segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
sábado, 29 de dezembro de 2012
Bom ano?
Algumas das notícias dos últimos dias anunciam que o governo se prepara para proceder a uma ainda maior redução salarial na função pública, que se prepara para reduzir ainda mais as pensões, que se prepara para limitar ainda mais os apoios sociais e que se prepara ainda para se livrar de milhares de profissionais do Estado. Para o actual governo, o problema de Portugal é um único: o Estado. Do seu ponto de vista, reduzindo as funções do Estado a pouco mais do que nada, os problemas do país deixam de existir. A ideia é conhecida e é simples: um Estado com poucas despesas não gera défices, não se endivida e cobra menos impostos. Assim, segundo o pensamento governamental, as finanças ficam saudáveis e a economia torna-se pujante, porque deixa de ter o empecilho do Estado a sufocá-la. Contabilisticamente é algo de semelhante ao paraíso. Passos, Gaspar, Portas, PSD e CDS desejam um país assim.
O problema é que se contabilisticamente é algo de semelhante ao paraíso, socialmente é algo de semelhante ao inferno e eticamente é deplorável.
Socialmente é o inferno porque num país com reduzidos serviços públicos e com reduzidos apoios públicos a maioria das pessoas deixa de ter acesso, de forma gratuita ou a preços comportáveis, a serviços essenciais (saúde, educação, fornecimento de água e energia, correios, transportes colectivos) ao que acresce a ausência de apoios básicos à subsistência, para aqueles que mais necessitam. Isto é: quem pode pagar usufrui de saúde, de educação e de todos os bens fundamentais, quem não pode pagar não usufrui. Como a riqueza não é distribuída, como não há mecanismos de solidariedade social, a pobreza aumenta, a qualidade de vida da maioria diminui. Mas contabilisticamente o país fica óptimo.
Eticamente este modelo de sociedade é deplorável, porque é um modelo mais ou menos inspirado no modo de vida da savana: os mais fortes impõem a sua vontade e interesses e os demais lutam pela sobrevivência — mas, no ser humano, acresce uma particularidade: muitas vezes os designados de «mais fortes» são simplesmente os que estão mais capacitados para a trapaça, para a burla ou para o embuste, não são os «melhores», como insistentemente nos é sugerido pelos ideólogos deste arquétipo social.
Votos de bom ano? Se, em 2013, o actual governo não for derrubado, não é possível termos um bom ano, porque será este o caminho que o país continuará a seguir. Se, em 2013, o governo cair, criam-se condições para que o ano não seja tão mau.
Desejar um bom ano é pois desejar o fim deste governo.
Socialmente é o inferno porque num país com reduzidos serviços públicos e com reduzidos apoios públicos a maioria das pessoas deixa de ter acesso, de forma gratuita ou a preços comportáveis, a serviços essenciais (saúde, educação, fornecimento de água e energia, correios, transportes colectivos) ao que acresce a ausência de apoios básicos à subsistência, para aqueles que mais necessitam. Isto é: quem pode pagar usufrui de saúde, de educação e de todos os bens fundamentais, quem não pode pagar não usufrui. Como a riqueza não é distribuída, como não há mecanismos de solidariedade social, a pobreza aumenta, a qualidade de vida da maioria diminui. Mas contabilisticamente o país fica óptimo.
Eticamente este modelo de sociedade é deplorável, porque é um modelo mais ou menos inspirado no modo de vida da savana: os mais fortes impõem a sua vontade e interesses e os demais lutam pela sobrevivência — mas, no ser humano, acresce uma particularidade: muitas vezes os designados de «mais fortes» são simplesmente os que estão mais capacitados para a trapaça, para a burla ou para o embuste, não são os «melhores», como insistentemente nos é sugerido pelos ideólogos deste arquétipo social.
Votos de bom ano? Se, em 2013, o actual governo não for derrubado, não é possível termos um bom ano, porque será este o caminho que o país continuará a seguir. Se, em 2013, o governo cair, criam-se condições para que o ano não seja tão mau.
Desejar um bom ano é pois desejar o fim deste governo.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Boas Festas?
No carro, vinha a ouvir um programa que recorda a rádio que se fazia em Portugal nos anos cinquenta, sessenta, setenta e, julgo, nos anos oitenta. Reportagens, noticiários, entrevistas, radionovelas, publicidade, etc., compõem o repertório das múltiplas reminiscências daqueles que faziam e daqueles que ouviam a rádio. Desde vozes longamente nasaladas e reverenciais, dos locutores que idolatravam os poderosos e o poder anterior ao 25 de Abril, até a excertos de discursos de Salazar e Caetano, quase tudo passa neste interessante programa da Antena 1. Quem viveu esta época, pode recordar e de algum modo «reviver» o ambiente que nos envolvia; quem não viveu, pode ficar com algumas «impressões» sobre uma certa forma de ser e de estar que dominava o país.
Durante os minutos que o programa durou, houve, para mim, momentos em que estranhamente o passado e o presente se misturaram: o quotidiano triste, a melancolia reinante, a cinza dos discursos, o abafamento opressor e o luto permanente, que foram marcas desse passado português, ressurgiram com a temerosa vivacidade que a realidade de hoje suscita. Dolorosamente, este programa não só transporta o passado ao presente, como faz sentir o presente passado. Estamos, como anteriormente, rodeados por cabeças medíocres, por ideias medíocres, por atavismos e por fatalismos transcendentes. Estamos, como anteriormente, asfixiados pela pretensa inevitabilidade da pobreza, da desgraça, do sofrimento. Regressámos a um passado de estupidez e de acabronhamento.
Boas festas? Não, não é possível haver boas festas quando se está rodeado de gente que quer o regresso ao inaceitável. De gente que quer fazer a história regredir, que quer fazer a vida regredir, que quer fazer a alegria regredir.
Boas festas? Sim, é possível haver boas festas, se quisermos fazer destas festas o início de uma enorme festa de despedida. A despedida, o adeus definitivo desta gente que quer fazer o presente passado.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Crato não é inimputável
Hoje é dia 18 de Dezembro, o 1.º período está terminado. Decorreram três meses desde que o se iniciou o ano lectivo. Já decorreu mais de meio ano desde que a revisão curricular foi apresentada. Com uma irresponsabilidade impressionante e um incomparável laxismo, Nuno Crato nada fez para corrigir uma situação que provavelmente nem no terceiro mundo acontece (em 19 de Outubro, referi-me a ela aqui).
Desde Setembro, temos uma disciplina obrigatória no ensino secundário regular e no ensino secundário recorrente a ser leccionada nas nossas escolas com três cargas horárias diferentes. O programa é um só e o exame nacional também. A disciplina chama-se Filosofia. Durante todo o 1.º período, esta disciplina foi leccionada, no ensino regular, numas escolas, 4 vezes por semana, em aulas de 45 minutos; em outras escolas, 3 vezes por semana, em aulas de 50 minutos; e, no ensino recorrente, 3 vezes por semana, em aulas de 45 minutos. Isto quer dizer que, chegados a esta altura, houve alunos que tiveram cerca de 2340 minutos de aulas de Filosofia, outros cerca de 1950 e outros ainda cerca de 1755 minutos. Apesar de ter sido solicitado ao ministério da Educação, não chegou às escolas qualquer indicação de alteração do programa (que foi pensado para ser leccionado em aulas de 45 minutos, 4 vezes por semana) ou qualquer nova orientação na gestão do mesmo. E a situação totalmente inaceitável que ocorreu no 1.º período prosseguirá e agravar-se-á até ao final do ano lectivo.
Evidentemente que os alunos com menos horas de aulas serão gravemente prejudicados: ficarão impossibilitados de realizar aprendizagens previstas; ficarão impossibilitados de realizar actividades de aquisição e/ou de consolidação de conhecimentos/aprendizagens; e ficarão em manifesta desigualdade, no caso de fazerem exame nacional, em relação aos seus colegas com mais horas de aulas.
Nuno Crato não é inimputável, tem de ser responsabilizado.
domingo, 16 de dezembro de 2012
sábado, 15 de dezembro de 2012
Avaliação docente: dois despachos (8)
Para concluir:
1. O modelo de avaliação de Crato é mais um modelo de pseudo-avaliação do desempenho, como o foi o modelo de Rodrigues/Alçada. Não tem credibilidade, porque a quase totalidade dos avaliadores não a tem, e não tem fiabilidade, porque sendo o desempenho docente um objecto de elevada complexidade não pode ser avaliado, na sua dimensão mais importante (dimensão científica e pedagógica), em 180 minutos, de quatro em quatro anos.
2. O modelo de avaliação de Crato é mais um modelo feito para a «opinião pública ver», como o foi o modelo de Rodrigues e de Alçada. Não está preocupado com o desenvolvimento profissional dos professores, está preocupado apenas em assegurar, junto da opinião pública e da opinião publicada, a «impressão» de que existe uma avaliação dos docentes.
Um verdadeiro e sério modelo de avaliação tem de ter como objectivo primordial contribuir para a progressiva melhoria do desempenho profissional dos professores, isto é, contribuir para a melhoria das práticas lectivas, com vista a que os alunos possam alcançar melhores aprendizagens. É isto que verdadeiramente é importante. Uma avaliação de 180 minutos, de quatro em quatro anos não o pode fazer.
