quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Professores contratados

Recebido por e-mail:

COMUNICADO

A ANVPC - Associação Nacional dos Professores Contratados contactou formalmente, durante o dia de hoje, os Grupos Parlamentares do PSD, CDS-PP e PS, no sentido de questionar os mesmos acerca da razão pela qual estas bancadas parlamentares votaram contra um Projeto de Lei (apresentado pelo Partido Comunista Português) que permitiria a resolução da precariedade laboral de milhares de Professores Contratados, e possibilitaria a reposição da verdade e da justiça ao fim de mais de 15 anos de violação pelo Estado Português de dois dos mais básico princípios - o do Direito à Estabilidade Profissional e da Igualdade de Direitos entre Cidadãos.

Anexamos, em baixo, a comunicação remetida a estes órgãos da Assembleia da República.
A ANVPC encontra-se a aguardar a resposta dos grupos parlamentares contactados, assim como a comunicação, por parte destes, das razões objetivas que levaram os(as) deputados(as) a tomar essa decisão adversa aos professores portugueses e à Escola Pública. .


Exmos.(as) Srs.(as) Deputados(as)

A Associação Nacional dos Professores Contratados verificou, com grande surpresa, que os(as) deputados(as) do vosso grupo parlamentar, no passado dia 20 de fevereiro, votaram contra um Projeto de Lei (apresentado pelo Partido Comunista Português) que permitiria a resolução da precariedade laboral de milhares de Professores Contratados, e possibilitaria a reposição da verdade e da justiça ao fim de mais de 15 anos de violação pelo Estado Português de dois dos mais básico princípios - o do Direito à Estabilidade Profissional e da Igualdade de Direitos entre Cidadãos.

Vejamos ainda, curiosamente, que em todos os momentos em que encetamos reuniões de trabalho com Vs. Exas. os(as) deputados(as) do vosso grupo parlamentar sempre demonstraram compreensão total pelos problemas da precariedade docente, tendo mesmo referido vontade política, real, em resolver este grave problema que atormenta milhares de profissionais que se vêm dedicando à  Escola Pública, ano após ano, e aos quais nunca foi permitida a entrada no quadro.

Face ao exposto, vimos, por este meio, no sentido de defesa da transparência a que a vossa função de serviço público está diretamente associada, requerer formalmente a justificação para esse voto contra, no sentido de que os Professores Contratados portugueses possam tomar conhecimento das razões objetivas que levaram os(as) deputados(as) do vosso grupo parlamentar a tomar essa decisão política adversa aos professores portugueses e à Escola Pública.

Aguardamos a vossa resposta urgente.

Certo da Vossa Cuidada Atenção,
Subscrevemo-nos com os Melhores Cumprimentos,

A Direção da ANVPC.

Faltam 2 dias


Continuar a aceitar isto é impossível

Os novos tempos preparam-se na penumbra dos tempos que o presente efémero vai tornando velhos. Da preparação de um novo tempo vão surgindo sinais, esboços, rascunhos que a vida se encarrega de confirmar e desenvolver ou destruir. Estamos, neste momento, a viver esse tempo de gestação.

À medida que se torna evidente para quase todos a mediocridade de ideias e de intenções da elite que domina o país, torna-se também evidente que é necessário operar a mudança. 
Vivemos na infindável repetição de «soluções», que trimestralmente se revelam e reconfirmam como inúteis. Vivemos no sacrifício permanente, no desemprego crescente, na miséria galopante. Vivemos a escutar o mesmo discurso cansado, estafado, desmembrado, mentiroso.

Um enorme muro foi erguido entre nós e a vida. 
Continuar a aceitar isto é impossível.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Faltam 3 dias


Poemas

ANÓSIA

Que marinais sob tão pora luva
de esbranforida pela retinada
não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?

Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!

Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo.

Que marinais dulcífima contebe,
ejacicasto, ejacicasto, arina!...
Que marinais, tão pora luva, todo...

Jorge de Sena

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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Faltam 4 dias



2 de Março

10:00 Praça da República | Horta 

14:00 Praça 5 de Outubro | Torres Novas 

14:30 Praça 25 de Abril | Caldas da Rainha 

15:00 Avenida Central | Braga. Praça da República | Coimbra. Praça do Município| Covilhã. Embaixada Portuguesa | Londres. Parque da Cerca | Marinha Grande. Consulado Geral de Portugal | Paris. Largo 2 de Março | Ponta Delgada. Praceta Alves Redol | Santarém. Jardim em frente ao Colégio | Tomar. Praça da República | Viana do Castelo.

