terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

«Bullying» e quadros de honra

Há dias tive o prazer de assistir à apresentação do livro Plano Bullying, de Luís Fernandes e Sónia Seixas, Plátano Editora. Foi um prazer porque o livro resulta de um trabalho muito importante realizado nas escolas, junto de agressores e vítimas de bullying, e também porque o psicólogo Luís Fernandes é um meu ex-aluno, e nós, professores, ficamos particularmente satisfeitos quando vemos os nossos ex-alunos desenvolverem trabalho sério e competente.
Das múltiplas informações transmitidas acerca do fenómeno bullying e dos complexos problemas que o envolvem, retenho uma história narrada pelo Luís Fernandes, cujo essencial pode ser assim descrito: na sua função de psicólogo, fazendo ele o acompanhamento de alunos-vítimas e de alunos-agressores, perguntou a um destes como é que procedia para escolher as vítimas: se tinha algum critério, se seguia alguma estratégia, enfim, se delineava algum plano para a selecção dos «candidatos» a mártires. A resposta que o aluno-agressor deu foi: «Não tenho nenhuma estratégia, vou à ementa». Surpreendido, o Luís Fernandes perguntou-lhe: «À ementa?! E o que é a ementa?». O aluno teve então a oportunidade de explicar que a ementa era o quadro de honra da escola: «É uma autêntica ementa, é chegar lá, ver e escolher.»
Ou seja, aquilo que, para alguns políticos, para alguns professores e para alguns pais, é o superlativo modo de premiar o mérito, para alguns alunos-agressores, é o superlativo instrumento ao serviço do bullying. 
Os quadros de honra não são fruto de um pensamento pedagógico, são fruto de uma ideologia. Da ideologia que vê e que pretende que todos vejam o mundo como uma natural e permanente corrida, em que diariamente todos competem com todos, mas que, contraditoriamente, também considera que é necessário acenar com prémios, pódios, medalhas e honrarias, para não fazer perigar a existência da dita corrida — e para que, acrescentam, se faça justiça aos corredores. Para esta ideologia, sendo a vida naturalmente uma correria, todos somos corredores: as empresas correm/concorrem/competem entre si, os profissionais, dentro das empresas, correm/concorrem/competem entre si, os cientistas correm/concorrem/competem entre si, os artistas correm/concorrem/competem entre si, as escolas correm/concorrem/competem entre si, os docentes correm/concorrem/competem entre si, os alunos correm/concorrem/ competem entre si, etc., etc.
A partir daqui, alguns políticos e alguns professores ideologicamente convictos de que a vida é isto, consideraram-se no direito de impor aos alunos os quadros de honra.
O que é muito difícil compreender é que, por um lado, se diga que faz parte da natureza humana competir e, em simultâneo, se considere ser necessário premiar para que os seres humanos não deixem de competir... Também é muito difícil compreender que, sendo, do ponto de vista desta ideologia, a vida naturalmente uma corrida, se deva entregar prémios a quem afinal mais não faz do que realizar aquilo que supostamente está na sua natureza.

Não há indicadores de que um excelente aluno necessite do incentivo do quadro de honra para ser um excelente aluno, mas de que os quadros de honra podem funcionar como um incentivo para o bullying disso já temos indicadores.