3. O modelo de avaliação de Crato é um modelo alicerçado no vazio. Não podendo repetir a excêntrica, infindável e ridicularizada lista de padrões do desempenho do modelo de Rodrigues/Alçada, onde se almejava uma avaliação atomística do exercício docente, Crato e a sua equipa elaboraram um modelo sem substância, isto é: temos uma forma sem conteúdo. Esta é, aliás, a contradição que os modelos de avaliação desta natureza não conseguem superar: ou procuram universalizar comportamentos atomísticos, que são inavaliáveis, ou procuram universalizar generalidades, cuja imprecisão gera obscuridades e arbitrariedades.
4. O modelo de avaliação de Crato viola dois compromissos que tinham sido formalmente assumidos:
i) o compromisso de que a dimensão científica e pedagógica não seria avaliada por pares da mesma escola;
ii) o compromisso de que o professor avaliador teria de ser do mesmo grupo disciplinar e de que teria de pertencer a escalão igual ou superior ao do professor avaliado.
Ambos os compromissos foram deitados ao lixo.
5. Última observação, a propósito de um Artigo sui generis.
O Art.º 12.º, do despacho normativo 24/2012, tem o seguinte conteúdo:
«1 — A observação de aulas regulamentada pelo presente despacho normativo não é prejudicada pela vigência de disposições legais que temporariamente impeçam a progressão na carreira.
2 — Para os efeitos referidos no número anterior e caso se verificasse a normal progressão na carreira docente, no ano escolar de 2012-2013, consideram-se os seguintes períodos e momentos:
a) Até final do 1.º período letivo, apresentação dos requerimentos de observação de aulas a realizar no próprio ano escolar;
b) Até ao final do mês de janeiro de 2013, conclusão e divulgação da seleção e distribuição dos avaliadores externos, bem como a calendarização da avaliação da dimensão científica e pedagógica.» (O negrito é meu).
O uso do pretérito imperfeito do conjuntivo é normalmente utilizado para apresentar um desejo ou uma solicitação, ou então para formular uma hipótese referente a um momento passado ou a um momento temporalmente indeterminado. Como um despacho normativo não formula desejos nem faz solicitações, apenas enuncia normas, a utilização do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo «verificar» só se pode reportar ou à formulação de uma hipótese referente a um momento passado ou a um momento intemporal. Neste caso, a um momento intemporal não é certamente, pois está escrito que é ao ano escolar 2012-2013 que o assunto diz respeito. Ficamos assim reduzidos à possibilidade do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo verificar («verificasse») estar a ser utilizado em referência a um momento passado. Se se refere a um momento passado, a algo que já se foi no tempo, temos uma dificuldade:
a) Tendo o despacho sido assinado a 19 de Outubro de 2012, por que razão se refere ao ano lectivo 2012-2013 como sendo do passado, se ele estava a começar?
b) Se é referente a uma hipótese do passado que não se tinha verificado (a progressão na carreira), por que razão o seu conteúdo apresenta uma calendarização que vai até Janeiro do ano seguinte?
c) Tendo sido há muito anunciado que o congelamento das carreiras perdurará, no mínimo, até ao fim cumprimento do memorando da troyka, com que justificação se utiliza o pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo verificar: «caso se verificasse a progressão na carreira»?
Para além do manifesto conflito com a gramática, ficamos sem saber se este Artigo 12.º deve ser entendido como uma tentativa sui generis de fazer humor ou como um efectivo exercício de cinismo político.
Provavelmente é tudo isto.
Provavelmente é tudo isto.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Nacos
Canto X
120
O mundo
está nas imediações do nada,
a desordem
é um prenúncio,
e o inferno
torna-se indispensável
em certas semanas
monótonas.
121
Bloom está ao mesmo tempo
exaltado e distraído.
Está no meio de um bosque,
mas parece estar numa cozinha com os dedos dos pés
enfiados em algo imundo.
De qualquer maneira ri quando é para rir,
fica sério quando lhe pedem seriedade.
122
A contrapartida da alma é o facto
de um homem ser sensível ao tacto:
duas forças complementares.
O sol nasce, e o homem acorda e lava a cara
com a água que a cidade lhe oferece por um cano.
Não é excelente, mas é civilizado.
120
O mundo
está nas imediações do nada,
a desordem
é um prenúncio,
e o inferno
torna-se indispensável
em certas semanas
monótonas.
121
Bloom está ao mesmo tempo
exaltado e distraído.
Está no meio de um bosque,
mas parece estar numa cozinha com os dedos dos pés
enfiados em algo imundo.
De qualquer maneira ri quando é para rir,
fica sério quando lhe pedem seriedade.
122
A contrapartida da alma é o facto
de um homem ser sensível ao tacto:
duas forças complementares.
O sol nasce, e o homem acorda e lava a cara
com a água que a cidade lhe oferece por um cano.
Não é excelente, mas é civilizado.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Medrosos e crédulos
É terrível quando se tem a consciência de que quem exerce a função de líder (no sentido de coordenador, mobilizador, organizador) não tem capacidades para o exercício dessa função. Seja qual for o âmbito em que a constatação dessa incapacidade ocorre, as consequências são sempre más: seja num grupo pequeno, seja num grupo grande, seja numa pequena empresa, seja numa multinacional, seja num pequeno ou num grande país, seja em contexto profissional, religioso, político ou qualquer outro, a verificação de que aquele a quem foi atribuída a responsabilidade de liderar não possui as qualidades necessárias para o fazer é indutora da degradação do grupo, da empresa ou do país onde isso sucede.
Actualmente estamos a viver essa desgraça de modo particularmente claro. Hoje são certamente muitíssimo poucos aqueles que vêem em Passos Coelho um líder — mesmo de entre aqueles que concordam com os seus desastrados pensamentos. Desorientado, imaturo, mentiroso, impreparado, subserviente (junto dos poderosos) são algumas das principais características que a maioria dos portugueses atribui ao perfil político daquele a quem foi entregue a incumbência de liderar o país.
Tomar consciência desta realidade é terrível, mas tão ou mais terrível é não saber o que fazer a partir desta consciência. E é esta situação que os portugueses vivem no momento.
Medrosos e crédulos, por tradição, nós, portugueses, estamos à espera que o milagre surja, que o problema se resolva por si ou que venha alguém resolvê-lo por nós. Temos uma enorme dificuldades em compreender que não haverá nenhuma figura salvífica interna ou externa que queira ou possa fazer um trabalho que é o trabalho de uma comunidade, de um povo, de uma país. Vivemos num mundo mágico, em que predomina a ilusão de que há efeitos sem causas. Desejamos um efeito, mas dispensamo-nos de promover a causa que o origine.
Temos todos a plena consciência de que estamos a seguir o caminho errado, mas pouco ou nada fazemos para o interromper. Queremos abandonar o trilho do empobrecimento e da miserabilização, mas não nos comportamos de modo consentâneo com esse querer. Sabemos que é urgente mudar de liderança e de política, mas ingenuamente aguardamos pela sua auto-degradação.
Enquanto não estivermos disponíveis para agir sobre a realidade de modo a alterá-la, ela não nos fará o favor de se alterar.
domingo, 9 de dezembro de 2012
sábado, 8 de dezembro de 2012
Momento quase filosófico
Os puritanos reclamam-se os garantes dos bons costumes e apregoam um severo código moral. Fernando Savater, na Ética para Amador, fala sobre essa moralidade:«Os puritanos consideram-se as pessoas com mais moral do mundo e além disso guardiães da moralidade dos seus vizinhos [...] O seu modelo parece a senhora daquele conto... recordas-te? Chamou a polícia para protestar porque havia uns miúdos nus a tomar banho frente à sua casa. A polícia afastou os miúdos, mas a senhora voltou a chamá-la, dizendo que estavam a tomar banho (despidos, sempre despidos) um pouco mais acima e que o escândalo se mantinha. A polícia afastou-os de novo e a senhora tornou a protestar. "Mas, minha senhora, — disse o inspector —, se os mandámos para mais de um quilómetro e meio de distância ..." E a puritana respondeu, virtuosamente indignada: "Sim, mas com os binóculos continuo a vê-los!".»Pedro González Calero, A Filosofia com Humor, Planeta (adaptado).
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
Avaliação docente: dois despachos (7)
Vimos, no texto da semana passada, que a avaliação da dimensão científica e pedagógica é feita por dois avaliadores: por um avaliador externo, cujo peso da sua avaliação é de 70%; e por um avaliador interno, cujo peso da avaliação é de 30%. O primeiro realiza a sua exótica avaliação a partir de duas observações de 90 minutos de aula. O segundo, como também vimos no texto anterior, realiza a sua ainda mais exótica avaliação a partir de três possibilidades: a partir de eventuais palestras/conferências que o avaliado realize e/ou a partir de eventuais obras/artigos que o avaliado publique ou a partir do nada — do nada, porque este avaliador interno não observa aulas, que o pudessem elucidar da prática pedagógica do colega avaliado, nem consta que lhe possa realizar provas orais ou escritas, para avaliar os seus conhecimentos científicos e os seus conhecimentos pedagógicos.