16:00 Estação CP | Aveiro. Largo do Museu | Beja. Praça do Município | Castelo Branco. Largo das Freiras | Chaves. Estação da CP | Entroncamento. Praça do Giraldo | Évora. Largo do Carmo | FaroPraça do Município | Funchal. Praça Velha | Guarda. Fonte Luminosa | Leiria. Praça Marquês de Pombal | Lisboa. Praça da República (Mercado) | Loulé. Praça Manuel Teixeira Gomes | Portimão. Praça da Batalha | Porto. Frente à Câmara Municipal | Vila Real. Jardim de Santa Cristina | Viseu

16:30 Praça da República | Portalegre.

17.00 Consulado Geral de Portugal | Barcelona.

18:00 Boston Public Library | Boston.

Nacos

«Mas como o meu pai quase lhe chamou louca ao saber dos livros que ela pretendia dar-me, voltara pessoalmente a Jouy-le-Vicomte, à livraria, para que eu não corresse o risco de não ter o meu presente (era um dia quentíssimo, e regressara tão indisposta que o médico avisara a minha mãe para não a deixar fatigar-se daquele modo) e mudara para os quatro romances campestres de George Sand. "Minha filha", dizia ela à minha mãe, "eu não era capaz de me decidir a dar a esta criança qualquer coisa mal escrita."
A verdade é que ela nunca se resignava a comprar fosse o que fosse de que não se pudesse retirar algum proveito intelectual, e sobretudo aquele que nos é proporcionado pelas coisas belas ao ensinar-nos a procurar o nosso prazer fora das satisfações do bem-estar e da vaidade. Mesmo quando tinha que dar um presente chamado útil, quando tinha que dar um cadeirão, talheres, uma bengala, procurava que fossem "antigos", como se, apagado pelo seu longo desuso o carácter de utilidade, parecessem mais preparados para nos contarem a vida dos homens de antigamente que para servirem as necessidades da nossa.»
                                   Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - Do Lado de Swann, Relógio D'Água.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Faltam 5 dias


A elite dos comentantes

Às nossas elites política, financeira e patronal, que são responsáveis pelo estado em que nos encontramos, junta-se uma quarta elite, igualmente responsável e igualmente medíocre, a elite dos nossos comentadores profissionais. 
Bem pagos e bem instalados na vida, muitos destes comentadores têm a sua existência justificada pela circunstância de serem produto visual do sistema dominante. Conscientes dessa circunstância, assumem, nos órgãos de comunicação social, o papel de replicantes das ideias e dos valores do sistema que os gerou. Replicam ideias e valores e replicam interesses. Os do sistema e os seus. Alguns desses comentadores, os mais zelosos e zelotas, não resistem à tentação de expor o que julgam ser pensamento próprio. Quando isto sucede, o embuço que lhes oculta as intenções, o carácter e a inteligência, de pouco serve. Hoje de manhã, na televisão pública, um destes comentantes perguntou, em português macarrónico, que eu transcrevo fielmente: «Se eu tiver um licenciado de pessoas em história ou pessoas para serem professores, qual é a utilidade para a economia, então se nós não precisamos deles?»
Seria uma jactura de tempo responder a esta burlesca pergunta, mas certamente que já não será uma jactura, nem de tempo nem de sentido, interrogar se há alguma utilidade para a economia, ou para o que for, termos comentantes desta natureza e género? Alguém precisa deles?

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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Faltam 6 dias


Momento quase filosófico

O culto do eu, tão difundido, começa muitas vezes pelo denegrimento do próprio. Assim o mostra esta história judia contemporânea que se conta actualmente em Israel.

Três rabinos sentaram-se no banco de trás de um táxi. O primeiro suspira e diz:
— Quando pendo em Deus, vejo que não sou grande coisa.
O segundo rabino diz ao primeiro:
— Se tu não és grande coisa, então eu, que sou? Nada.
O terceiro rabino diz ao segundo:
— Se tu não és nada, então eu o que sou? Menos que nada! Estou abaixo de tudo!
O taxista volta-se nesse momento e diz:
— Mas se os senhores falam dessa maneira, se dizem que não são nada, então eu o que sou? Nem há palavras para me descrever! Não existo!
Os três rabinos olharam para ele e disseram:
— Mas o que é que ele tem a ver com isto?
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema (adaptado).

Yusef Lateef

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Faltam 7 dias

2 de Março

10:00 Praça da República | Horta 

14:00 Praça 5 de Outubro | Tomar 

14:30 Praça 25 de Abril | Caldas da Rainha 

15:00 Avenida Central | Braga. Praça da República | Coimbra Praça do Município| Covilhã Embaixada Portuguesa | Londres Parque da Cerca | Marinha Grande Largo 2 de Março | Ponta Delgada Jardim em frente ao Colégio | Tomar Praça da República | Viana do Castelo 

16:00 Estação CP | Aveiro. Largo do Museu | Beja. Praça do Município | Castelo Branco. Largo das Freiras | Chaves. Largo do Carmo | Faro. Praça do Município | Funchal. Fonte Luminosa | Leiria. Praça Marquês de Pombal | Lisboa. Praça da República (Mercado) | Loulé. Praça Manuel Teixeira Gomes | Portimão. Praça da Batalha | Porto. Frente à Câmara Municipal | Vila Real. Jardim de Santa Cristina | Viseu

18:00 Boston Public Library | Boston

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Faltam 8 dias


É extraordinária a diferença entre o que se passa com os responsáveis directos pela situação em que o país está e o que se passa com todos os outros, isto é, com todos os portugueses que não tiveram nem têm responsabilidades na crise que vivemos.

