarta-feira. Vi que falou do mesmo, que disse o mesmo, que repetiu o mesmo que já tinha repetido até à exaustão logo após a demissão e durante a campanha eleitoral de 2011. Socorreu-se dos mesmos trejeitos faciais (que, como sempre, alternam entre a cândida inocência e o olhar supostamente ameaçador) e revelou a mesma falta de pudor e de decência política que sempre o caracterizou.
Foi precisamente a falta de pudor e de decência política que lhe permitiu tecer acusações ao actual Governo. Nós, que somos vítimas desta desgraçada política, temos o direito de tecer acusações, mas ele, o recém-regressado ex-primeiro-ministro, não o tem. Não o tem porque foi ele precisamente quem iniciou e abriu o caminho ao que agora está a acontecer. 
Foi ele precisamente quem iniciou as malfeitorias aos pensionistas, quando lhes congelou as pensões e quando lhes quis aplicar os primeiros cortes. 
Foi ele precisamente quem começou a cortar o tempo de subsídio aos desempregados. 
Foi ele precisamente quem começou a cortar os vencimentos dos funcionários públicos. 
Foi ele precisamente quem começou a cortar o abono de família.
Foi ele precisamente quem começou a subir os impostos de modo desnorteado. 
Foi ele precisamente quem começou a fazer da política educativa uma gigantesca encenação: (pseudo) avaliação docente; (pseudo) Novas Oportunidades; (pseudo) modelo de gestão democrático. 
Foi ele precisamente que iniciou a criação de mega-agrupamentos. 
Foi ele precisamente quem defendeu os interesses do mundo financeiro, permitindo o pagamento de taxas reais de impostos inferiores às restantes empresas. 
Foi ele precisamente quem anuiu às exigências das entidades patronais, permitindo uma drástica diminuição no pagamento da indemnização por despedimento. 
Foi ele precisamente quem permitiu às grandes empresas a distribuição antecipada de dividendos, como estratégia de fuga ao aumento dos impostos de 2011. 
Foi ele precisamente quem mais começou a empobrecer o país até o conduzir à bancarrota.
Foi ele precisamente quem fez da governação um contínuo acto de arrogância, de teimosia, de crispação, de promoção da imagem pessoal e de satisfação de vaidades.
Foi ele precisamente quem dirigiu o país enganando sistematicamente os portugueses: anunciou que tínhamos sido os últimos a entrar em crise e que tínhamos sido os primeiros a sair da crise; proclamou que éramos a vanguarda disto, daquilo e daqueloutro; garantiu que não precisávamos de pedir ajuda externa; jurou que os impostos não iriam subir; afiançou que o emprego iria crescer; prometeu que... 
E a listagem podia continuar, continuar e continuar...
rating da credibilidade deste ex-primeiro-ministro é idêntico ao rating da nossa dívida pública: ambos estão no nível de lixo. Julgo não me enganar se disser que daqui a algumas semanas, quando passar o efeito da novidade, não serão muitos aqueles que vão ter paciência para ouvir e ver o novel comentante. Politicamente desacreditado, culturalmente carenciado, discursivamente mecanizado e sem sentido de humor, certamente que este homem se tornará um enfado para quem o escutar.

3. Quanto ao futuro do entrevistado.
Seria muito grave que alguém procurasse ver no regresso deste político medíocre a possibilidade de uma alternativa. Ele, Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho formam o quarteto político que destruiu o país. Ele, como os outros três, é um homem sem futuro. Merecidamente.

sábado, 23 de março de 2013

Momento quase filosófico

Uma história berbere.
Um pobre travou-se de razões com um rico, que o esbofeteou. O assunto foi levado ao cadi, que escutou os dois queixosos e decidiu que o rico daria ao pobre, que ele tinha esbofeteado, um quinhão de mil.
Então o pobre virou-se para o cadi e esbofeteou-o vigorosamente.
— O que foi que te deu? — perguntou o cadi.
— Oh, não é nada — disse o pobre. — Deu-me vontade. Quando trouxerem o quinhão de mil, fique com ele. Eu cá vou embora.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema.