Apesar do exotismo, quanto à substância e quanto à forma, destes dois processos avaliativos, o despacho normativo n.º 24/2012 prevê que a classificação da dimensão científica e pedagógica do docente avaliado resulte da conjugação da avaliação de ambos os avaliadores. Seria de esperar que a classificação final desta dimensão resultasse da média ponderada das duas classificações atribuídas pelos avaliadores, mas não, aquele despacho atribui uma competência específica ao avaliador externo, que é a de «articular com o avaliador interno o resultado final da avaliação da dimensão científica e pedagógica dos docentes sujeitos à avaliação» — alínea e) do Art.º 4.º.
Aqui não se compreendem três coisas.
Uma, no que respeita à forma: que a dita «articulação» seja uma competência do avaliador externo e não seja uma competência de ambos os avaliadores.
Duas, no que respeita à substância:
a) Que se entende por articulação? Articulação pretende significar consensualização? E se não existir consensualização, que faz o avaliador externo à competência que o despacho lhe confere?
b) Como se articula uma (suposta) avaliação (externa) resultante da observação de duas aulas com uma avaliação (interna) resultante de coisa nenhuma? A primeira, pelo modo como é desenvolvida (observação de 180 minutos de aulas, em quatro anos de escalão), tem uma credibilidade e uma fiabilidade inanes, e a segunda, porque assente no vazio, tem uma credibilidade e uma fiabilidade nulas. Como se articula isto?
A isto adiciona-se outro problema.
Para além do modelo de avaliação de Passos e de Crato não cumprir o compromisso assumido, por ambos, de que não haveria avaliação entre pares da mesma escola (como já vimos, o avaliador interno, ou seja, um par da mesma escola, é responsável por 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica), não cumpre outro compromisso também publicamente assumido por ambos, o compromisso de que nenhum professor seria avaliado por um colega que não pertencesse ao mesmo grupo disciplinar e que não estivesse integrado num escalão igual ou superior ao seu.
Na verdade, o decreto regulamentar 26/2012 autoriza que isso aconteça (Art.º 14). Basta que na escola (e isso sucederá em muitas escolas e em muitos grupos disciplinares) não haja um professor que cumulativamente:
i) esteja integrado em escalão igual ou superior ao do professor avaliado;
ii) seja do mesmo grupo disciplinar;
iii) seja titular de formação em avaliação do desempenho ou supervisão pedagógica ou detenha experiência profissional em supervisão pedagógica;
para que passe a ser o coordenador de departamento a assumir a função de avaliador interno — independentemente dos docentes avaliados serem ou não serem do seu grupo disciplinar e independentemente dos docentes avaliados serem ou não serem de escalão igual ou inferior ao seu. Quer isto dizer que voltaremos a ter, por exemplo, um professor de contabilidade a avaliar cientifica e pedagogicamente um professor de geografia (e vice-versa), ou um professor de educação física a avaliar cientifica e pedagogicamente um professor de artes (e vice-versa).
i) esteja integrado em escalão igual ou superior ao do professor avaliado;
ii) seja do mesmo grupo disciplinar;
iii) seja titular de formação em avaliação do desempenho ou supervisão pedagógica ou detenha experiência profissional em supervisão pedagógica;
para que passe a ser o coordenador de departamento a assumir a função de avaliador interno — independentemente dos docentes avaliados serem ou não serem do seu grupo disciplinar e independentemente dos docentes avaliados serem ou não serem de escalão igual ou inferior ao seu. Quer isto dizer que voltaremos a ter, por exemplo, um professor de contabilidade a avaliar cientifica e pedagogicamente um professor de geografia (e vice-versa), ou um professor de educação física a avaliar cientifica e pedagogicamente um professor de artes (e vice-versa).
Neste governo, a incompetência técnica, a desonestidade e a fraude políticas não têm limites.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Nacos
Canto IX
17
A vida, meu caro é ilegível. Acontece
e desaparece. Não há inteligência
que a descodifique: vem em linguagem-nada,
surge no corpo como surge o dia, e como
se dia e vida individual fossem materiais paralelos.
A vida não surge em prosa
nem em poesia — e a existência não fala
inglês, apesar de tudo. A natureza dos acontecimentos
resiste às invasões matreiras da publicidade e
dos filmes. Já não é mau.
18
Episódios fatigantes, depois de concluídos,
atraem ao organismo a mansidão prolongada.
Dormem, pois, Anish e Bloom há horas,
e os homens, quando dormem, parecem mais antigos,
como se vindos de outros séculos.
O sono, de resto, é uma tradição clássica:
foi oferecido pela Natureza para que os deuses descansem
das tropelias intelectuais e físicas dos
bípedes privilegiados. Dormem os humanos
para o céu relaxar.
17
A vida, meu caro é ilegível. Acontece
e desaparece. Não há inteligência
que a descodifique: vem em linguagem-nada,
surge no corpo como surge o dia, e como
se dia e vida individual fossem materiais paralelos.
A vida não surge em prosa
nem em poesia — e a existência não fala
inglês, apesar de tudo. A natureza dos acontecimentos
resiste às invasões matreiras da publicidade e
dos filmes. Já não é mau.
18
Episódios fatigantes, depois de concluídos,
atraem ao organismo a mansidão prolongada.
Dormem, pois, Anish e Bloom há horas,
e os homens, quando dormem, parecem mais antigos,
como se vindos de outros séculos.
O sono, de resto, é uma tradição clássica:
foi oferecido pela Natureza para que os deuses descansem
das tropelias intelectuais e físicas dos
bípedes privilegiados. Dormem os humanos
para o céu relaxar.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Vai ficar tudo na mesma?
Esta reportagem denunciou, na passada segunda-feira, uma situação de enorme gravidade: quer quanto à fraudulenta utilização de dinheiros públicos, quer quanto ao funcionamento interno de um grupo de colégios particulares (GPS), quer quanto ao impudico e cúmplice silêncio dos responsáveis políticos (ministro da Educação e secretário de Estado da Administração Escolar) e das autoridades fiscalizadoras (inspector-geral da Educação e Ciência).
Esta reportagem narra vários crimes. Vai ficar tudo na mesma?
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Avaliadores externos: a prova real
Nos anos anteriores, vários professores afirmaram que foram avaliadores apenas porque tinham sido obrigados a isso, isto é, que, contra a sua vontade, foram nomeados e que aceitaram entrar na farsa, somente porque não podiam arriscar um processo disciplinar que não saberiam como terminaria — no limite, poderia ser o seu posto de trabalho que ficasse em causa.
Para alguns, eu sei que esta foi a verdadeira razão para não terem liminarmente recusado. E sei que esses alguns não fizeram a fita de pretenderem passar por excessos avaliadores junto dos avaliados. Sei que não encenaram junto dos colegas avaliados uma avaliação que ninguém sabia nem soube fazer porque era impossível ser feita, com um mínimo de seriedade e credibilidade. Sei que muitos optaram por dar a classificação máxima a todos os colegas avaliados, pois era única forma de serem sérios consigo próprios e com os seus colegas. Na verdade, sentindo-se consciente e responsavelmente incapacitados de poderem realizar uma avaliação credível — não tinham formação para isso, e o modelo era uma monstruosidade técnica — e estando coagidos a fazê-lo, optaram pelo mal menor, isto é, não prejudicar nenhum docente.
Mas agora a situação mudou. Há uma coisa positiva (a única!) no despacho normativo n.º 24/2012: prevê-se explicitamente o direito de formulação do pedido de escusa da função de avaliador externo. É o n.º 4, do Art.º 5, que consagra esse direito:
«4 — Ao docente que, por qualquer razão, não esteja interessado em desempenhar as funções de avaliador externo da dimensão científica e pedagógica no âmbito da avaliação do desempenho docente, assiste o direito de apresentar pedido de escusa da função através de pedido fundamentado ao diretor-geral da Administração Escolar» (o negrito é meu).
A partir de agora, não há desculpas. Vamos ver, pois, quem honestamente disse que foi avaliador apenas porque foi coagido a isso, e quem, oportunisticamente, mentirosamente, descaradamente, disse o mesmo, mas, na realidade, viveu com prazer, e alguns até com júbilo, tal (pseudo) função.
É a prova real.
O problema dos critérios prossegue...
Recebido por e-mail:
Cumprimentos,
PA
O horário Nº 90 (14h) do Grupo 550 no Agrupamento de Escolas Dr. Azevedo Neves, Amadora, tem como subcritérios questões vagas que são no mínimo impossíveis de quantificar. (Ver em baixo).
O horário em causa foi colocado a 29/11/12 na aplicação, não terá sido aprovado pela equipa da Direcção Geral da Administração Escolar?
Não foi esta a escola que já teve inúmeros problemas nas contrataçõesde escola? Já não era tempo de aprender?
Cumprimentos,
PA
Para aumentar, clicar na imagem. |
domingo, 2 de dezembro de 2012
sábado, 1 de dezembro de 2012
Avaliação docente: dois despachos (6)
O despacho n.º 13981/2012 vem recordar um aspecto exótico (mais um), já previsto no decreto regulamentar n.º 26/2012: à avaliação externa da dimensão científica e pedagógica, realizada através do processo de observação de aulas, é atribuída uma ponderação de 70 % relativamente à avaliação global dessa dimensão (que, como se sabe, tem um peso de 60% em todo processo da avaliação do desempenho, que inclui ainda outras duas dimensões).
O exotismo a que agora me refiro está nos 70%. Está nos 70%, vistos em si mesmos, e na consequência de haver 30% sobrantes que são objecto de uma outra avaliação, também ela não menos exótica.
