«No dia seguinte à vitória do Cavaco, chamou-me lá [à residência oficial]. Eu chego e o gajo estava radiante, bem-disposto. E a primeira coisa que diz foi: ‘Ó Mário, acabámos com aquele... [insulto]’. E eu disse: ‘Eh pá, não gosto disso'».
O dia seguinte foi o dia 24 de Janeiro de 2011. O convidado para ir à residência oficial era Mário Soares. A residência oficial era a do primeiro-ministro. O gajo radiante e bem-disposto era Sócrates. O autor do insulto foi Sócrates. O insultado foi Manuel Alegre. Precisamente o Manuel Alegre que tinha sido o candidato presidencial apoiado por Sócrates.
Este episódio canalha foi contado por Mário Soares ao jornalista Joaquim Vieira, e está transcrito no seu livro Mário Soares — Uma Vida, da Esfera dos Livros, colocado à venda no mês passado.
Sócrates foi participante activo na campanha eleitoral de Manuel Alegre, disse aos portugueses que votassem nesse candidato, fez-lhe elogios e afirmou que o apoiava com firme convicção. No dia seguinte à derrota de Manuel Alegre, isto é, à derrota do candidato que publicamente apoiou e elogiou, Sócrates estava radiante com essa derrota, e quis partilhar a sua alegria com Mário Soares: «Acabámos com aquele... [insulto]» e o insulto foi de tal ordem que Joaquim Vieira achou por bem não o transcrever.
Este é o retrato do político José Sócrates. E este retrato é obsceno.
A RTP achou por bem contratar este retratado.
Ouvi o director de informação da RTP tentar fundamentar a contratação, com duas razões: a) «ele (Sócrates) tem capacidade para comentar»; b) «qualquer das televisões desejaria tê-lo como comentador».
As duas razões espremidas dão nada. A primeira poderia ser aplicada a qualquer pessoa com capacidade para comentar, e, como se vê pela proliferação de comentadores, essa capacidade não rareia. A segunda suscita uma pergunta: por que razão «qualquer das televisões desejaria tê-lo como comentador»? Não sendo certamente por nenhuma boa razão relacionada com o seu exemplar passado político ou com o estado em que deixou o país, será, com certeza, por algum género de razão pouco recomendável para uma estação pública: tentar ganhar audiências sem olhar a meios, isto é, tentar ganhar audiências pelas piores razões — neste caso, pela pornografia política que a contratação exibe e pelo previsível exacerbamento de ódios (acompanhado de estrondo mediático) que a sua presença inevitável e justificadamente suscitará. Será um programa de comentário com ingredientes de reality show, mas na versão de um só protagonista.
A um retrato obsceno junta-se uma contratação obscena. Vale tudo.