sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cavaco a caminho do despotismo

Imagem de Delfim Dias
Cavaco vai terminar a sua vida política  de  forma  indigna.  E merece-o. 
O discurso que ontem dirigiu ao país é certamente o discurso mais reaccionário da história dos discursos dos Presidentes da República eleitos depois do 25 de Abril de 1974. É um discurso que revela um incontido desprezo pela República e pela Democracia.
Cavaco poderá mesmo ser considerado um déspota, se concretizar as ameaças que deixou implícitas nesse discurso. 
No arrazoado que apresentou ao país, o facto mais irrelevante é a indigitação de Passos Coelho como primeiro-ministro, que, do ponto de vista estritamente democrático, não levanta sequer objecções. O que é gravíssimo é tudo o resto que foi dito. 
É gravíssimo um Presidente da República considerar ser ele quem define o que é «o superior interesse nacional». Cavaco outorga a si mesmo esse direito em exclusividade, retirando-o ao povo que vota.
É gravíssimo um Presidente da República considerar que pode fazer o juízo que entender sobre os resultados eleitorais. Cavaco outorga a si mesmo o direito de determinar o real significado dos resultados eleitorais, sentindo-se livre de os subverter.
É gravíssimo um Presidente da República considerar que pode substituir-se ao povo e determinar que um governo de esquerda é mais pernicioso para o país do que um governo de direita, mesmo que este, como afirmou: «não consiga assegurar inteiramente a estabilidade política de que o País precisa». Cavaco outorga a si mesmo o direito de determinar que certos votos são politicamente lixo, que podem ser colocados no esgoto da Democracia, que não servem para nada.
É gravíssimo um Presidente da República considerar que pode determinar a natureza do voto dos deputados do Parlamento. Cavaco outorga a si mesmo o direito de condicionar o voto dos deputados, ao definir que aquilo que votarão não é se o Governo, que se apresentar na Assembleia da República, deve ou não assumir funções, mas se «o Governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem». Cavaco já determinou que o governo continuará em funções, independentemente de ser ou não derrubado pelo Parlamento. Cavaco quer apenas saber se será na plenitude das suas funções ou se será com funções limitadas, enquanto governo de gestão, até à eleição do novo Presidente.

Se, após a queda do novo Governo de Passos Coelho, Cavaco recusar dar posse a um Governo sustentado por uma maioria de esquerda no Parlamento, não só violará a Constituição como terminará como um déspota.
O seu desgraçado percurso político chegará ao fim como merece. De forma indigna.

domingo, 18 de outubro de 2015

Do sobressalto ao pânico

Imagem de Eduardo Almeida.
1. Os resultados eleitorais trouxeram evidentes sobressaltos para aqueles que detêm interesses bem instalados, assim como para os seus porta-vozes. Na semana passada, escrevi que «a perda do poder absoluto [por parte dos detentores de interesses bem instalados], que lhes garantia a tranquilidade absoluta de preservação do seu domínio económico e social, trouxe-lhes um evidente nervosismo, ao mesmo tempo que investiam na esperança de que o PS não os atraiçoasse na manutenção do statu quo».
Deste nervosismo sobressaltado foi-se evoluindo gradualmente para o medo e agora para o pânico. À medida que a possibilidade teórica de ser constituído um governo do PS, com apoio parlamentar do BE e do PCP, se foi transformando numa possibilidade susceptível de ser concretizada, os porta-vozes dos interesses bem instalados começaram a revelar o terror que lhes vai na alma. Afinal, o conceito que têm de democracia é muito limitado, não vai além do quintal que dominam. Tudo o que venha de fora desse limite já não é aceitável.
É por isso que, nesta semana, passou a valer tudo, a nível dos argumentos desenvolvidos contra a hipótese de um governo do PS apoiado pela esquerda parlamentar.
No emaranhado dessa argumentação tomada pelo pânico, onde raciocínios auto-contraditórios abundam, existe um argumento que suscita em quem o lê um sentimento de ternura por quem o formula, tão débil ele é. O argumento é este, e tem sido exaustivamente repetido nos últimos dias: o PS só teria legitimidade para estabelecer um acordo parlamentar com o BE e o PCP, se tivesse dito isso em campanha eleitoral. Como não o fez, se esse acordo vier a concretizar-se, estaremos perante uma fraude, um golpe de Estado, uma traição (e outros classificativos de idêntica intensidade).
O curioso é só agora, ao fim de quarenta anos de democracia, este raciocínio ser desenvolvido, e quem agora o desenvolve não se ter lembrado dele anteriormente. Quando, há umas dezenas de anos, o PS, de Mário Soares, se aliou ao CDS, para formar governo, sem o ter anunciado em nenhuma campanha eleitoral, onde estavam as vozes que agora se fazem ouvir? Quando o PS, de Guterres, se aliou ao deputado do CDS (o do queijo limiano), alguém apelidou tal aliança de «golpe de Estado», de «traição» ou de «fraude»? Quando o PS, de Sócrates, a seguir às eleições de 2009, reuniu com todos os partidos com representação parlamentar, para os auscultar sobre a possibilidade de serem feitas alianças com vista à formação do governo, não tenho memória de que os actuais protagonistas do argumento da «traição» ou do «golpe de Estado» se tivessem manifestado. Quando Passos Coelho, na campanha eleitoral de 2011 disse uma coisa e depois, no governo, fez o seu contrário, alguma das vozes agora exaltadas, se exaltou e chamou o primeiro-ministro de traidor, de fraudulento ou de golpista?
Mais grave, todavia, porque revela uma desonestidade intelectual ilimitada, é afirmar a impossibilidade de o PS acordar com o BE e o PCP um apoio parlamentar (por não o ter dito em campanha eleitoral), e, ao mesmo tempo, aceitar que um acordo entre o PS e a coligação de direita já pudesse ser celebrado, apesar do PS também não o ter dito na campanha eleitoral. Curiosamente, neste caso já não haveria lugar a nenhuma traição, a nenhuma fraude nem a qualquer golpe de Estado.
Na verdade, o pânico, misturado com a falta de seriedade política, dá lugar ao vale tudo e à falta de pudor.