Os 70% suscitam uma pergunta: atendendo aos pressupostos teóricos em que suspostamente se sustenta o modelo de avaliação de Crato, porque é que não é atribuído o peso de 100% à avaliação externa da dimensão científica e pedagógica? Na verdade, não se compreende que sendo «a legitimidade e competências dos avaliadores externos [...], assim como a sua seleção, asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» (conforme é efusivamente declarado no texto introdutório do referido despacho) não se entregue a esses avaliadores externos a responsabilidade total dessa avaliação. Porque das duas uma: ou a crença nos «rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» é fraca ou a opção pelos 70% é obscura, porque obviamente os «rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» dos avaliadores externos deveriam assegurar uma superior credibilidade e fidelidade/fiabilidade à avaliação realizada — muito maior, certamente, do que a avaliação que será feita por alguns desqualificados avaliadores internos — responsáveis por avaliar os remanescentes 30% da referida dimensão.
Para além desta ininteligibilidade, atribuir 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica a avaliadores internos é faltar grosseiramente (uma vez mais) à palavra dada e à promessa feita. Passos Coelho, Crato e o PSD repetiram insistentemente que nunca aceitariam que a avaliação da dimensão científica e pedagógica fosse realizada por pares da mesma escola. «Nunca!», assim nos foi jurado. Contudo, no pouco tempo que passou, o que era inaceitável tornou-se, repentina e misteriosamente, aceitável, e mais uma promessa ficou por cumprir: 30% da avaliação dessa dimensão é entregue a avaliadores internos, isto é, a pares da mesma escola, aquilo, precisamente, que se asseverou nunca vir a acontecer.
Vejamos agora a parte mais grave.
Vejamos agora a parte mais grave.
O problema é: como vai o avaliador interno, responsável por 30% da classificação a atribuir à componente científica e pedagógica, realizar essa avaliação, se não observa aulas? Diz o decreto regulamentar que é através de um formulário de registos, que cada escola terá de elaborar para este fim e também para avaliar a participação do professor na escola, a sua relação com a comunidade, a formação contínua que realizou e o desenvolvimento profissional (seja isto o que for). Um formulário de registos?! O domínio que um professor tem dos conhecimentos científicos e pedagógicos e consequentes práticas avalia-se através de um formulário de registos?! Mas que registos, se o avaliador interno não observa aulas? O que é que de pertinente pode o avaliador interno registar e a partir de quê?
Vamos por partes, e tomemos como exemplo apenas o domínio dos conhecimentos científicos.
Há dois modos de um professor poder revelar os seus conhecimentos científicos: através do texto escrito e/ou do texto oral.
Comecemos pelo texto oral. Em que circunstâncias pode um professor, através do texto oral, evidenciar o seu conhecimento científico? Em que circunstâncias pode um avaliador interno certificar-se, com fiabilidade e credibilidade, que um professor domina os conhecimentos científicos da sua área disciplinar, através do texto oral, se não tem aulas observadas? Deverão os professores realizar conferências para apresentar comunicações científicas, de modo a que o avaliador interno os possa avaliar? Deverão, em reuniões de departamento, fazer a apresentação de dissertações científicas? Ou em reuniões de grupo? Ou num frente-a-frente, com o avaliador interno?
Vista a excentricidade que é pretender-se avaliar, através de texto oral, o conhecimento científico de um professor, resta o texto escrito.
Que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu conhecimento científico junto do avaliador interno? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalho de dúzia e meia de páginas sobre um assunto (depois discuti-lo com o avaliador, de modo a que se obstaculize a tentativa de fraude, do género copy and paste)? E quantos livros deve escrever e/ou quantos ensaios deve redigir e/ou quantos artigos deve publicar para que a avaliação dos seus conhecimentos seja fiável?
Afinal que pode/deve o professor avaliado fazer para demonstrar os seus conhecimento científicos ao avaliador interno, de modo a que este possa preencher o tal formulário?
As perplexidades que se levantam relativamente à avaliação dos conhecimentos científicos, sem observação de aulas, evidentemente que duplicam em relação à avaliação da vertente pedagógica. De que modo o avaliador interno pode avaliar a dimensão pedagógica, se ele não conhece as turmas que o professor avaliado lecciona, se não sabe como decorrem as aulas e se nada observa?
É, portanto, a partir de coisa nenhuma que o avaliador interno vai determinar 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica do professor avaliado.
(Continua)
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Poemas
VENTO
As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.
Carlos de Oliveira
As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.
Carlos de Oliveira
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Degradação
Nos últimos anos, a qualidade da vida política portuguesa tem-se degradado de forma impressionante.
Sócrates inaugurou um estilo de discurso e de conduta política que rapidamente baixou o nível do debate de ideias e da argumentação. Juntando a arrogância à insolência, a insolência à insinuação e a insinuação à mentira, Sócrates não apenas transformou a discussão política numa espécie de peixaria à moda antiga como levou a descredibilização da política a patamares a que nunca se tinha chegado.
Agora, Passos Coelho conseguiu o que se julgava impossível: baixar ainda mais o crédito dos políticos e elevar a mentira a principal instrumento da arte da governação. Trocando a arrogância e a insolência pela aparente serenidade e seriedade, o actual primeiro-ministro tornou-se um exímio mestre do cinismo e da perfídia. E este comportamento individual rapidamente se transformou em padrão de conduta. Hoje, de entre os prosélitos, praticamente já não se encontra quem não lhe siga o exemplo.
A arena política é actualmente um pântano muitíssimo mais vasto e profundo do que o pântano de que se lamentava António Guterres. À degradação política juntou-se, nos últimos três anos, a degradação económica. À degradação económica juntou-se agora a degradação da dignidade e a esta a degradação da qualidade de vida, a um ponto desconhecido de muitos. E a degradação vai continuar.
Prolongar este estado das coisas, como o presidente da República parece pretender e o PS parece desejar, é certamente o modo mais eficaz de fazer do pântano um caldeirão.
Não digam depois que o povo decidiu agir acima das suas possibilidades...
terça-feira, 27 de novembro de 2012
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
O conceito de «excessivo», segundo Vítor Gaspar
O ministro das Finanças, segundo o noticiado pelos jornais, recusou a proposta, proveniente dos deputados da maioria, de ser adoptada no próximo ano, em sede de IRS, uma taxa extraordinária de 10%, para quem recebesse mais de 500 mil euros por ano.
Dizem os jornais que Vítor Gaspar recusou esta proposta por considerá-la excessiva. A razão foi mesmo essa: considerou-a excessiva. Isto é, Vítor Gaspar terá considerado excessivo baixar em 10% o rendimento de quem recebe mensalmente mais de 40 mil euros, todavia, Gaspar não considerou excessivo cortar o vencimento entre 5% e 10% a quem ganha mais de mil e quinhentos euros, na função pública. Também não considerou excessivo fazer o mesmo aos pensionistas. Rendimentos muitíssimo longe, portanto, dos quarenta mil euros mensais que Gaspar decidiu proteger. Mas a Gaspar também não pareceu excessivo cortar, adicionalmente, a esses mesmos funcionários e pensionistas, dois subsídios, de férias e de Natal, o que correspondeu a baixar em mais 14% os seus rendimentos. Tudo somado, estes cortes nos rendimentos oscilam entre 19% e 24%. Contudo, para o ministro das Finanças, isto não é excessivo. Como também não é excessivo cortar nas pensões mínimas e cortar no subsídio de desemprego. Excessivo mesmo seria diminuir em mais 10% os rendimentos de quem recebe, por ano, 500 mil, 700 mil, 1 milhão de euros e por aí adiante. Por isso, Gaspar recusou.
Causa perplexidade? Não causa.
Na verdade, já nos habituámos ao carácter político de Vítor Gaspar. Lá fora, nas reuniões internacionais, as imagens televisivas mostram Vítor Gaspar a vergar-se (literalmente) e a desmembrar-se em múltiplos, intensos e efusivos abraços e em rasgados, contínuos e quase obscenos sorrisos para com os seus homólogos europeus e para com os donos da finança mundial. Lá fora, perante os detentores do poder, Gaspar é de uma ilimitada subserviência. Cá dentro, com os poderosos, Gaspar mimetiza o que faz lá fora: é subserviente e protector. Inversamente, com os mais fracos, Vítor Gaspar fala pausada e arrogantemente e aplica as mais pesadas medidas, que aos mais fortes não é capaz de aplicar.
domingo, 25 de novembro de 2012
sábado, 24 de novembro de 2012
Avaliação docente: dois despachos (5)
Um dos múltiplos aspectos graves e inaceitáveis que o modelo de avaliação do desempenho docente da ex-ministra Rodrigues continha era a indecorosa ausência de preparação e de credibilidade dos avaliadores. Rodrigues, com a ignorância e a incompetência que a caracterizavam, não teve nenhuma hesitação em atribuir a função de avaliador a milhares de professores sem a mínima qualificação para o serem. Rodrigues, com a falta de idoneidade política que marcou o seu mandato, não teve nenhuma preocupação de garantir seriedade ao processo de avaliação do desempenho dos professores: deliberadamente, quis apenas um modelo de aparências que assegurasse, junto da opinião pública, a ideia de que os professores eram avaliados, e nada mais. Tudo o resto não lhe interessava: nem a qualidade da avaliação, nem a sua credibilidade, nem a sua fidelidade/fiabilidade. Não investiu um euro na formação científica, de nível superior, dos professores avaliadores e, sem o mínimo de sentido de responsabilidade, quis, de modo totalmente desvairado, lançar o seu processo pseudo-avaliativo.