sexta-feira, 22 de março de 2013

RTP: uma contratação obscena

«No dia seguinte à vitória do Cavaco, chamou-me lá [à residência oficial]. Eu chego e o gajo estava radiante, bem-disposto. E a primeira coisa que diz foi: ‘Ó Mário, acabámos com aquele... [insulto]’. E eu disse: ‘Eh pá, não gosto disso'».
O dia seguinte foi o dia 24 de Janeiro de 2011. O convidado para ir à residência oficial era Mário Soares. A residência oficial era a do primeiro-ministro. O gajo radiante e bem-disposto era Sócrates. O autor do insulto foi Sócrates. O insultado foi Manuel Alegre. Precisamente o Manuel Alegre que tinha sido o candidato presidencial apoiado por Sócrates. 
Este episódio canalha foi contado por Mário Soares ao jornalista Joaquim Vieira, e está transcrito no seu livro Mário Soares — Uma Vida, da Esfera dos Livros, colocado à venda no mês passado.
Sócrates foi participante activo na campanha eleitoral de Manuel Alegre, disse aos portugueses que votassem nesse candidato, fez-lhe elogios e afirmou que o apoiava com firme convicção. No dia seguinte à derrota de Manuel Alegre, isto é, à derrota do candidato que publicamente apoiou e elogiou, Sócrates estava radiante com essa derrota, e quis partilhar a sua alegria com Mário Soares: «Acabámos com aquele... [insulto]» e o insulto foi de tal ordem que Joaquim Vieira achou por bem não o transcrever.
Este é o retrato do político José Sócrates. E este retrato é obsceno. 

A RTP achou por bem contratar este retratado. 
Ouvi o director de informação da RTP tentar fundamentar a contratação, com duas razões: a) «ele (Sócrates) tem capacidade para comentar»; b) «qualquer das televisões desejaria tê-lo como comentador».  
As duas razões espremidas dão nada. A primeira poderia ser aplicada a qualquer pessoa com capacidade para comentar, e, como se vê pela proliferação de comentadores, essa capacidade não rareia. A segunda suscita uma pergunta: por que razão «qualquer das televisões desejaria tê-lo como comentador»? Não sendo certamente por nenhuma boa razão relacionada com o seu exemplar passado político ou com o estado em que deixou o país, será, com certeza, por algum género de razão pouco recomendável para uma estação pública: tentar ganhar audiências sem olhar a meios, isto é, tentar ganhar audiências pelas piores razões — neste caso, pela pornografia política que a contratação exibe e pelo previsível exacerbamento de ódios (acompanhado de estrondo mediático) que a sua presença inevitável e justificadamente suscitará. Será um programa de comentário com ingredientes de reality show, mas na versão de um só protagonista.

A um retrato obsceno junta-se uma contratação obscena. Vale tudo.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Crato: uma colossal falta de vergonha

Já ninguém tem dúvidas de que a governação do país foi entregue a um grupo formado por indivíduos que elevaram a incompetência e a mentira a níveis nunca vistos. Nunca vistos e provavelmente nunca imaginados. Para nossa evidente desgraça, a incompetência é comprovada quase diariamente, e para nossa profunda indignação, a mentira é praticada a quase todo o instante. Neste governo, a incompetência e a mentira alimentam-se reciprocamente e denunciam a natureza dos agentes.
O rol das mentiras não tem fim nem vai ter, enquanto este governo durar. Ontem mais uma descarada mentira foi posta a nu. Desta vez (a juntar a várias outras) o protagonista foi Nuno Crato, coadjuvado pelo seu secretário de Estado da Administração Escolar, Casanova de Almeida. Depois de ambos, ao longo dos últimos meses, terem  afirmado, reafirmado e jurado que «nenhum professor seria colocado em mobilidade especial», anunciaram agora que todos os professores com horário zero serão integrados nesse regime, a partir do próximo ano lectivo. 
Sem um pestanejo nem o mais leve sinal de vergonha, o dito é dado por não dito como se isso fosse — e, de facto, para eles é — a coisa mais prosaica do mundo.
Para este governo, a patifaria política não tem limites.

terça-feira, 19 de março de 2013

O que Chipre nos ajuda a ver

Tem sido curioso observar a reacção de alguns à ideia de taxar os depósitos bancários no Chipre (medida que acabou de ser reprovada pelo parlamento cipriota). De modo praticamente unânime, a condenação veemente da taxação dos depósitos tem sido sustentada com o recurso ao mundo dos «valores e dos princípios». 
Não sei, ninguém sabe, se as vozes que durante os dois últimos dias se têm pronunciado de modo inequívoco e exaltado contra tal taxação estão a ser mesmo sinceras ou se, pelo contrário, estão a ser cínicas, dissimuladas, velhacas. Não sabemos, por isso não podemos acusar ninguém. Mas, não podendo nós enveredar pela via da acusação infundada, podemos enveredar pela via dos factos. E os factos são estes:

1. Segundo estes indignados, a repulsa pela taxação deve-se à «escandalosa violação de princípios básicos e de valores fundamentais». Procurei estar atento aos contornos desta escandalosa violação e tentei compilar, a partir do que li e ouvi das vozes indignadas, quais foram os princípios básicos e os valores violados. De concreto apurei o seguinte: a nível dos valores, consegui perceber um, o valor da «confiança» — segundo os agora indignados foi violado o valor da «confiança»; a nível dos princípios, consegui perceber que foi violado o «princípio do adquirido», que, segundo entendi, refere-se ao princípio adquirido de que «o dinheiro no banco está seguro».

2. Estranha mas curiosamente, a quase totalidade destas vozes só agora protesta, só agora se indigna, só agora fala de valores, de princípios, de direitos adquiridos, de violação da confiança, etc., etc. Só muito recentemente mesmo — mais em concreto: só a partir do nosso último orçamento de Estado e agora com a taxação dos depósitos no Chipre — é que surgiu em alguns uma apurada sensibilidade aos valores e aos princípios. 
Em 2010, quando Sócrates e Teixeira dos Santos anunciaram o corte entre 5% e 10% nos vencimentos dos funcionários públicos, não foi o valor da confiança que foi violado? Precisamente o valor da confiança que nos assegurava que o Estado cumpria os compromissos e os contratos que assinava com os seus trabalhadores? Esta confiança não foi violada? Sócrates e Teixeira dos Santos não violaram também o princípio de um direito adquirido, neste caso, o direito ao salário contratado? 
Parece óbvio que estas violações aconteceram, todavia, não me recordo de ter ouvido muitas das vozes que agora oiço, não me recordo de as ter ouvido esboçar uma crítica ou sequer um reparo a tais violações.
Em 2011, quando Coelho e Gaspar cortaram meio subsídio de Natal não foi o valor da confiança que foi violado? Precisamente o valor da confiança que nos assegurava que o Estado cumpria o compromisso de pagar por inteiro o subsídio de Natal? Esta confiança não foi violada? Coelho e Gaspar não violaram igualmente o princípio de um direito adquirido, neste caso, o direito ao subsídio de Natal integral?
Parece óbvio que estas violações aconteceram, porém, não me recordo de ter ouvido muitas das vozes que agora oiço, não me recordo de as ter ouvido esboçar uma crítica ou sequer um reparo.
Em 2012, quando Coelho e Gaspar confiscaram dois subsídios (o de férias e o de Natal) aos funcionários públicos e pensionistas e mantiveram o corte dos salários, entre 5 e 10%, perfazendo, para muitos, um corte nos rendimentos acima de 20%, não foi o valor da confiança que foi atingido? Precisamente o valor da confiança que nos assegurava que o Estado cumpria os compromissos e os contratos que assinava com os trabalhadores? Esta confiança não foi violada? Coelho e Gaspar não violaram também o princípio de um direito adquirido, neste caso, o direito adquirido ao subsídio de férias, ao subsídio de Natal e ao vencimento, por inteiro?
Parece óbvio que estas violações aconteceram, mas continuo sem me recordar de ter ouvido muitas das vozes que agora oiço, continuo sem me recordar de as ter ouvido esboçar uma crítica ou sequer um reparo.

Apenas agora, em 2013, ano em que estas violações se estenderam a toda a gente, e não apenas aos funcionários públicos e pensionistas, é que, para alguns, a defesa intransigente dos «valores e dos princípios» despertou do torpor. E, agora, com a simples possibilidade da taxação dos depósitos se estender do Chipre até cá, o despertar deu origem à mais veemente e declamatória defesa dos «valores e dos princípios». De repente, os «valores e os princípios» passaram a ser importantes, fundamentais, arquétipos de uma civilização. E aqueles que até há pouco tempo nos diziam, nos repetiam, nos matraqueavam que os direitos adquiridos já tinham acabado, que eram coisas do Jurássico, surgem neste momento fervorosos defensores da irreversibilidade dos direitos.
Mas certamente que nenhuma desta gente está a ser cínica ou dissimulada ou velhaca. Certamente que não.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Mais pobres, mais doentes, mais ignorantes.