Os responsáveis directos são, em primeiro lugar, os responsáveis políticos: o chefe e os membros dos dois últimos governos do PS e os deputados parlamentares que os sustentaram; o chefe e os membros do actual governo PSD-CDS e os deputados parlamentares que o sustentam. No primeiro conjunto, o dos ex-governantes e correligionários parlamentares, impressiona a arrogância com que publicamente opinam, impressiona a cada vez maior presença e o tempo que ocupam nos meios de comunicação social e impressiona o estatuto de inimputabilidade com que se auto-consideram. O desgraçado estado do país parece nada ter que ver com eles...

No segundo conjunto, o dos actuais governantes e correligionários parlamentares, impressiona a escandalosa falta de seriedade política, impressiona a inimaginável incompetência de que enfermam e impressiona a absoluta ausência de vergonha que revelam. O desgraçado estado do país também parece nada ter que ver com eles...

Um outro grupo de responsáveis directos por aquilo que estamos agora a passar é formado pelos líderes e por toda a nossa elite financeira. BCP, BPI e BES, financiaram e incentivaram até ao limite do inconcebível a dívida pública e financiaram e incentivaram descaradamente a dívida privada, que agora dizem ser excessiva. A isto acresce a monstruosa vigarice financeira que parte dessa elite promoveu no BPN (e no BPP), e que todos estamos a pagar. 
Contudo, os ex-presidentes e actuais presidentes dos conselhos de administração do BCP, do BPI, do BES falam publicamente como se nada do que se passou e passa no país tivesse que ver com eles. Têm até o atrevimento de, com insolência, fazer exigências quanto à capacidade de sofrimento dos portugueses. Ou de, sem sombra de envergonhamento, tentarem fugas ao fisco de milhões de euros.

Da vigarice financeira realizada no BPN, sabemos apenas que o seu ex-presidente está confortavelmente sob prisão domiciliária e conseguimos recordar-nos de como se sentiu divertido no momento em foi inquirido no parlamento. Dos restantes acusados sabemos que pouco ou nada lhes sucedeu. Todavia, soubemos há semanas pelo Expresso que alguns dos responsáveis do BPN (já condenados pelo Banco de Portugal) foram premiados com cargos de direcção na empresa pública Parvalorem, precisamente a empresa criado pelo Estado para procurar recuperar os muitos milhões de euros em dívida ao banco nacionalizado. Três exemplos:
— Armando Pinto, ex-director do departamento jurídico e ex-administrador do BPN, foi condenado pelo Banco de Portugal a uma multa de 200 mil euros e ficou proibido de trabalhar em instituições financeiras durante cinco anos, é agora director da Parvalorem; 
— Gabriel Rothes, ex-administrador do BPN, foi condenado pelo Banco de Portugal a uma multa de 175 mil euros e ficou proibido de trabalhar em instituições financeiras durante três anos, é agora director da Parvalorem; 
— Jorge Rodrigues, ex-director do BPN, foi condenado pelo Banco de Portugal a uma multa de 350 mil euros e ficou proibido de trabalhar em instituições financeiras durante cinco anos, é agora director da Parvalorem.

Todos estes, dos políticos aos financeiros, são responsáveis directos pela situação em que vivemos, todavia, para além da impunidade de que gozam, alguns são ainda objecto de premiação. 
Em contrapartida, os portugueses que não dirigiram o país, nem política nem financeiramente, que não tiveram nem têm responsabilidades na crise em que nos encontramos, são despedidos e atirados para o empobrecimento irreversível ou são objecto de brutais penalizações nas pensões, nos vencimentos e nos impostos. E são acusados de terem vivido acima das suas possibilidades.

Esta diferença de tratamento é insuportável e tem de lhe ser colocado um fim. A realidade tem de ser virado ao contrário. O próximo dia 2 de Março poderá marcar o princípio dessa viragem.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Faltam 9 dias


Poemas

PALMEIRAS

As árvores a copa orvalhada de sol
Rectas. Dou ao meu sol a seiva evaporada.
O sol repousa sobre o mármore das folhas
Como a água do mar no fundo adormecido.

O céu é de um só bloco a terra é vertical
E as sombras das árvores continuam as árvores.