Rodrigues esteve quatro anos no ministério da Educação. Saiu Rodrigues, entrou Alçada. Alçada esteve dois anos no mesmo ministério. Saiu Alçada, entrou Crato. Crato está lá há um ano e meio. Total: sete anos e meio. Durante estes sete anos e meio, o ministério da Educação nada fez para a formação de professores avaliadores, não proporcionou, em cooperação com instituições do ensino universitário ou politécnico, nenhuma formação de nível superior neste domínio. Nada!
Agora, volvido este tempo sem nada ter sido feito, surge o Despacho normativo n.º 24/2012 que, sem pudor, afirma o seguinte: «A legitimidade e competências dos avaliadores externos que constituem a bolsa, assim como a sua seleção, são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional [...]» (o negrito é meu).
A perplexidade que a leitura deste trecho provoca é enorme. É enorme porque:
a) há quatro anos, mais de 90% dos professores que exerceram a função de avaliadores não tinham quaisquer requisitos de formação que os capacitassem para esse efeito;
b) há quatro anos, o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores expressou publica e formalmente a exigência de formação superior em avaliação docente, de média e longa duração, como pré-requisito para o exercício da função de avaliador, já que a experiência profissional, só por si, não era suficiente;
c) há muitos quatro anos que o ministério da Educação não promove qualquer formação desta natureza.
Sendo estes os factos, eles significam que a situação de hoje é precisamente a mesma de há quatro anos. Como pode então alguém afirmar que «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação»? De onde vem este cinismo? Rodrigues e Alçada tinham, pelo menos, o recato de não falar em «rigorosos requisitos de formação», mas Crato e o seu secretário de Estado nem essa decência possuem.
Sejamos claros: ou a avaliação dos professores é uma coisa séria ou é uma brincadeira. Se é uma brincadeira, qualquer um serve para avaliador, e o problema fica resolvido à nascença. Se é uma coisa séria, há duas hipóteses:
1. A hipótese assente na lógica do actual modelo que, para ter alguma possibilidade de seriedade, exige:
a) Avaliadores com formação especializada de nível superior e grande experiência profissional.
Assentar o processo avaliativo inerente à observação de aulas num só avaliador é, no meu entendimento, incorrecto, todavia, se esse é o caminho que se pretende seguir, então é condição imperativa que esses avaliadores tenham cumulativamente: formação especializada de nível superior em avaliação de professores e grande experiência profissional. (E a experiência profissional não é, por exemplo, ter assistido a duas aulas no modelo de Rodrigues, como o recente despacho normativo n.º 24/2012 prevê. A falta de decoro chega a este ponto: considera-se um «rigoroso requisito de experiência profissional» a circunstância de, sem qualquer formação ou preparação, um professor ter sido empurrado a observar duas aulas de um colega, no contexto da bagunçada do modelo de pseudo-avaliação de Rodrigues e Alçada. Por outras palavras: ter participado naquilo que foi justamente apelidado de monstro kafkiano (e de comprovadamente ser um modelo incompetente e sem seriedade) é agora visto como um atestado de «rigoroso requisito de experiência profissional»);
b) Avaliadores que exerçam um acompanhamento regular do desempenho dos professores avaliados ao longo do período em avaliação.
Este acompanhamento regular é condição necessária para que o exercício da avaliação seja, em primeiro lugar, formativo e só depois, decorrente daí, sumativo. É condição necessária para que possa realizar-se um trabalho minimamente sério e credível. (E jamais, como tem sido feito e continuará a ser, um exercício avaliativo que se realiza através de duas visitas de 90 minutos num espaço de tempo de quatro anos).
2. A segunda hipótese exige outro modelo de avaliação do desempenho docente, sobre o qual tive oportunidade de escrever aqui, aqui, aqui e aqui.
O que não pode acontecer, seja qual for a circunstância, é o que está a acontecer: assentar a avaliação dos professores em falsidades ou em revestimentos formais, relativamente aos quais não corresponde nenhuma substância, como é o caso da grotesca afirmação exarada no despacho que referi: «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional».
(Continua)
Rodrigues esteve quatro anos no ministério da Educação. Saiu Rodrigues, entrou Alçada. Alçada esteve dois anos no mesmo ministério. Saiu Alçada, entrou Crato. Crato está lá há um ano e meio. Total: sete anos e meio. Durante estes sete anos e meio, o ministério da Educação nada fez para a formação de professores avaliadores, não proporcionou, em cooperação com instituições do ensino universitário ou politécnico, nenhuma formação de nível superior neste domínio. Nada!
Agora, volvido este tempo sem nada ter sido feito, surge o Despacho normativo n.º 24/2012 que, sem pudor, afirma o seguinte: «A legitimidade e competências dos avaliadores externos que constituem a bolsa, assim como a sua seleção, são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional [...]» (o negrito é meu).
A perplexidade que a leitura deste trecho provoca é enorme. É enorme porque:
a) há quatro anos, mais de 90% dos professores que exerceram a função de avaliadores não tinham quaisquer requisitos de formação que os capacitassem para esse efeito;
b) há quatro anos, o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores expressou publica e formalmente a exigência de formação superior em avaliação docente, de média e longa duração, como pré-requisito para o exercício da função de avaliador, já que a experiência profissional, só por si, não era suficiente;
c) há muitos quatro anos que o ministério da Educação não promove qualquer formação desta natureza.
Sendo estes os factos, eles significam que a situação de hoje é precisamente a mesma de há quatro anos. Como pode então alguém afirmar que «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação»? De onde vem este cinismo? Rodrigues e Alçada tinham, pelo menos, o recato de não falar em «rigorosos requisitos de formação», mas Crato e o seu secretário de Estado nem essa decência possuem.
Sejamos claros: ou a avaliação dos professores é uma coisa séria ou é uma brincadeira. Se é uma brincadeira, qualquer um serve para avaliador, e o problema fica resolvido à nascença. Se é uma coisa séria, há duas hipóteses:
1. A hipótese assente na lógica do actual modelo que, para ter alguma possibilidade de seriedade, exige:
a) Avaliadores com formação especializada de nível superior e grande experiência profissional.
Assentar o processo avaliativo inerente à observação de aulas num só avaliador é, no meu entendimento, incorrecto, todavia, se esse é o caminho que se pretende seguir, então é condição imperativa que esses avaliadores tenham cumulativamente: formação especializada de nível superior em avaliação de professores e grande experiência profissional. (E a experiência profissional não é, por exemplo, ter assistido a duas aulas no modelo de Rodrigues, como o recente despacho normativo n.º 24/2012 prevê. A falta de decoro chega a este ponto: considera-se um «rigoroso requisito de experiência profissional» a circunstância de, sem qualquer formação ou preparação, um professor ter sido empurrado a observar duas aulas de um colega, no contexto da bagunçada do modelo de pseudo-avaliação de Rodrigues e Alçada. Por outras palavras: ter participado naquilo que foi justamente apelidado de monstro kafkiano (e de comprovadamente ser um modelo incompetente e sem seriedade) é agora visto como um atestado de «rigoroso requisito de experiência profissional»);
b) Avaliadores que exerçam um acompanhamento regular do desempenho dos professores avaliados ao longo do período em avaliação.
Este acompanhamento regular é condição necessária para que o exercício da avaliação seja, em primeiro lugar, formativo e só depois, decorrente daí, sumativo. É condição necessária para que possa realizar-se um trabalho minimamente sério e credível. (E jamais, como tem sido feito e continuará a ser, um exercício avaliativo que se realiza através de duas visitas de 90 minutos num espaço de tempo de quatro anos).
2. A segunda hipótese exige outro modelo de avaliação do desempenho docente, sobre o qual tive oportunidade de escrever aqui, aqui, aqui e aqui.
O que não pode acontecer, seja qual for a circunstância, é o que está a acontecer: assentar a avaliação dos professores em falsidades ou em revestimentos formais, relativamente aos quais não corresponde nenhuma substância, como é o caso da grotesca afirmação exarada no despacho que referi: «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional».
(Continua)
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Nacos
Canto VIII
25
Nos sótãos apertados da cidade, prosseguiu Bloom,
estrangeiros mal pagos, longe da família, comovidos,
degolam uma galinha roubada. Automóveis inscritos
na lavagem automática aguardam,
e condutor displicente lê o jornal
em que dois massacres são descritos com uma certa alegria
do pormenor. Fotografias de cadáveres
são confundidas pelo leitor apressado com festivais
de gastronomia negra. O mundo é repelente
e uma obra-prima.
25
Nos sótãos apertados da cidade, prosseguiu Bloom,
estrangeiros mal pagos, longe da família, comovidos,
degolam uma galinha roubada. Automóveis inscritos
na lavagem automática aguardam,
e condutor displicente lê o jornal
em que dois massacres são descritos com uma certa alegria
do pormenor. Fotografias de cadáveres
são confundidas pelo leitor apressado com festivais
de gastronomia negra. O mundo é repelente
e uma obra-prima.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
O problema dos critérios...
