Imagem de Eduardo Almeida. |
Deste nervosismo sobressaltado foi-se evoluindo gradualmente para o medo e agora para o pânico. À medida que a possibilidade teórica de ser constituído um governo do PS, com apoio parlamentar do BE e do PCP, se foi transformando numa possibilidade susceptível de ser concretizada, os porta-vozes dos interesses bem instalados começaram a revelar o terror que lhes vai na alma. Afinal, o conceito que têm de democracia é muito limitado, não vai além do quintal que dominam. Tudo o que venha de fora desse limite já não é aceitável.
É por isso que, nesta semana, passou a valer tudo, a nível dos argumentos desenvolvidos contra a hipótese de um governo do PS apoiado pela esquerda parlamentar.
É por isso que, nesta semana, passou a valer tudo, a nível dos argumentos desenvolvidos contra a hipótese de um governo do PS apoiado pela esquerda parlamentar.
No emaranhado dessa argumentação tomada pelo pânico, onde raciocínios auto-contraditórios abundam, existe um argumento que suscita em quem o lê um sentimento de ternura por quem o formula, tão débil ele é. O argumento é este, e tem sido exaustivamente repetido nos últimos dias: o PS só teria legitimidade para estabelecer um acordo parlamentar com o BE e o PCP, se tivesse dito isso em campanha eleitoral. Como não o fez, se esse acordo vier a concretizar-se, estaremos perante uma fraude, um golpe de Estado, uma traição (e outros classificativos de idêntica intensidade).
O curioso é só agora, ao fim de quarenta anos de democracia, este raciocínio ser desenvolvido, e quem agora o desenvolve não se ter lembrado dele anteriormente. Quando, há umas dezenas de anos, o PS, de Mário Soares, se aliou ao CDS, para formar governo, sem o ter anunciado em nenhuma campanha eleitoral, onde estavam as vozes que agora se fazem ouvir? Quando o PS, de Guterres, se aliou ao deputado do CDS (o do queijo limiano), alguém apelidou tal aliança de «golpe de Estado», de «traição» ou de «fraude»? Quando o PS, de Sócrates, a seguir às eleições de 2009, reuniu com todos os partidos com representação parlamentar, para os auscultar sobre a possibilidade de serem feitas alianças com vista à formação do governo, não tenho memória de que os actuais protagonistas do argumento da «traição» ou do «golpe de Estado» se tivessem manifestado. Quando Passos Coelho, na campanha eleitoral de 2011 disse uma coisa e depois, no governo, fez o seu contrário, alguma das vozes agora exaltadas, se exaltou e chamou o primeiro-ministro de traidor, de fraudulento ou de golpista?
Mais grave, todavia, porque revela uma desonestidade intelectual ilimitada, é afirmar a impossibilidade de o PS acordar com o BE e o PCP um apoio parlamentar (por não o ter dito em campanha eleitoral), e, ao mesmo tempo, aceitar que um acordo entre o PS e a coligação de direita já pudesse ser celebrado, apesar do PS também não o ter dito na campanha eleitoral. Curiosamente, neste caso já não haveria lugar a nenhuma traição, a nenhuma fraude nem a qualquer golpe de Estado.
Na verdade, o pânico, misturado com a falta de seriedade política, dá lugar ao vale tudo e à falta de pudor.
2. O principal problema de um governo do PS sustentado por um acordo com os partidos da esquerda parlamentar reside no facto do PS não ser um partido confiável. O PS é um pântano de interesses contraditórios e um amontoado de ideias incongruentes, com uma triste história de intrigas e de traições. Desde que Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, o PS nunca mais se recompôs. Deixou de ter uma espinha dorsal que lhe servisse de referência. Tornou-se num partido que vagueava e vagueia consoante o lado para que os ventos sopravam ou sopram, isto é, consoante internamente dominava ou domina a ala deste ou daquele barão.
O que actualmente se passa no interior do PS é bem ilustrativo dessa realidade. O pânico que a direita e os interesses bem instalados actualmente vivem, com a hipótese de um governo apoiado pela esquerda, é vivido precisamente do mesmo modo por muitos socialistas e precisamente pelas mesmas razões. E não se inibem de ameaçar o seu secretário-geral com a desestabilização do partido, se ele seguir o caminho do acordo com o BE e o PCP. Assim como não se inibiram de se rebelarem contra o seu líder ao promoverem a candidatura presidencial de Maria de Belém, porque, supostamente, a candidatura de Sampaio da Nóvoa seria demasiado à esquerda e demasiado independente. E talvez também politicamente demasiado séria, para os habituais padrões de conduta política de muitos dirigentes ou ex-dirigentes socialistas.