Paul Éluard
(Trad.: Manuel Bandeira)

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Faltam 10 dias


Aliança PS-PSD

Li, no Negócios online, que Francisco Assis defende uma coligação do PS com o PSD, se, nas próximas eleições legislativas, os socialistas vencerem sem maioria absoluta. Na mesma entrevista, Assis insurge-se contra quem tem protagonizado apupos a Passos Coelho e a outros membros do governo e contra a linguagem extremista que tem sido utilizada no parlamento.
Nenhuma destas posições suscita admiração.
No passado do comportamento político de Francisco Assis, recordo três episódios que o definem — um positivo, mas já muito longínquo no tempo, e dois muito negativos, do passado recente:
— o primeiro refere-se à coragem política e pessoal que revelou aquando dos inenarráveis acontecimentos de Felgueiras; 
— o segundo refere-se à manifesta ausência de verticalidade e à não menos manifesta ostentação de cinismo político, aquando da permissão dada pelo parlamento à escandalosa fuga de impostos promovida pela administração da PT, concretizada através da antecipação, para 2010, da distribuição de dividendos aos accionistas, que deveriam ser pagos apenas em 2011 com mais pesados impostos. Nessa altura, Assis veio à televisão justificar a recusa do PS em tomar uma iniciativa legislativa que impedisse tal fuga, porque isso, cito: «defraudaria uma justificada expectativa dos accionistas da PT em pagarem menos impostos do que aqueles que, a partir de 2011, teriam de passar a pagar» (foi pena que, na altura, Assis só tivesse levado em consideração as «legítimas expectativas» dos accionistas da PT e não tivesse levado em conta as (ilegítimas?) expectativas dos pensionistas e dos funcionários públicos, a quem o PS decidiu cortar entre 5 e 10% das respectivas pensões e vencimentos, nesse mesmo ano);
— o terceiro refere-se à falta de pudor político que revelou na defesa e na idolatria que promoveu à figura de Sócrates, cujo ponto alto foi o célebre congresso/comício-panegírico, realizado em Matosinhos, em 2011.
Na realidade, Assis continua a ser um representante do socratismo, cujas políticas — nas finanças, na economia, na educação, na justiça e nas obras públicas — conduziram o país a um nível de degradação nunca atingido anteriormente. Assis foi co-responsável por essas políticas e, hoje, ao vir defender uma possível aliança com o PSD, Assis confirma o que já se sabia: não deve ser alimentada nenhuma esperança de construção de uma nova política para o país, se essa esperança depender da ala do PS ligada a Sócrates.
As ideias e a prática política destes dirigentes socialistas não podem ter lugar em nenhum cenário alternativo ao actual governo. Na verdade, as suas ideias e as suas práticas não foram nem nunca serão alternativas às políticas do PSD, as suas ideias e as suas práticas foram e continuarão a ser coadjuvantes das políticas do PSD. Assis é um exemplo objectivo dessa coadjuvação.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Faltam 11 dias



Nacos

«Quando estas voltas da minha avó pelo jardim tinham lugar depois do jantar, havia uma coisa com o poder de a fazer regressar: era, num dos momentos em que o giro do seu passeio a fazia passar periodicamente, como um insecto, diante das luzes da saleta onde eram servidos os licores na mesa de jogo, quando a minha tia-avó lhe gritava: "Bathilde! Vê lá se vens impedir o teu marido de beber conhaque!" Com efeito, para a arreliar (ela trouxera para a família do meu pai um espírito tão diferente que toda a gente brincava com ela e a apoquentava), como os licores estavam proibidos a meu avô, a minha tia-avó dava-lhe a beber algumas gotas. A minha pobre avó entrava e rogava ardentemente ao marido que não tocasse no conhaque; ele zangava-se, bebia mesmo assim a sua golada, e a avó ia-se embora triste, desanimada, mas apesar de tudo sorridente, porque era tão humilde de coração, e tão doce, que a sua ternura pelos outros e o pouco caso que fazia da sua própria pessoa e dos seus sofrimentos se lhe conciliavam no olhar, num sorriso onde, ao contrário do que se vê no rosto de muitos humanos, só para ela própria havia ironia, enquanto para nós todos havia como que um beijo de olhos, que não podiam ver aqueles que amava sem os afagar apaixonadamente com o olhar.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - Do Lado de Swann, Relógio D'Água.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Faltam 12 dias




2 de Março de 2013

10:00
Praça da República | Horta

14:30
Praça 25 de Abril | Caldas da Rainha

15:00
Avenida Central | Braga
Embaixada Portuguesa | Londres
Parque da Cerca I Marinha Grande
Praça da República | Viana do Castelo

16:00
Praça do Município | Castelo Branco
Largo das Freiras | Chaves
Praça do Município | Funchal
Fonte Luminosa | Leiria
Praça Marquês de Pombal | Lisboa
Praça da Batalha | Porto

18:00
Boston Public Library | Boston


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sábado, 16 de fevereiro de 2013

A responsabilização das nossas elites

É interessante observar as reacções às crescentes críticas dirigidas às elites do nosso país. Membros da elite política, da elite financeira e da elite empresarial vêm a público revelar incomodidade e receio pelas acusações de que são alvo, no que diz respeito à atribuição de responsabilidades da crise em que vivemos. Consideram essas acusações injustas, injustificadas e oportunistas. Mas, na realidade, essas acusações não são injustas, não são injustificadas nem são oportunistas.