Recebido por e-mail:
O horário Nº 116 (22h) do Grupo 550 no Agrupamento de Escolas de Vialonga, Vila Franca de Xira tem como subcritérios questões vagas e ilegais, a meu ver, não respeitando a Circular B12029396X.
O horário em causa foi colocado hoje na aplicação, não terá sido
aprovado pela equipa da Direcção Geral da Administração Escolar?
Cria-se uma circular e não se respeita?
Cumprimentos,
PA
O horário em causa foi colocado hoje na aplicação, não terá sido
aprovado pela equipa da Direcção Geral da Administração Escolar?
Cria-se uma circular e não se respeita?
Cumprimentos,
PA
Na sequência do mail anterior, mesma escola, outro horário com iguaissubcritérios, mas com acréscimo do seguinte: "O candidato selecionadoterá de ter uma pontuação superior a 25% nestes critérios.". (Ver anexo) O horário Nº 105 (22h) do Grupo 500 no Agrupamento de Escolas de Vialonga, Vila Franca de Xira.
Cumprimentos,
PA
AVISO
Aos
professores candidatos ao horário do grupo 500
Horário 105
Este
concurso baseia uma parte da sua graduação (50%) na análise do currículo individual, conforme
referido na oferta a concurso.
Os
documentos devem ser enviados em formato digital para o endereço de correio
eletrónico aevialonga@gmail.com.
A
lista graduada está publicada na página da Escola e irá receber comunicações da
DGAE à medida que o processo for decorrendo.
O
conjunto dos documentos deve ter um máximo de 10 páginas e ser organizado de
forma a responder aos critérios de análise do mesmo:
Critérios
|
Pontuação (%)
|
Formação
complementar centrada nas aprendizagens
|
10
|
Evidências
de práticas inovadoras em sala de aula
|
10
|
Desenvolvimento
de projetos
|
10
|
Capacidade
de resposta a situações / ocorrências emergentes
|
10
|
Conhecimento
do PE, RI e PAA do Agrupamento de Escolas de Vialonga
|
5
|
Experiência
em Escolas TEIP
|
5
|
Conforme
foi publicado na oferta.
O
candidato selecionado terá de ter uma pontuação superior a 25% nestes critérios.
A Diretora
(Maria Armandina da Costa Soares)
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Poemas
VIGÍLIA
Paralelamente sigo dois caminhos
Abstracto na visão de um céu profundo.
Nem um nem outro me serve, nem aquele
Destino que se insinua
Com voz semelhante à minha. O melhor do mundo.
Está por descobrir. Não segue a lua
Nem o perfil da proa. Vai direito
Ao vago, incerto, misterioso
Bater das velas sinalado e oculto
Quero-me mais dentro de mim, mais desumano
Em comunhão suprema, surto e alado
Nas aragens nocturnas que desdobram as vagas,
Chamam dorsos de peixe à tona de água
E precipitam asas na esteira de luz.
Da vida nada se leva senão a melhoria
De um paraíso sonhado e procurado
Com ternura, coragem e espírito sereno.
Doçura luminosa de um olhar. Ameno
Brincar de almas verticais em pleno
Sol de alvorada que descerra as pálpebras.
Ruy Cinatti
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Isto admira?
As sucessivas avaliações da troika e o conteúdo de diversas declarações públicas de responsáveis do FMI, do BCE e da Comissão Europeia mostram a objectiva desorientação que os domina. Proferem afirmações contraditórias, dão o dito por não dito, falam dos riscos e das incertezas que o futuro nos reserva, enfim, de modo implícito ou de modo explícito assumem que as coisas estão a correr mal e que não sabem se irão melhorar. Por vezes, para aliviar o ambiente geral e a tensão, elaboram profissões de fé nos bons resultados que suposta e longinquamente hão-de chegar. A promessa de um paraíso situado algures no tempo deixou de ser monopólio das religiões.
Apesar de tudo isto, apesar de todas as evidências mostrarem a catástrofe em que estamos envolvidos, o designado «programa de ajustamento» mantém-se inalterado e as políticas de empobrecimento e miserabilização prosseguem. Porquê? Porque, por um lado, a troika tem como primeira preocupação assegurar que a dívida e os juros serão por nós integralmente pagos, de modo a garantir os elevados lucros financeiros dos fundos e bancos estrangeiros que avançaram com o empréstimo; e porque, por outro lado, há uma ideologia, que suporta os interesses dos donos do sistema que governa o mundo, que não pode ser posta em causa, sob pena desses interesses também o serem.
Estas duas preocupações da troika remetem para secundíssimo plano os interesses dos portugueses e de Portugal. Isto admira? Não admira. O que admira é termos um governo que não tem pejo nem vergonha de se assumir como primeiro e prestável representante dessa troika.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
domingo, 18 de novembro de 2012
Momento quase filosófico
Srulek entra bruscamente em casa de um rabino e diz:
– Rabino, rabino, Deus falou!
– O quê? O que me dizes?
– Sim, falou ao Pinkus! O Pinkus disse-me que falou com Deus.
– Creio bem que o Pinkus é um mentiroso – disse o rabino.
– E porque havia Deus de falar a um mentiroso? – perguntou então Srulek.
– Rabino, rabino, Deus falou!
– O quê? O que me dizes?
– Sim, falou ao Pinkus! O Pinkus disse-me que falou com Deus.
– Creio bem que o Pinkus é um mentiroso – disse o rabino.
– E porque havia Deus de falar a um mentiroso? – perguntou então Srulek.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema.
sábado, 17 de novembro de 2012
Avaliação docente: dois despachos (4)
No texto anterior, tentámos precisar aquilo que o Ministério da Educação pretende que venha a ser avaliado pelo avaliador externo, quando este for chamado a entrar numa escola que desconhece, quando entrar numa turma que nunca viu e quando observar duas aulas de um professor que também não sabe quem é.
Hoje, procuraremos perscrutar o modo como o mesmo ministério prevê que isso aconteça. Na semana passada, vimos o que supostamente vai ser avaliado e agora veremos como se pretende que isso seja avaliado.
Presumivelmente para esclarecer o como fazer a avaliação, o secretário de Estado da Educação e Administração Escolar fez publicar três anexos ao Despacho n.º 13981/2012.
O Anexo I designa-se «Guia de observação da dimensão científica e pedagógica». A designação «guia» é manifestamente presunçosa. Na realidade, este «guia» não passa de uma tabela com quatro colunas e cinco linhas, que se limita a repetir artigos do despacho. É até caricato que um secretário de Estado consuma o seu tempo, ou dos seus assessores, a construir tabelas em Word, que qualquer aluno do ensino básico saberia elaborar, e as mande publicar no Diário da República.
Mas vejamos a tabela.
Mas vejamos a tabela.
Na primeira coluna está escrito: «parâmetro científico» e «parâmetro pedagógico».
Na segunda coluna estão escritas as especificações desses parâmetros, ou melhor, foram copiadas e coladas as especificações que estão escritas no articulado do despacho. Assim, para o «domínio científico», temos: na primeira linha, «conteúdos disciplinares»; na segunda linha, «conhecimentos da língua portuguesa que enquadram e agilizam a aprendizagem dos conteúdos disciplinares». Para o parâmetro «segurança [!] pedagógica», repete-se, na primeira linha, a catrefada de especificações – numa só linha e de um só fôlego: «aspectos didácticos que permitam estruturar a aula para tratar os conteúdos previstos nos documentos curriculares e alcançar os objectivos selecionados, verificar a evolução da aprendizagem, orientando as actividades em função dessa verificação e acompanhar a prestação dos alunos e proporcionar-lhes informação sobre a sua evolução». Na outra linha, e com uma sintaxe que envergonharia o mais cábula dos alunos: «aspectos relacionais que permitam assegurar o funcionamento da aula com base em regras que acautelem a disciplina; envolver os alunos e proporcionar a sua participação nas actividades; estimulá-los a melhorar a aprendizagem».
A terceira coluna é dedicada ao registo dos aspectos «positivos» relativos a cada uma das especificações e a quarta coluna é dedicada ao registo dos aspectos «negativos» para as mesmas especificações.
E pronto, o avaliador externo, munido deste «guia de observação», discriminará o que de positivo e de negativo supostamente conseguiu detectar, através da sua lupa avaliativa, durante duas aulas. Preenchido o sui generis «guia», o avaliador externo deve passar ao preenchimento do Anexo II – mais uma tabela, desta vez com menos uma linha. Isto é, o avaliador externo, depois de dizer o que de positivo e de negativo viu na aula a que assistiu (Anexo I), vai classificar o que viu, numa escala de um a dez. Para o fazer, deve pôr o olho no Anexo III – anexo que (também) se limita repetir, (também) em forma de tabela, os cinco níveis de desempenho previstos no articulado, para cada um dos dois parâmetros (científico e pedagógico).
Por outras palavras: o avaliador externo determina – não se sabe segundo que critérios – o que de positivo e de negativo houve no desempenho do professor avaliado. De imediato, o avaliador externo salta para o acto classificativo, determinando — não se sabe segundo que critérios – se, no parâmetro científico, o colega avaliado tem um domínio pleno, muito bom, bom, regular ou com falhas graves; e se, no parâmetro pedagógico, tem uma segurança inequívoca, muito boa, boa, regular ou com falhas graves.