O governo anunciou hoje o que já se sabia: nenhum problema do país está resolvido e a situação ainda vai piorar muito: mais desemprego, mais défice, mais dívida, mais recessão, mais empobrecimento, mais miséria. Como sempre, o porta-voz foi o ministro das Finanças. Como sempre, fez este anúncio com o mesmo à-vontade com que os criminosos profissionais publicitam os seus actos: tranquilamente e sem remorso. Com o mesmo à-vontade desmentiu o primeiro-ministro, ao afirmar que a recessão é «séria e grave», apesar do seu chefe ter afirmado há dois meses que «não havia qualquer sinal de espiral recessiva». Apesar da admitida gravidade da recessão, o ministro das Finanças auto-isenta-se de responsabilidades e, inimputável e alegremente, segue o seu caminho. Nada do que se passa parece ter que ver com ele.

Entretanto, os privilegiados deste país — os funcionários públicos (em particular, os professores) — vão suportar mais 20 mil despedimentos, metade dos quais professores, que se somam aos cerca de 15 mil que este ano perderam o emprego (precisamente aqueles que detinham o privilégio de nunca poderem perder o emprego...). A destruição do Estado Social é brutal. Se somarmos estes 20 mil despedimentos anunciados aos 15 mil que ficaram sem emprego, aos 59 mil funcionários que nos últimos três anos se reformaram (a maioria empurrada para essa situação) e aos 34 mil que já meteram os papéis para se reformarem em 2013, temos um corte total de mais de 100 mil funcionários públicos, atendendo ao insignificante número de admissões. Isto quer dizer que há menos 100 mil profissionais a prestar serviço público, ou seja, a degradação da qualidade e da quantidade dos serviços públicos é objectiva e está em acelerado processo de desenvolvimento. A esta irresponsável redução do número de trabalhadores do Estado acrescenta-se a brutal redução dos seus salários (para muitos, as perdas são superiores a 25%). 
Com funcionários mal pagos e em reduzido número, o Estado Social definhará até se tornar residual e insignificante, e milhões de portugueses ficarão progressivamente mais pobres, mais doentes, mais ignorantes.
Este é o programa comum do governo e da troika. Este é o programa que nenhum deles tem legitimidade democrática para realizar.
Este governo não foi mandatado pelos portugueses para o fazer. A exigência de que a Assembleia da República tem de ser dissolvida e de que têm de ser convocadas novas eleições não pode parar de ser feita.

Para clicar


terça-feira, 12 de março de 2013

Poemas

PRAGA

Um cacto gótico floresce em crânios aristocráticos
sobre os mantos elefantinos dos tabuleiros
e antigas melodias apodrecem
nas cavidades dos órgãos melancólicos
e nos cachos dos tubos de metal.

O vento dispersou
as balas de canhão e a semente das guerras.

A noite empina-se sobre todas as coisas
e no buxo de cúpulas sempre verdes
um imperador néscio caminha sobre a ponta dos pés
para os jardins mágicos de suas retortas
e na bonança de noites rosadas
ressoa o tilintar de uma folhagem cristalina
que dedos de alquimista tocam
feito vento.

Os telescópios cegaram de horror ao cosmos
e a morte sugou
os fantásticos olhos dos estelonautas.

A lua no entanto pôs ovos sobre as nuvens
estrelas novas brotaram apressadas como pássaros
que migram de terras enegrecidas
cantarolando a canção dos destinos humanos
mas não há ninguém
capaz de compreendê-los.

Ouvi as fanfarras do silêncio
dirigimo-nos rumo ao futuro invisível
sobre rotos tapetes do sudário dos séculos
e Sua Majestade o pó
ajeita-se leve sobre o trono abandonado.

Jaroslav Seifert
(Trad.: Aleksandar Jovanovic)

segunda-feira, 11 de março de 2013

Petição pública: Privatização da Água a Referendo

Petição Privatização da Água a Referendo
Para: Exmº Srº Presidente da República; Exmº Srº Presidente da Assembleia da República; Exmº Srº Primeiro-Ministro; Grupo Parlamentar do P.S.D; Grupo Parlamentar do P.S; Grupo Parlamentar do C.D.S./P.P; Grupo Parlamentar do P.C.P; Grupo Parlamentar do B.E; Grupo Parlamentar de Os Verdes

A água é parte constituinte do planeta Terra, como qualquer recurso, apresenta valores muito escassos e face a esse facto a sua gestão torna-se premente e indispensável. 

Com o exponencial crescimento da população humana e com a tipologia de vida que a Humanidade tem vindo a desenvolver, a pressão sobre a água doce disponível tem vindo a acentuar-se. 

O Homem, como todos os seres vivos tem a necessidade deste bem para a sua sobrevivência. 
Estes factores obrigam a que a gestão deste bem seja feita com a maior cautela. 