A verdade é que foi a elite política, concretamente as elites políticas do PS, do PSD e do CDS, que ao longo das últimas décadas nos têm governado, quem conduziu e mantém o país na situação de catástrofe económica e social. Sobre isto, não parece razoável levantar dúvidas. Há mais de três décadas que os líderes políticos com responsabilidades governativas foram e são destes três partidos; há mais de três décadas que as elites políticas que ocuparam e ocupam as cadeiras do poder foram e são destes três partidos; e há mais de três décadas que as elites que gravitam em torno dos gabinetes executivos e dos gabinetes legislativos, influenciando as decisões e as opções políticas, pertencem as estes três partidos.
As acusações dirigidas às elites políticas que nos têm governado são, pois, justas, justificadas e legítimas.

A elite financeira portuguesa usufruiu durante alguns anos da fama, e do correspondente proveito, de ser constituída por pessoas competentes e sérias, exemplos de excelência na gestão e de sobriedade social. Hoje verificamos, sem margem para dúvida razoável, que a fama e o proveito não tinham razão de ser. 
O véu que cobria a incompetência, a desonestidade e a mediocridade desta elite financeira começou a romper-se com a revelação pública de tudo o que se passou no BCP. Hoje, o seu primeiro presidente do Conselho de Administração, Jardim Gonçalves, o seu sucessor e vários membros do conselho de administração estão impedidos de exercer funções de administração bancária e estão a responder em tribunal a diversas acusações. Por sua vez, a elite que geria o BPN é, no nosso país, pelos menos até agora, o exemplo  do que de mais desonesto é possível imaginar na falcatrua financeira. A outra elite que geria o BPP conduziu o banco à ruína e está, neste momento, sob a alçada da Justiça. O presidente do conselho de administração do BES foi apanhado numa tentativa de fuga ao fisco. O presidente do BPI é um exemplo de desequilíbrio psicológico e de arrogância descontrolada.
Transversalmente todos são exemplos de incompetência: todos, aos quais se junta o Banif, tiveram de se recapitalizar, e quase todos com o dinheiro dos contribuintes; todos alimentaram sofregamente o endividamento público e privado, para acabarem hipocritamente a afirmar que os portugueses viveram acima das suas possibilidades.
As acusações dirigidas à elite financeira são, pois, justas, justificadas e legítimas.

A nossa elite empresarial é, numa percentagem muito significativa, ignorante, semi-analfabeta e carroceira. Durante anos, apenas pensou em duas coisas: como enriquecer rapidamente e como esbanjar rapidamente o que ganhou. Sobre isto também não parece haver lugar para dúvida razoável. Só uma percentagem quase ridícula da elite empresarial reinvestiu na modernização das empresas e na criação de condições dignas para os seus profissionais. Quando a crise chegou, estavam descapitalizadas e sem qualquer capacidade de reacção, quer financeira, quer competitiva. Agora declaram falência, despedem trabalhadores, vendem os Ferraris, os Mercedes, os montes e as casas. Todavia, isto significa que ainda têm algo para vender... Os desempregados não — porque grande parte da nossa elite empresarial sempre teve como critério de boa gestão o pagamento de salários miseráveis.
As acusações dirigidas à elite empresarial são, pois, justas, justificadas e legítimas.

Sobre a mediocridade das nossa elites, não parece razoável haver qualquer dúvida. Sobre a necessidade de retirarmos estas elites dos lugares que ocupam, parece já não haver a mínima dúvida.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Poemas

ALEGORIA DO MUNDO NA PASSAGEM DE ARNALDO DE VILLANOVA

Ouro trigo leão e prata e crina
te esperam sob o vaso menstrual
Separarás primeiro a água e a mina
porque a Água não é um mineral

No coágulo te espera areia fina
e sob a areia planta sideral
que ao manto do Rei Verde se combina
porque a Planta não é um vegetal

Ao homem cabe o Ouro de buscá-lo
E a sua cria  morta ou imortal
tirá-la-ás do ventre de cavalo
porque o Homem não é um animal

E se o espelho de cobre te fascina
se te aparece o Monstro do Umbral
que a ígnea terra o astro abismo ensina
e nas trevas afunda  o Bem e o Mal

Reduz expurga fende e ilumina
e com espada de fogo talha e inclina
porque o Fogo não é o seu sinal

