No carro, vinha a ouvir um programa que recorda a rádio que se fazia em Portugal nos anos cinquenta, sessenta, setenta e, julgo, nos anos oitenta. Reportagens, noticiários, entrevistas, radionovelas, publicidade, etc., compõem o repertório das múltiplas reminiscências daqueles que faziam e daqueles que ouviam a rádio. Desde vozes longamente nasaladas e reverenciais, dos locutores que idolatravam os poderosos e o poder anterior ao 25 de Abril, até a excertos de discursos de Salazar e Caetano, quase tudo passa neste interessante programa da Antena 1. Quem viveu esta época, pode recordar e de algum modo «reviver» o ambiente que nos envolvia; quem não viveu, pode ficar com algumas «impressões» sobre uma certa forma de ser e de estar que dominava o país.
Durante os minutos que o programa durou, houve, para mim, momentos em que estranhamente o passado e o presente se misturaram: o quotidiano triste, a melancolia reinante, a cinza dos discursos, o abafamento opressor e o luto permanente, que foram marcas desse passado português, ressurgiram com a temerosa vivacidade que a realidade de hoje suscita. Dolorosamente, este programa não só transporta o passado ao presente, como faz sentir o presente passado. Estamos, como anteriormente, rodeados por cabeças medíocres, por ideias medíocres, por atavismos e por fatalismos transcendentes. Estamos, como anteriormente, asfixiados pela pretensa inevitabilidade da pobreza, da desgraça, do sofrimento. Regressámos a um passado de estupidez e de acabronhamento.
Boas festas? Não, não é possível haver boas festas quando se está rodeado de gente que quer o regresso ao inaceitável. De gente que quer fazer a história regredir, que quer fazer a vida regredir, que quer fazer a alegria regredir.
Boas festas? Sim, é possível haver boas festas, se quisermos fazer destas festas o início de uma enorme festa de despedida. A despedida, o adeus definitivo desta gente que quer fazer o presente passado.