Desse modo, consideramos que algo tão fundamental não deve e não pode ser alvo de uma gestão privatizada que naturalmente visaria a lógica empresarial com base na obtenção de lucros e mais-valias. 

Acresce que o fornecimento deste bem deve ser Universal, não podendo mais uma vez estar sujeito a cálculos ou premissas de cariz financeiro. 

Nesse sentido, vimos desta forma solicitar que o controlo da gestão da água e respectiva rede de abastecimento seja garantido pelo Estado, dotando as autarquias locais, ou outra entidade central de financiamento que permita a manutenção da distribuição , de forma a garantir a sua Universalidade e qualidade, mediante um preço justo, devendo este ser calculado em função do consumo e sua tipologia, nunca tendo por base a localização geográfica dos cidadãos. 

Considerando ser esta uma decisão que afecta directamente os Direitos fundamentais, vimos propor que seja realizado um referendo nacional com vista a garantir a legitimidade de uma medida desta natureza em prol da Democracia e da Cidadania. 

Os signatários

(Subscrever aqui)

domingo, 10 de março de 2013

Momento quase filosófico

Uma história persa mostra quando, por um escasso momento, a estupidez e a inteligência andaram juntas.
Um beduíno, que seguia sentado num camelo carregado com dois sacos, encontrou um homem que lhe perguntou:
— Que leva o teu camelo?
— De um lado um saco cheio de trigo — respondeu o beduíno — e do outro um saco cheio de areia.
— Por que razão fazes isso?
— Para equilibrar a carga.
— Era melhor repartir o trigo pelos dois sacos — disse o homem. — Assim, a carga do teu camelo seria menos pesada.
O beduíno ficou impressionado com a inteligência deste conselho.
— Mas tens razão! — exclamou ele. — Tens mil vezes razão! O teu pensamento é fino, subtil! Sobe para o meu camelo, vem!
O beduíno ajudou o homem a subir para o camelo e disse-lhe:
—Quem és tu? Um homem inteligente como tu deve ser sultão, ou pelo menos vizir!
— Não, não sou nada.
— Mas és rico?
— Não. Olha para a minha roupa.
— Que espécie de comércio praticas? Onde é a tua casa, onde está a tua loja?
— Não tenho loja, nem casa.
— E os teus camelos? As tuas vacas?
— Não tenho disso.
— Mas então, como uma inteligência assim, o que tens?
— Não tenho nada, já te disse, nem tenho um bocado de pão para comer. E as minhas roupas são andrajos.
— Desce deste camelo! — exclamou o beduíno. — Vai-te embora! Leva para longe de mim a tua inteligência perigosa, que eu não quero perder a minha estupidez!
Os dois homens separaram-se para sempre e o beduíno continuou o seu caminho, um saco de trigo de um lado e um saco de areia do outro.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema (adaptado).

sexta-feira, 8 de março de 2013

Sobranceria

Foi ontem, salvo o erro, que uma coincidência no encadeamento noticioso de um dos Jornais da SIC evidenciou bem o brutal contraste entre o que os comentantes profissionais afirmam e o que a realidade é. 
A propósito da recente revisão em ligeira alta das perspectivas para o rating da dívida soberana portuguesa, divulgada pela Standard & Poor's, um dos comentantes mais prolixos, no domínio da economia, daquela estação de televisão, José Gomes Ferreira, afirmou, reafirmou e insistiu, ainda que num português pouco escorreito, que «aquilo que nos dizem "a receita não está a resultar" é um engano que nos dizem [...]. E a prova está aqui [na nota positiva da Standard & Poor's].» Segundo o comentante, estamos, sem margem para dúvida, no bom caminho e nele devemos prosseguir. 
Este comentário — produzido numa cómoda cadeira, sob as luzes dos holofotes e os retoques da maquilhagem — foi, por ironia do alinhamento das notícias, imediatamente seguido de uma reportagem sobre a pobreza que as crianças portuguesas estão neste momento a viver. Nessa peça, ouvimos várias mães contarem como são obrigadas a cortar nos medicamentos e na alimentação dos filhos: ouvimo-las dizer que não conseguem comprar carne nem peixe, que não conseguem comprar leite e ovos diariamente, que não conseguem comprar medicamentos que os filhos deveriam tomar, etc., etc. Estas mães falavam enquanto aguardavam pela sua vez para irem recolher um saco de plástico com alimentos, que uma instituição de solidariedade social lhes disponibilizava. 
O sofrimento destas mães e destas crianças não tem descrição e é horrível. É horrível mas vai continuar e vai alastrar. Vai continuar enquanto quem decide e quem comenta a vida dos portugueses estiver a decidir e a comentar comodamente sentado nos gabinetes climatizados ou sob as luzes de holofotes e retoques de maquilhagem; vai continuar enquanto quem decide e quem comenta mantiver as mordomias que os isola da vida e lhes desenvolve uma insuportável sobranceria em relação à desgraça dos outros.