Mário Cesariny

sábado, 9 de fevereiro de 2013

As horas de trabalho do professor

O horário de trabalho dos professores volta a ser objecto de discussão, e agora com a ameaça de aumento de cinco horas semanais.
Como é recorrente, com os governos que temos tido, essa discussão nunca é feita por bons motivos e nunca é feita de modo sério. Ou seja, não é com o objectivo de melhorar os resultados das aprendizagens dos alunos que se discute o horário dos professores, pelo contrário, esse objectivo, que deveria ser o primeiro de todos, nunca está presente nesse debate. Actualmente, o objectivo é um só: arranjar modo de despedir professores. As consequências desses despedimentos para a qualidade do nosso ensino e para a vida pessoal e profissional dos despedidos são minudências para o actual governo.
Em Setembro de 2008, em resposta a um comentário de um leitor anónimo, que acusava os professores de trabalharem poucas horas, fiz um texto onde rebati essa afirmação mentirosa, utilizando dados que, apesar de tudo, ainda ficavam aquém da realidade. Agora que o assunto dos horários dos docentes volta à ordem do dia, vou actualizar e completar o que então escrevi e procurar apurar qual é o horário real de um professor. 

O horário semanal de trabalho de um docente é de 35 horas. Por ignorância ou por desonestidade, há quem afirme que os docentes trabalham menos do que 35 horas semanais. Vejamos quantas horas, de facto, um professor trabalha.
Vou tomar como exemplo o horário de um colega meu, que está a meio da carreira e que lecciona 6 turmas: uma do 7.º ano (2 tempos), uma do 8.º (3 tempos), três do 9.º (3 tempos cada) e uma turma do 11.º (6 tempos). Este docente lecciona, portanto, 4 níveis. Vamos considerar que, em média, cada turma tem 28 alunos (como se sabe, há muitas turmas com 32 alunos).
Passemos às contas.

1. Preparação de aulas. Semanalmente, este professor precisa de preparar aulas para 4 níveis. Vou considerar que, em média, a preparação semanal das aulas, para cada um dos níveis, consome uma hora e meia (para as turmas do ensino secundário consome-se bastante mais, mas adiante). Significa que, por semana, despende 6 horas para esse trabalho. Se o período tiver 13 semanas (como foi o caso do 1.º período do presente ano lectivo) o professor gasta (gastou) um total de 78 horas, nesta tarefa.

2. Elaboração de testes. Imaginemos que este professor realiza, em média, por período, 4 testes (entre testes de diagnóstico, formativos e sumativos) em cada turma. Significa que tem de elaborar 20 testes (suponhamos: 12 testes sumativos, mais 4 testes de diagnóstico e mais 4 testes formativos — considerando que dá o mesmo teste diagnóstico e o mesmo teste formativo às três turmas do 9.º ano...). Vamos imaginar agora que ele gasta, em média, uma hora para conceber e redigir cada teste. Quer dizer que consome, num período lectivo, 20 horas, neste trabalho.

3. Correcção de testes. Este professor tem 168 alunos. Isto implica que ele corrige, num período, 672 testes (entre testes de diagnóstico, formativos e sumativos). Os tempos de correcção destes testes variam muitíssimo (em função do tipo de teste e do nível de ensino), mas vamos supor que ele consome, em média, 15 minutos para corrigir cada prova (o que, em algumas disciplinas, seria um autêntico milagre, mas vamos aceitar que sim, que é este o tempo médio, admitindo que os testes de diagnóstico são bastante mais rápidos de corrigir e os restantes mais demorados, em particular, os sumativos), no total gastará 168 horas, para a correcção de todos os testes, durante um período lectivo (672 testes x 15 minutos = 10080 minutos = 168 horas).

4. Correcção de trabalhos de casa. Consideremos que este professor manda realizar trabalhos para casa, em média, duas vezes por mês, e que demora, em média, 5 minutos, a corrigir cada trabalho. Num período com 13 semanas, corrigirá seis trabalhos de cada aluno. No total, consumirá 84 horas nessa correcção (168 trabalhos x 6 x 5 minutos = 5040 minutos = 84 horas).

5. Correcção de trabalhos individuais e/ou de grupo. Vamos supor que este professor manda realizar, em média, um trabalho de grupo, por período, e que cada grupo é composto por 4 alunos, o professor terá de corrigir 42 trabalhos. Vamos imaginar que demora cerca de 30 minutos a corrigir cada um deles, teremos então um total de 21 horas.

6. Investigação. Consideremos que o professor dedica, em média, 2 horas por semana a investigar. Dá, no período, 26 horas (2h x 13 semanas).

7. Acções de formação contínua. Todos os professores têm a obrigatoriedade de frequentar acções de formação. Isto significa que, no mínimo, cada professor consome, por ano lectivo, 25 horas mais as horas de elaboração do trabalho para essa formação (vou considerar 5 horas para esse efeito). Estas 30 horas distribuídas pelo ano, significam, em média, 10 horas de trabalho, por período lectivo.