2. O principal problema de um governo do PS sustentado por um acordo com os partidos da esquerda parlamentar reside no facto do PS não ser um partido confiável. O PS é um pântano de interesses contraditórios e um amontoado de ideias incongruentes, com uma triste história de intrigas e de traições. Desde que Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, o PS nunca mais se recompôs. Deixou de ter uma espinha dorsal que lhe servisse de referência. Tornou-se num partido que vagueava e vagueia consoante o lado para que os ventos sopravam ou sopram, isto é, consoante internamente dominava ou domina a ala deste ou daquele barão.
O que actualmente se passa no interior do PS é bem ilustrativo dessa realidade. O pânico que a direita e os interesses bem instalados actualmente vivem, com a hipótese de um governo apoiado pela esquerda, é vivido precisamente do mesmo modo por muitos socialistas e precisamente pelas mesmas razões. E não se inibem de ameaçar o seu secretário-geral com a desestabilização do partido, se ele seguir o caminho do acordo com o BE e o PCP. Assim como não se inibiram de se rebelarem contra o seu líder ao promoverem a candidatura presidencial de Maria de Belém, porque, supostamente, a candidatura de Sampaio da Nóvoa seria demasiado à esquerda e demasiado independente. E talvez também politicamente demasiado séria, para os habituais padrões de conduta política de muitos dirigentes ou ex-dirigentes socialistas.
Por outro lado, a estratégia do secretário-geral do PS também não suscita confiança. Ninguém sabe se as negociações que actualmente desenvolve com o BE e o PCP são negociações realizadas por convicção ou por tacticismo, se são para levar até ao fim ou somente até ao momento que melhor lhe convier. O historial do PS não permite que o possamos olhar como um partido de confiança, isto é, que possamos confiar que não irá acabar por dar a mão à direita.
Os próximos dias, certamente que nos esclarecerão.

domingo, 11 de outubro de 2015

Pensamentos


«Nunca percebi como é possível conversar várias horas sobre assunto nenhum.»
Anónimo

«Já sei dizer seriedade em alemão: volkswagen.»
Anónimo


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sobressaltos

A coligação de direita «venceu» as eleições, apesar de ter perdido em tudo: perdeu milhares de votos, perdeu deputados, perdeu a maioria absoluta e perdeu a capacidade de depender de si própria para governar.
O PS perdeu as eleições, ao mesmo tempo que ganhou mais deputados e mais votos, mas, acima de tudo, ganhou o agudizar de um problema antigo que até hoje nunca foi capaz de resolver: o PS quer continuar a ser o partido-irmão do PSD ou assume-se como um partido de esquerda, realizando políticas coerentes com esse posicionamento?
O Bloco de Esquerda subiu de forma muito acentuada e a CDU também subiu, mas moderadamente. Ambos tiveram mais votos e mais deputados. Este duplo crescimento parece mostrar que há um cada vez maior número de portugueses que, no mínimo, rejeita o modelo económico que nos domina e que pretende construir uma sociedade assente em valores mais solidários que garantam um rigoroso combate às obscenas desigualdades que nos envolvem.
A eleição de um deputado do PAN é sinal de que começa a existir um número significativo de portugueses que coloca na primeira ordem das prioridades valores não exclusivamente centrados nos seres humanos.
Comparando a composição do novo parlamento com a composição de há quatro anos, há um aspecto relevante: a coligação perdeu poder e os partidos que têm afirmado a sua oposição à política de empobrecimento e de agravamento das desigualdades ganharam poder, dependendo a dimensão desse ganho da definição que o PS vier a fazer de si próprio.
Seja como for, é desde já interessante observar a inquietude que os porta-vozes dos interesses bem instalados revelam com esta mudança. A perda do poder absoluto, que lhes garantia a tranquilidade absoluta de preservação do seu domínio económico e social, trouxe-lhes um evidente nervosismo, ao mesmo tempo que investem na esperança de que o PS não os atraiçoe na manutenção do statu quo.
Provavelmente essa esperança tem fundamento, porque, apesar de soaristas, gamistas, guterristas, socratistas, seguristas e costistas se esfaquearem reciprocamente (o que muito diz sobre a qualidade política destes protagonistas) há algo de comum entre muitos deles e entre eles e o PSD: a idêntica defesa dos seus interesses bem instalados.
A irmandade entre PS e PSD dificilmente será desfeita, por muito que publicamente façam questão de aparentar o contrário.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Não votar inútil