Por outro lado, a estratégia do secretário-geral do PS também não suscita confiança. Ninguém sabe se as negociações que actualmente desenvolve com o BE e o PCP são negociações realizadas por convicção ou por tacticismo, se são para levar até ao fim ou somente até ao momento que melhor lhe convier. O historial do PS não permite que o possamos olhar como um partido de confiança, isto é, que possamos confiar que não irá acabar por dar a mão à direita.
Os próximos dias, certamente que nos esclarecerão.
O curioso é só agora, ao fim de quarenta anos de democracia, este raciocínio ser desenvolvido, e quem agora o desenvolve não se ter lembrado dele anteriormente. Quando, há umas dezenas de anos, o PS, de Mário Soares, se aliou ao CDS, para formar governo, sem o ter anunciado em nenhuma campanha eleitoral, onde estavam as vozes que agora se fazem ouvir? Quando o PS, de Guterres, se aliou ao deputado do CDS (o do queijo limiano), alguém apelidou tal aliança de «golpe de Estado», de «traição» ou de «fraude»? Quando o PS, de Sócrates, a seguir às eleições de 2009, reuniu com todos os partidos com representação parlamentar, para os auscultar sobre a possibilidade de serem feitas alianças com vista à formação do governo, não tenho memória de que os actuais protagonistas do argumento da «traição» ou do «golpe de Estado» se tivessem manifestado. Quando Passos Coelho, na campanha eleitoral de 2011 disse uma coisa e depois, no governo, fez o seu contrário, alguma das vozes agora exaltadas, se exaltou e chamou o primeiro-ministro de traidor, de fraudulento ou de golpista?
Mais grave, todavia, porque revela uma desonestidade intelectual ilimitada, é afirmar a impossibilidade de o PS acordar com o BE e o PCP um apoio parlamentar (por não o ter dito em campanha eleitoral), e, ao mesmo tempo, aceitar que um acordo entre o PS e a coligação de direita já pudesse ser celebrado, apesar do PS também não o ter dito na campanha eleitoral. Curiosamente, neste caso já não haveria lugar a nenhuma traição, a nenhuma fraude nem a qualquer golpe de Estado.
Na verdade, o pânico, misturado com a falta de seriedade política, dá lugar ao vale tudo e à falta de pudor.
2. O principal problema de um governo do PS sustentado por um acordo com os partidos da esquerda parlamentar reside no facto do PS não ser um partido confiável. O PS é um pântano de interesses contraditórios e um amontoado de ideias incongruentes, com uma triste história de intrigas e de traições. Desde que Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, o PS nunca mais se recompôs. Deixou de ter uma espinha dorsal que lhe servisse de referência. Tornou-se num partido que vagueava e vagueia consoante o lado para que os ventos sopravam ou sopram, isto é, consoante internamente dominava ou domina a ala deste ou daquele barão.
O que actualmente se passa no interior do PS é bem ilustrativo dessa realidade. O pânico que a direita e os interesses bem instalados actualmente vivem, com a hipótese de um governo apoiado pela esquerda, é vivido precisamente do mesmo modo por muitos socialistas e precisamente pelas mesmas razões. E não se inibem de ameaçar o seu secretário-geral com a desestabilização do partido, se ele seguir o caminho do acordo com o BE e o PCP. Assim como não se inibiram de se rebelarem contra o seu líder ao promoverem a candidatura presidencial de Maria de Belém, porque, supostamente, a candidatura de Sampaio da Nóvoa seria demasiado à esquerda e demasiado independente. E talvez também politicamente demasiado séria, para os habituais padrões de conduta política de muitos dirigentes ou ex-dirigentes socialistas.
Por outro lado, a estratégia do secretário-geral do PS também não suscita confiança. Ninguém sabe se as negociações que actualmente desenvolve com o BE e o PCP são negociações realizadas por convicção ou por tacticismo, se são para levar até ao fim ou somente até ao momento que melhor lhe convier. O historial do PS não permite que o possamos olhar como um partido de confiança, isto é, que possamos confiar que não irá acabar por dar a mão à direita.
Os próximos dias, certamente que nos esclarecerão.