Vamos agora somar: 78h+20h+168h+84h+21h+26h+10h = 407 horas.

A estas 407 horas têm de ser somadas as horas lectivas mais as horas de estabelecimento. No caso concreto deste professor, significa 20 horas lectivas mais 5 horas de estabelecimento (sala de estudo, apoio pedagógico, etc.), o que corresponde a 22 horas (de 60 minutos), por semana. No total do período (13 semanas), perfaz 286 horas.
Somando 407+286h, obtemos o total de 693 horas.
No final de cada período, realizam-se conselhos de turma de avaliação. No mínimo, este professor, que temos estado a seguir, consumiu, em reuniões, onze horas e meia (duas horas em cada conselho de turma do ensino básico e uma hora e meia no conselho turma do ensino secundário). Como também esteve na equipa de conferência dos documentos de avaliação, trabalhou ainda mais quatro horas.
Temos pois de adicionar às 693 horas mais 15 horas — o resultado é de 708 horas.
A estas 708 horas têm de ser acrescentadas, no mínimo, 6 horas relativas a conselhos de turma intermédios (realizados entre Outubro e Novembro) e, no mínimo, cerca de 16 horas relativas a conselhos de turma iniciais e/ou extraordinários, a reuniões de directores de turma e/ou reuniões de grupo disciplinar, realizadas no início do ano escolar e durante o período, e a trabalhos de planificação de médio e longo prazo.
Para ficarmos com um número redondo, vou considerar que este professor trabalhou 730 horas no período passado, isto é, de 1 de Setembro a 31 de Dezembro.
Ora este período de tempo corresponde a 17 semanas de trabalho, que é o equivalente a 595 horas (35 horas x 17 semanas).
595 horas é portanto o número de horas que um professor teria de trabalhar desde o dia 1 de Setembro até ao dia 31 de Dezembro, todavia, um professor, em média, trabalha/trabalhou, no mínimo, cerca de 730 horas!! 
A diferença é de 135 horas a mais, o que significa quase 4 semanas de trabalho suplementar, num só período lectivo!

Contudo, nestas contas, que foram trabalhadas com tempos muito reduzidos, não entraram as horas suplementares que um professor trabalha quando realiza um visita de estudo, nem as aulas suplementares que voluntariamente lecciona de preparação dos alunos para exame, nem o apoio que voluntariamente presta a alunos e pais, nem os intervalos que deixa de ter para falar com os alunos, nem actividades extracurriculares que desenvolve, nem...
Evidentemente que estes são resultados médios. Evidentemente que há professores que têm um horário ainda mais sobrecarregado (os que estão no início da carreira) e professores que não têm um horário tão sobrecarregado (os que estão no fim da carreira). Contudo, seja qual for a situação, qualquer professor, para cumprir com competência os seus deveres profissionais, trabalha muitas mais horas do que aquelas a que está obrigado e em função das quais recebe o seu vencimento. Os professores são credores de muitos horas de trabalho ao Estado. O Estado tem uma colossal dívida para com os professores.
Pretender acrescentar mais cinco horas semanais de trabalho ao horário dos docentes é, por parte de quem governa, irresponsabilidade e barbárie.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Bonecos de palavra

Bill Watterson, O Indispensável de Calvin & Hobbes, Gradiva.
Para ampliar, clicar na imagem.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