Agora, a que realidade os termos «pleno», «muito bom», «bom», «regular» e com «falhas graves» nos reportam isso é coisa que ninguém sabe. A que realidade os termos «segurança inequívoca», «muito boa», «boa», «regular» ou com «falhas graves» nos reportam é coisa que também ninguém sabe. E não se sabendo a que realidade estes termos se referem, não é possível avaliar coisa alguma. Como também não é possível classificar de positivo ou de negativo, sem critérios definidos. Igualmente não é possível passar de uma classificação de positivo e negativo, sem critérios, para uma classificação de cinco níveis, cuja realidade de cada nível é desconhecida.
E assim se vai conhecendo o conceito de rigor de que Nuno Crato nos fala. E assim se continua a brincar às avaliações e com a dignidade profissional dos docentes.
(Continua)
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Uma carga policial «adequada»
Obviamente que atirar pedras a polícias que estão impávidos em frente a um parlamento não só é um acto bárbaro como é ridiculamente inútil, se a esse acto está associada alguma pretensão supostamente revolucionária.
Dito isto, é agora necessário dizer o resto. E o resto é dizer que não é verdade que a carga policial ocorrida ontem sobre os manifestantes, que estavam concentrados em frente à Assembleia da República, tenha sido «adequada» à situação.
A PSP diz que a carga policial foi «adequada», porque foi precedida de «avisos prévios, seletiva e ajustada à finalidade de cessação de comportamentos violentos e à reposição da ordem pública». Quem redigiu o comunicado certamente não sabe o significado do termo «adequado». A carga policial não é mais ou menos adequada pelo facto de terem existido avisos prévios. Como é óbvio, não existe relação entre uma coisa e outra. Mas, acima de tudo, a carga não foi selectiva e, por isso, não foi adequada. As imagens de todas as televisões mostram, sem deixarem margem para dúvidas, que não houve selectividade. Várias pessoas, que de jovens nada tinham e que não tocaram em nenhuma pedra, foram brutal e covardemente espancadas. Não houve nem selectividade nem profissionalismo, ao contrário do que, em uníssono, Cavaco Silva, Passos Coelho e Miguel Macedo afirmaram. Um polícia profissional não pode comportar-se como um tresloucado que ouvida a ordem de ataque põe-se a bater em tudo que lhe apareça à frente. Isso não é próprio de um profissional, isso é próprio de um tarado.
Todavia há uma hipótese de se poder considerar a carga policial adequada. Se o objectivo era assustar e intimidar as pessoas que pacificamente exercem o direito a manifestar-se, então a carga foi, de facto, adequada a essa finalidade. Se o objectivo era tentar desmobilizar futuras manifestações, então a carga foi adequada. Foi adequada, mas certamente que não será eficaz. Porque as manifestações vão continuar e os protestos serão cada vez maiores.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
terça-feira, 13 de novembro de 2012
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Tenho vergonha
Tenho vergonha da circunstância do meu país ser representado pelo actual primeiro-ministro. Nunca tinha assistido a tanto servilismo, a tanta subserviência de um representante de uma nação soberana perante outro representante de outra nação soberana. Passos Coelho comportou-se perante Merkel como o vassalo, na Idade Média, se comportava perante o seu suserano. Na conferência de imprensa ocorrida no Forte de S. Julião da Barra, Passos Coelho teve uma conduta indigna de um chefe de Governo. Literalmente, Passos Coelho prometeu fidelidade à política germânica e pediu protecção. Insistentemente repetiu que esperava ter conseguido dar boa informação à chanceler alemã de todo o trabalho que Portugal está a fazer no sentido do cumprimento do memorando da troyka, como se ela fosse o suserano a quem ele, vassalo, tem de prestar contas. Indecorosamente mesureiro, Passos Coelho coloca Portugal de joelhos perante a Alemanha.
Passos Coelho é, a nível interno, a personalização da mediocridade política que conduz o país para a miséria e para um retrocesso civilizacional de muitas décadas, e é, a nível externo, a personalização da bajulação que ofende a dignidade nacional.
Sinto vergonha de ser representado por um homem assim.
domingo, 11 de novembro de 2012
sábado, 10 de novembro de 2012
Avaliação docente: dois despachos (3)
No texto da semana passada, procurei centrar-me na obsessão, há algum tempo em moda, que (con)funde avaliação com quantificação, (con)fusão bem expressa no recente Despacho n.º 13981/2012, do Gabinete do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar.
Mas o mesmo despacho merece mais algumas observações.
O ministério da Educação pretende que um professor, supostamente avaliador, chegue a uma escola que desconhece, entre numa turma que desconhece e assista à aula de um outro professor que desconhece. Pretende igualmente que esse professor faça isto duas vezes, para, no total, assistir a 180 minutos de aulas. Pretende ainda que, observadas as duas aulas, o professor, que tem a suposta função de avaliar, deve ser capaz de averiguar se o seu colega:
a) domina os conteúdos disciplinares que lecciona;
b) domina os conhecimentos de língua portuguesa que enquadram e agilizam a aprendizagem dos conteúdos disciplinares;
c) estrutura a aula de modo a leccionar os conteúdos previstos nos documentos curriculares e de modo a alcançar os objectivos previstos;
d) promove e verifica a evolução da aprendizagem e orienta as actividades em função dessa verificação;
e) acompanha a prestação dos alunos e informa-os da sua evolução;
f) faz funcionar a aula com base em regras que acautelem a disciplina;
g) envolve os alunos e os faz participar nas actividades;
h) estimula os alunos com vista à melhoria da suas aprendizagens.
a) domina os conteúdos disciplinares que lecciona;
b) domina os conhecimentos de língua portuguesa que enquadram e agilizam a aprendizagem dos conteúdos disciplinares;
c) estrutura a aula de modo a leccionar os conteúdos previstos nos documentos curriculares e de modo a alcançar os objectivos previstos;
d) promove e verifica a evolução da aprendizagem e orienta as actividades em função dessa verificação;
e) acompanha a prestação dos alunos e informa-os da sua evolução;
f) faz funcionar a aula com base em regras que acautelem a disciplina;
g) envolve os alunos e os faz participar nas actividades;
h) estimula os alunos com vista à melhoria da suas aprendizagens.
O professor que supostamente vai avaliar deve também ser capaz de determinar se o colega supostamente avaliado demonstra um domínio pleno dos conteúdos disciplinares e de conhecimentos funcionais; ou se, não demonstrando um domínio pleno, demonstra um domínio muito bom dos conteúdos disciplinares e de conhecimentos funcionais; ou se, não demonstrando um domínio muito bom, demonstra um domínio bom dos conteúdos disciplinares e de conhecimentos funcionais; ou se, não demonstrando um domínio bom, demonstra um domínio regular dos conteúdos disciplinares e de conhecimentos funcionais; ou, por fim, se, não demonstrando um domínio regular, demonstra falhas graves nos conteúdos disciplinares e de conhecimentos funcionais. Isto no parâmetro científico.
O professor que supostamente vai avaliar deve ainda ser capaz de determinar se o colega supostamente avaliado demonstra uma segurança inequívoca tanto em termos relacionais como didácticos; ou se, não demonstrando uma segurança inequívoca, demonstra uma muito boa segurança em termos relacionais e pedagógicos (note-se, a partir deste nível, a excêntrica e misteriosa mutação do didáctico para o pedagógio...); ou se, não demonstrando uma segurança muito boa, demonstra uma boa segurança em termos relacionais e pedagógicos; ou se, não demonstrando uma boa segurança, demonstra uma segurança regular em termos relacionais e pedagógicos; ou, finalmente, se, não demonstrando um domínio regular, demonstra falhas graves em termos relacionais e pedagógicos. Isto no parâmetro pedagógico.
As fronteiras que supostamente deveriam distinguir os domínios pleno, muito bom, bom, regular e com falhas graves dos conteúdos disciplinares e dos conhecimentos funcionais estão omissas no despacho.
As fronteiras que supostamente deveriam distinguir uma segurança inequívoca, muito boa, boa, regular e com falhas graves em termos relacionais e pedagógicos também estão omissas no despacho.
Perante o omisso, resta o poder discricionário do professor supostamente avaliador. Precisamente o poder discricionário do professor que desconhece a escola, que desconhece a turma e que desconhece o professor que supostamente vai avaliar em 180 minutos.
E como prevê o despacho que este poder discricionário se concretize?
Tentaremos ver isso na próxima semana.
O professor que supostamente vai avaliar deve ainda ser capaz de determinar se o colega supostamente avaliado demonstra uma segurança inequívoca tanto em termos relacionais como didácticos; ou se, não demonstrando uma segurança inequívoca, demonstra uma muito boa segurança em termos relacionais e pedagógicos (note-se, a partir deste nível, a excêntrica e misteriosa mutação do didáctico para o pedagógio...); ou se, não demonstrando uma segurança muito boa, demonstra uma boa segurança em termos relacionais e pedagógicos; ou se, não demonstrando uma boa segurança, demonstra uma segurança regular em termos relacionais e pedagógicos; ou, finalmente, se, não demonstrando um domínio regular, demonstra falhas graves em termos relacionais e pedagógicos. Isto no parâmetro pedagógico.
As fronteiras que supostamente deveriam distinguir os domínios pleno, muito bom, bom, regular e com falhas graves dos conteúdos disciplinares e dos conhecimentos funcionais estão omissas no despacho.