Imagem de Márcio Barreto
Os dois partidos que, entre si, têm dividido o poder em Portugal, criaram o conceito de voto útil, que basicamente é o seguinte: votar útil é votar em nós, PSD ou PS. Isto tem como inevitável consequência afirmar que votar nos outros partidos é um voto inútil.
Se, do ponto de vista democrático, defender esta ideia é uma obscenidade, do ponto de vista da realidade, esta ideia é uma trapaça. Na verdade, o que as últimas décadas nos têm mostrado é a inutilidade, para a maioria da população, de votar no PSD ou no PS. 
O PSD tem como prioridade a defesa de um sistema económico que assenta nas desigualdades sociais e que se desenvolve à custa das desigualdades sociais. Os últimos quatro anos foram exemplares, nesta matéria. Votar PSD não é um voto útil, para a maioria da população que deseja legitimamente combater as desigualdades sociais.
Recorrentemente, o PS apresenta-se junto do eleitorado como um partido de combate as desigualdades sociais, mas, desgraçadamente, a realidade mostra sempre o inverso.
Basta socorrermo-nos da memória mais recente para relembrarmos o que em 2011 foi o balanço da governação socialista expressa em frases que na época foram exaustivamente repetidas:
- o PS discursa a favor do Estado Social, mas foi ele quem começou a destruí-lo; 
- o PS foi forte com os fracos e fraco com os fortes. Foi forte com os pensionistas de mais baixos rendimentos, quando lhes congelou as pensões e quando pretendeu reduzi-las; foi forte com os desempregados, quando lhes diminuiu o tempo com direito a subsídio; foi forte com as famílias, quando lhes cortou o abono de família. E foi fraco com os interesses do mundo financeiro, a quem permitiu o pagamento de taxas reais de impostos inferiores às restantes empresas; foi fraco com as exigências das entidades patronais, a quem permitiu uma drástica diminuição no pagamento de indemnização por despedimento; foi fraco com as maiores empresas, a quem permitiu a distribuição antecipada de dividendos como estratégia de fuga aos impostos de 2011;
- o PS foi quem fez o PEC 1 e garantiu que não seriam necessários mais sacrifícios, e aplicou mais sacrifícios; 
- o PS foi quem fez o PEC 2 e garantiu que não seria preciso pedir aos portugueses mais austeridade, e aplicou mais austeridade; 
- o PS foi quem fez o PEC 3 e voltou a garantir (depois já ter retirado parte dos salários aos funcionários públicos, depois de já ter aumentado os impostos e congelado as pensões) que não haveria mais medidas gravosas, e aplicou mais medidas gravosas para a vida dos portugueses; 
- o PS quis impor o PEC 4, que consistia em medidas ainda mais austeritárias.
Votar PS não é, decididamente, um voto útil para a maioria da população.
Votar PSD ou PS tem sido um voto inútil.
Nas eleições do próximo dia 4 de Outubro será sensato não continuar a votar inútil.

Lembrete eleitoral






quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Inquietem-se!


«Portugal está no limiar de uma viragem [...]. Ou se afunda e perde a pouca soberania que lhe resta, ou muda de paradigmas para se regenerar. Mas não o pode fazer sem refundar o seu sistema educativo.
Há medidas imediatas que podem alterar, de um dia para o outro, a penosa vida das escolas, transformando o confronto permanente em cooperação constante e duradoira.
Assim o próximo ministro da Educação tenha reflexão produzida, que lhe permita fazer rápido o que é urgente.
Um ministro competente terá certamente ideias fortes e formadas. Mas falhará se não perceber que as não pode impor. Terá que demonstrar. Terá que liderar um processo de adesão colectiva, que acolha os outros. Terá que transformar o confronto permanente em cooperação constante e duradoira.»
Santana Castilho, Inquietem-se!, Edições Pedago