terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Nacos

«Quando estas voltas da minha avó pelo jardim tinham lugar depois do jantar, havia uma coisa com o poder de a fazer regressar: era, num dos momentos em que o giro do seu passeio a fazia passar periodicamente, como um insecto, diante das luzes da saleta onde eram servidos os licores na mesa de jogo, quando a minha tia-avó lhe gritava: "Bathilde! Vê lá se vens impedir o teu marido de beber conhaque!" Com efeito, para a arreliar (ela trouxera para a família do meu pai um espírito tão diferente que toda a gente brincava com ela e a apoquentava), como os licores estavam proibidos a meu avô, a minha tia-avó dava-lhe a beber algumas gotas. A minha pobre avó entrava e rogava ardentemente ao marido que não tocasse no conhaque; ele zangava-se, bebia mesmo assim a sua golada, e a avó ia-se embora triste, desanimada, mas apesar de tudo sorridente, porque era tão humilde de coração, e tão doce, que a sua ternura pelos outros e o pouco caso que fazia da sua própria pessoa e dos seus sofrimentos se lhe conciliavam no olhar, num sorriso onde, ao contrário do que se vê no rosto de muitos humanos, só para ela própria havia ironia, enquanto para nós todos havia como que um beijo de olhos, que não podiam ver aqueles que amava sem os afagar apaixonadamente com o olhar.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - Do Lado de Swann, Relógio D'Água.