As fronteiras que supostamente deveriam distinguir uma segurança inequívoca, muito boa, boa, regular e com falhas graves em termos relacionais e pedagógicos também estão omissas no despacho.
Perante o omisso, resta o poder discricionário do professor supostamente avaliador. Precisamente o poder discricionário do professor que desconhece a escola, que desconhece a turma e que desconhece o professor que supostamente vai avaliar em 180 minutos.
E como prevê o despacho que este poder discricionário se concretize?
Tentaremos ver isso na próxima semana.
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Nacos
Canto VIII
20
Nada de novo. O dinheiro não é uma invenção
do ar livre: foi criado nas fábricas,
nos compartimentos espessos, nos grandes edifícios.
Na cidade, o gosto a leite já lembra mais a máquina
que a vaca. Entardece, e as meias que de manhã
eram brancas são despidas em casa já negras.
O fumo baixo come lentamente os tornozelos
ocupados. A cidade bebe vinho, e alguns pais
distraídos cantam canções pornográficas
para as crianças adormecerem. Se alguém ouvir o galo
pensará de imediato que começou a catástrofe.
21
De qualquer modo, na cidade
as batalhas são dirigidas de outra forma:
empregados cobertos de civilização
num único momento transformam-se
em assassinos. Nem um segundo separa a educação
da barbárie.
22
As flores são mais móveis na cidade
do que na floresta: o vento provocado
pelo trânsito intenso não as deixa
sossegar. Só não se mata
por acasos do caminho: a vontade existe,
as armas são vendidas a preços comedidos
e duas balas chegam para quem não tem pontaria.
A cidade é uma infelicidade organizada.
20
Nada de novo. O dinheiro não é uma invenção
do ar livre: foi criado nas fábricas,
nos compartimentos espessos, nos grandes edifícios.
Na cidade, o gosto a leite já lembra mais a máquina
que a vaca. Entardece, e as meias que de manhã
eram brancas são despidas em casa já negras.
O fumo baixo come lentamente os tornozelos
ocupados. A cidade bebe vinho, e alguns pais
distraídos cantam canções pornográficas
para as crianças adormecerem. Se alguém ouvir o galo
pensará de imediato que começou a catástrofe.
21
De qualquer modo, na cidade
as batalhas são dirigidas de outra forma:
empregados cobertos de civilização
num único momento transformam-se
em assassinos. Nem um segundo separa a educação
da barbárie.
22
As flores são mais móveis na cidade
do que na floresta: o vento provocado
pelo trânsito intenso não as deixa
sossegar. Só não se mata
por acasos do caminho: a vontade existe,
as armas são vendidas a preços comedidos
e duas balas chegam para quem não tem pontaria.
A cidade é uma infelicidade organizada.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Os nossos liberais continuam «sui generis»
Confesso a minha dificuldade em compreender os nossos liberais e aqueles que, mesmo não se dizendo liberais, são convictos defensores da absolutização dos méritos da iniciativa privada e consequentemente das políticas de privatizações de praticamente tudo o que é estatal. Publicamente não se afadigam de afirmar que a competitividade é o motor do desenvolvimento e que o Estado deve ser reduzido apenas ao essencial para, supostamente, libertar a chamada sociedade civil, de modo a que se possa criar, também supostamente, um mundo de bem-estar, próspero e sustentável.
As convicções devem ser respeitadas, desde que preencham o pré-requisito da honestidade. Ora a minha dificuldade começa precisamente aqui, porque não alcanço a (honesta) razão que leva alguns paladinos de tudo o que seja privatização, inesperada e repentinamente, a transmutarem-se em adversários, igualmente convictos, de «determinadas» privatizações.
Um exemplo recente: «A privatização da RTP seria muito problemática». Quem ontem fez esta afirmação foi Pinto Balsemão (SIC), depois de já a ter repetido no último ano dezenas de vezes. Pais do Amaral (TVI) tem-no feito com a mesma recorrência. A minha perplexidade é, pois, enorme. Quer um quer outro sempre foram empenhados protagonistas na defesa das privatizações, quer um quer outro sempre criticaram as despesas excessivas do Estado na RTP, quer um quer outro sempre se revelaram enlevados admiradores dos alegados méritos da concorrência. Por que razão então contestam a privatização da RTP? Porque, dizem, o mercado não aguenta com três canais privados, um deles terá de desaparecer. Aqui a perplexidade aumenta: não são os adeptos das privatizações que nos dizem que é precisamente pela via da concorrência que se seleccionam os melhores? Não é precisamente no livre jogo do mercado que os vencedores revelam o seu mérito? Em que ficamos então: as privatizações são uma boa política ou não são? As leis do mercado livre são boas ou não são? O mérito revela-se através da concorrência ou não se revela?
Os nossos liberais continuam muito sui generis...
As convicções devem ser respeitadas, desde que preencham o pré-requisito da honestidade. Ora a minha dificuldade começa precisamente aqui, porque não alcanço a (honesta) razão que leva alguns paladinos de tudo o que seja privatização, inesperada e repentinamente, a transmutarem-se em adversários, igualmente convictos, de «determinadas» privatizações.
Um exemplo recente: «A privatização da RTP seria muito problemática». Quem ontem fez esta afirmação foi Pinto Balsemão (SIC), depois de já a ter repetido no último ano dezenas de vezes. Pais do Amaral (TVI) tem-no feito com a mesma recorrência. A minha perplexidade é, pois, enorme. Quer um quer outro sempre foram empenhados protagonistas na defesa das privatizações, quer um quer outro sempre criticaram as despesas excessivas do Estado na RTP, quer um quer outro sempre se revelaram enlevados admiradores dos alegados méritos da concorrência. Por que razão então contestam a privatização da RTP? Porque, dizem, o mercado não aguenta com três canais privados, um deles terá de desaparecer. Aqui a perplexidade aumenta: não são os adeptos das privatizações que nos dizem que é precisamente pela via da concorrência que se seleccionam os melhores? Não é precisamente no livre jogo do mercado que os vencedores revelam o seu mérito? Em que ficamos então: as privatizações são uma boa política ou não são? As leis do mercado livre são boas ou não são? O mérito revela-se através da concorrência ou não se revela?
Os nossos liberais continuam muito sui generis...
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
terça-feira, 6 de novembro de 2012
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Resgatados
Acabei de ler Resgatados, de David Dinis e Hugo Filipe Coelho – oferta de um bom amigo. Trata-se de um livro que, a partir da recolha de diversos testemunhos dos principais protagonistas dos acontecimentos, constrói uma narrativa, ora romanceada ora factual, do período que antecedeu o nosso último resgate financeiro.
Para além do interesse de um ou outro facto revelado e da interpretação dos estados de alma dos intervenientes — cuja subjectividade não é devidamente explicitada pelos autores —, Resgatados dá-nos a confirmação de uma realidade confrangedora e acima de tudo assustadora: as nossas elites políticas e financeiras são, utilizando a linguagem popular, «um bando de garotos». Da absoluta irresponsabilidade e megalomania de Sócrates ao despudorado oportunismo e à impreparação de Passos Coelho, passando pela obscena hipocrisia dos banqueiros, há de tudo e vale tudo nos meandros do poder.
Desequilibrado e incompetente como sempre foi, Sócrates conduziu o país à bancarrota e, todavia, recusou com afinco, até ser atraiçoado por Teixeira dos Santos, formular o pedido de ajuda financeira (segundo fonte comunitária, os cofres do Estado tinham apenas 300 milhões de euros, a poucas dias de ser necessário amortizar 4,5 mil milhões).
Oportunista e sem ter a mais leve noção da realidade, Passos Coelho mentiu sistematicamente: desde ter afirmado que apenas tinha recebido um telefonema a avisá-lo do PEC IV, quando esteve pessoalmente reunido com Sócrates em S. Bento, até à desavergonhada série de promessas com que a todo o momento enganava os portugueses, para se distanciar do governo socialista.
Governo socialista que era uma nave de loucos, onde as três principais figuras (primeiro-ministro, ministro das Finanças e ministro dos Negócios Estrangeiros) há muito já não se entendiam; onde um ministro era substituído, em reuniões internacionais, por assessores do primeiro-ministro; onde os representantes de Portugal na União Europeia afirmavam posições contraditórias, consoante fosse o ministério de onde provinham, etc.
O livro termina com o pornográfico discurso de Sócrates ao país a anunciar o que o conteúdo do memorando assinado com a troika «não tinha». O pornográfico discurso em que a Sócrates só lhe faltou «pular de contente» (expressão de Teixeira dos Santos), apesar de saber que estava a enganar os portugueses.
O excerto que se segue é esclarecedor:
«O primeiro-ministro chamou-os [aos assessores] ao seu gabinete para lhes dizer que o acordo [memorando da troyka] seria fechado nas horas seguintes, que ia fazer uma declaração e que já tinha uma ideia para o discurso.
"É muito simples, começa pelo que o acordo não tem. É ler as manchetes dos últimos dias."
Essa seria a tarefa deles. Recolher os títulos da imprensa que tinham falhado o alvo. Os assessores torceram o nariz. Víctor Escária também. Só uma pessoa no gabinete acompanhava a estratégia com evidente entusiasmo. Era José Almeida Ribeiro.
"O que interessa é o que é dito primeiro e com grande impacto – tudo o que vem a seguir é ruído."»
Fomos e somos governados por gente assim. Destas elites ainda não fomos resgatados.
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