«Bullying» e quadros de honra

Há dias tive o prazer de assistir à apresentação do livro Plano Bullying, de Luís Fernandes e Sónia Seixas, Plátano Editora. Foi um prazer porque o livro resulta de um trabalho muito importante realizado nas escolas, junto de agressores e vítimas de bullying, e também porque o psicólogo Luís Fernandes é um meu ex-aluno, e nós, professores, ficamos particularmente satisfeitos quando vemos os nossos ex-alunos desenvolverem trabalho sério e competente.
Das múltiplas informações transmitidas acerca do fenómeno bullying e dos complexos problemas que o envolvem, retenho uma história narrada pelo Luís Fernandes, cujo essencial pode ser assim descrito: na sua função de psicólogo, fazendo ele o acompanhamento de alunos-vítimas e de alunos-agressores, perguntou a um destes como é que procedia para escolher as vítimas: se tinha algum critério, se seguia alguma estratégia, enfim, se delineava algum plano para a selecção dos «candidatos» a mártires. A resposta que o aluno-agressor deu foi: «Não tenho nenhuma estratégia, vou à ementa». Surpreendido, o Luís Fernandes perguntou-lhe: «À ementa?! E o que é a ementa?». O aluno teve então a oportunidade de explicar que a ementa era o quadro de honra da escola: «É uma autêntica ementa, é chegar lá, ver e escolher.»
Ou seja, aquilo que, para alguns políticos, para alguns professores e para alguns pais, é o superlativo modo de premiar o mérito, para alguns alunos-agressores, é o superlativo instrumento ao serviço do bullying. 
Os quadros de honra não são fruto de um pensamento pedagógico, são fruto de uma ideologia. Da ideologia que vê e que pretende que todos vejam o mundo como uma natural e permanente corrida, em que diariamente todos competem com todos, mas que, contraditoriamente, também considera que é necessário acenar com prémios, pódios, medalhas e honrarias, para não fazer perigar a existência da dita corrida — e para que, acrescentam, se faça justiça aos corredores. Para esta ideologia, sendo a vida naturalmente uma correria, todos somos corredores: as empresas correm/concorrem/competem entre si, os profissionais, dentro das empresas, correm/concorrem/competem entre si, os cientistas correm/concorrem/competem entre si, os artistas correm/concorrem/competem entre si, as escolas correm/concorrem/competem entre si, os docentes correm/concorrem/competem entre si, os alunos correm/concorrem/ competem entre si, etc., etc.
A partir daqui, alguns políticos e alguns professores ideologicamente convictos de que a vida é isto, consideraram-se no direito de impor aos alunos os quadros de honra.
O que é muito difícil compreender é que, por um lado, se diga que faz parte da natureza humana competir e, em simultâneo, se considere ser necessário premiar para que os seres humanos não deixem de competir... Também é muito difícil compreender que, sendo, do ponto de vista desta ideologia, a vida naturalmente uma corrida, se deva entregar prémios a quem afinal mais não faz do que realizar aquilo que supostamente está na sua natureza.

Não há indicadores de que um excelente aluno necessite do incentivo do quadro de honra para ser um excelente aluno, mas de que os quadros de honra podem funcionar como um incentivo para o bullying disso já temos indicadores.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Nacos

«Mas, ao olhar para o rosto do outro, apercebeu-se de como aquele embusteiro era velho. Oitenta e cinco anos, pelo menos, com manchas de fígado cor de sépia, desde a testa que mais parecia um pergaminho até ao pescoço franzido, um ar de inanidade no maxilar frouxo e um lábio inferior pendente e molhado, ligeiramente trémulo. Claro que os velhos tinham de passar à frente. Tinham menos tempo. Estavam quase mortos. Tinham mais pressa do que ele e impunha-se o perdão, ou mesmo um pedido de desculpa. Mas o velho desvanecera-se, ficara para trás, fora do alcance da vista, numa situação desfavorável. Era tarde de mais para lhe oferecer um lugar favorável na fila.
E foi assim que Beard, o implacável flagelo dos fracos, apareceu perante uma funcionária da imigração, um tanto ou quanto humilhado, com um pouco de aversão por si mesmo e, por conseguinte, não tão surpreendido por a sua fotografia ou a sua altura, a sua data de nascimento ou a sua parentela poderem ser uma fonte de suspeita e suscitarem um certo franzir de sobrolho por parte de alguém entendido na matéria. A funcionária passou as folhas do passaporte numa sequência rápida, olhou de relance para Beard, voltou a passá-las para trás e, em seguida, após um momento de reflexão, colocou o documento virado para baixo sobre um scanner. Teria vinte e muitos anos, possivelmente menos do que metade da idade dele. Beard suspeitou que o país de origem dos pais dela devia ser a Etiópia. Se agora ela deslizasse do banco alto, saísse do lugar e se desembaraçasse dos sapatos de salto alto, mesmo assim devia ter quase mais vinte centímetros do que ele.
Beard era rotundo, tinha movimentos lentos e estava afogueado — e atrasado. Ela estava harmoniosamente sintonizada com a sua tarefa do momento: guardiã das portas da nação contra os indesejáveis. Observou-a a olhar fixamente para os pormenores a seu respeito no ecrã, enquanto a mão direita, ligeiramente arroxeada na palma, adejava despreocupada sobre o teclado em busca de qualquer outro ângulo sobre ele, de uma perspectiva mais profunda, como Beard de súbito ficou esperançado. Das altas traves internas do átrio da imigração pareceu abater-se um silêncio semelhante a neve espessa, uma frialdade deliciosa, e toda a sensação de pressa o abandonou. Aquela pele de textura fina, absorvente da luz, amante da luz, aquelas maçãs do rosto elevadas (ele via apenas uma) com uma depressão ligeira e uma curva bem delineada, aqueles olhos castanhos a repousarem com gravidade no seu processo, aquela união feliz, ou assim lhe pareceu, de graça e inteligência. Havia milénios, sob frescos dosséis, em qualquer reduto deserto e recôndito, os genes de uma gazela haviam penetrado no património genético humano local. Essa fantasia de miscigenação podia ser uma forma de racismo ou de simples adoração, mas, de qualquer forma, ele não estava com disposição para a eliminar.»
Ian McEwan, Solar, Gradiva.