sábado, 1 de dezembro de 2012

Avaliação docente: dois despachos (6)

O despacho n.º 13981/2012 vem recordar um aspecto exótico (mais um), já previsto no decreto regulamentar n.º 26/2012: à avaliação externa da dimensão científica e pedagógica, realizada através do processo de observação de aulas, é atribuída uma ponderação de 70 % relativamente à avaliação global dessa dimensão (que, como se sabe, tem um peso de 60% em todo processo da avaliação do desempenho, que inclui ainda outras duas dimensões). 
O exotismo a que agora me refiro está nos 70%. Está nos 70%, vistos em si mesmos, e na consequência de haver 30% sobrantes que são objecto de uma outra avaliação, também ela não menos exótica.
Os 70% suscitam uma pergunta: atendendo aos pressupostos teóricos em que suspostamente se sustenta o modelo de avaliação de Crato, porque é que não é atribuído o peso de 100% à avaliação externa da dimensão científica e pedagógica? Na verdade, não se compreende que sendo «a legitimidade e competências dos avaliadores externos [...], assim como a sua seleção, asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» (conforme é efusivamente declarado no texto introdutório do referido despacho) não se entregue a esses avaliadores externos a responsabilidade total dessa avaliação. Porque das duas uma: ou a crença  nos «rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» é fraca ou a opção pelos 70% é obscura, porque obviamente os «rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» dos avaliadores externos deveriam assegurar uma superior credibilidade e fidelidade/fiabilidade à avaliação realizada — muito maior, certamente, do que a avaliação que será feita por alguns desqualificados avaliadores internos — responsáveis por avaliar os remanescentes 30% da referida dimensão.
Para além desta ininteligibilidade, atribuir 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica a avaliadores internos é faltar grosseiramente (uma vez mais) à palavra dada e à promessa feita. Passos Coelho, Crato e o PSD repetiram insistentemente que nunca aceitariam que a avaliação da dimensão científica e pedagógica fosse realizada por pares da mesma escola. «Nunca!», assim nos foi jurado. Contudo, no pouco tempo que passou, o que era inaceitável tornou-se, repentina e misteriosamente, aceitável, e mais uma promessa ficou por cumprir: 30% da avaliação dessa dimensão é entregue a avaliadores internos, isto é, a pares da mesma escola, aquilo, precisamente, que se asseverou nunca vir a acontecer.

Vejamos agora a parte mais grave.
O problema é: como vai o avaliador interno, responsável por 30% da classificação a atribuir à componente científica e pedagógica, realizar essa avaliação, se não observa aulas? Diz o decreto regulamentar que é através de um formulário de registos, que cada escola terá de elaborar para este fim e também para avaliar a participação do professor na escola, a sua relação com a comunidade, a formação contínua que realizou e o desenvolvimento profissional (seja isto o que for). Um formulário de registos?! O domínio que um professor tem dos conhecimentos científicos e pedagógicos e consequentes práticas avalia-se através de um formulário de registos?! Mas que registos, se o avaliador interno não observa aulas? O que é que de pertinente pode o avaliador interno registar e a partir de quê?
Vamos por partes, e tomemos como exemplo apenas o domínio dos conhecimentos científicos.
Há dois modos de um professor poder revelar os seus conhecimentos científicos: através do texto escrito e/ou do texto oral.
Comecemos pelo texto oral. Em que circunstâncias pode um professor, através do texto oral, evidenciar o seu conhecimento científico? Em que circunstâncias pode um avaliador interno certificar-se, com fiabilidade e credibilidade, que um professor domina os conhecimentos científicos da sua área disciplinar, através do texto oral, se não tem aulas observadas? Deverão os professores realizar conferências para apresentar comunicações científicas, de modo a que o avaliador interno os possa avaliar? Deverão, em reuniões de departamento, fazer a apresentação de dissertações científicas? Ou em reuniões de grupo? Ou num frente-a-frente, com o avaliador interno?
Vista a excentricidade que é pretender-se avaliar, através de texto oral, o conhecimento científico de um professor, resta o texto escrito.
Que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu conhecimento científico junto do avaliador interno? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalho de dúzia e meia de páginas sobre um assunto (depois discuti-lo com o avaliador, de modo a que se obstaculize a tentativa de fraude, do género copy and paste)? E quantos livros deve escrever e/ou quantos ensaios deve redigir e/ou quantos artigos deve publicar para que a avaliação dos seus conhecimentos seja fiável?
Afinal que pode/deve o professor avaliado fazer para demonstrar os seus conhecimento científicos ao avaliador interno, de modo a que este possa preencher o tal formulário?
As perplexidades que se levantam relativamente à avaliação dos conhecimentos científicos, sem observação de aulas, evidentemente que duplicam em relação à avaliação da vertente pedagógica. De que modo o avaliador interno pode avaliar a dimensão pedagógica, se ele não conhece as turmas que o professor avaliado lecciona, se não sabe como decorrem as aulas e se nada observa?

É, portanto, a partir de coisa nenhuma que o avaliador interno vai determinar 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica do professor avaliado. 

(Continua)