terça-feira, 5 de março de 2013

Bonecos de palavra

Bill Watterson, Progresso Científico... Uma Treta!, Gradiva.
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Os ganhos dos nossos amigos

Relembrando uma notícia da semana passada: «Bancos centrais ganham 1,1 mil milhões com dívida dos periféricos»
Os lucros que os bancos centrais da zona euro têm obtido com os empréstimos realizados a Portugal e Irlanda confirmam que se trata de um excelente negócio para os contribuintes desses países. Todavia, o governo português não só assume repetidamente, no discurso público e oficial, uma posição de agradecimento desmesurado e de escandalosa subserviência perante os designados parceiros europeus, como deliberadamente oculta o quanto tem sido vantajoso para os credores a alegada ajuda prestada. 
Na verdade, o fanatismo ideológico de Passos Coelho e de Gaspar conduz-los a uma narrativa anti-patriótica de chantagem moral para com os seus concidadãos. Repetindo até à exaustão a falsa ideia de que somos devedores de incomensurável gratidão, o governo procura desenvolver nos portugueses uma má consciência que os iniba de contestar a sua política. 
Politicamente desequilibrados, Passos e Gaspar mentem, ocultam e renegam com um desembaraço que nauseia. 

domingo, 3 de março de 2013

Ontem, 2 de Março

Lisboa. Os rostos fechados predominaram sobre as palavras de ordem, sobre as cantilenas e até sobre a «Grândola Vila Morena». Pairou o ar pesado de quem sofre, de quem se sente enganado, de quem ainda contém a revolta. Os momentos de festa e de humor escassearam. O silêncio imperou durante partes significativas do desfile. Por vezes a marcha parecia fúnebre. Só os passos se ouviam.
Com a crueldade dos algozes, Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas estão a torturar e a matar lentamente os portugueses. Este governo tem de ser demitido ou derrubado.





















Porto. Fotos de AC, enviadas por e-mail.







sábado, 2 de março de 2013

É hoje!


10:00
Praça da República | Horta

14:00
Praça 5 de Outubro | Torres Novas

14:30
Liszt Ferenc tér | Budapeste
Praça 25 de Abril | Caldas da Rainha

15:00
Praça Velha | Angra do Heroísmo
Avenida Central | Braga
Praça da República | Coimbra
Praça do Município| Covilhã
Narvavägen 32 | Estocolmo
Embaixada Portuguesa | Londres
Parque da Cerca | Marinha Grande

Consulado Geral de Portugal | Paris
Largo 2 de Março | Ponta Delgada
Praceta Alves Redol | Santarém
Rossio | Sines
Jardim em frente ao Colégio | Tomar
Praça da República | Viana do Castelo

16:00
Estação CP | Aveiro
Largo do Museu | Beja
Praça do Município | Castelo Branco
Largo das Freiras | Chaves
Estação da CP | Entroncamento
Praça do Giraldo | Évora
Largo do Carmo | Faro
Praça do Município | Funchal
Praça Velha | Guarda
Fonte Luminosa | Leiria
Praça Marquês de Pombal | Lisboa
Praça da República (Mercado) | Loulé
Avenida da Liberdade | Ponte de Sor
Praça Manuel Teixeira Gomes | Portimão
Praça da Batalha | Porto
Largo José Afonso | Setúbal
Frente à Câmara Municipal | Vila Real
Jardim de Santa Cristina | Viseu

16:30
Praça da República | Portalegre

17:00
Consulado Geral de Portugal | Barcelona
Calle de Lagasca | Madrid

18:00
Boston Public Library | Boston

sexta-feira, 1 de março de 2013

Lá estarei

Tenho a convicção de que amanhã ainda seremos mais do que em Setembro. 
Se excluirmos os membros do governo, os deputados que os sustentam, os banqueiros e aqueles que parasitam em torno do poder, não parece existir mais alguém que possa ter razões para não estar presente nas manifestações que amanhã vão inundar o país.


Falta 1 dia