segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Banca, uma elite que nos arruina

Durante vários anos, ouvimos, regular e insistentemente, que os nossos banqueiros e os seus gestores pertenciam ao grupo do melhor que havia na Europa e no mundo, no domínio financeiro. Ouvimos, regular e insistentemente, que a nossa banca estava na vanguarda da inovação e que a sua solidez era superior à de muitos dos maiores bancos estrangeiros. 
E esta elite, com sobranceria, reluzia pelos corredores do poder. Conduzia negócios, punha e dispunha, discriminava financiamentos, garantia redes de interesses, alimentava especulações e aliciava as classes média e baixa para o consumismo e para o endividamento incontrolados. Simultaneamente, em fins-de-semana ou em noites quentes de Verão, organizava festas sumptuosas nas quintas, nas herdades, dos «seus» Alentejos e dos «seus» Algarves, ou nos «seus» hotéis da capital. Para além dos corredores do poder, também os corredores da fama estavam à sua disposição, com a cumplicidade subserviente e acéfala de órgãos de comunicação social. Jornais e televisões davam páginas e horas de publicidade e de engrandecimento a tudo que era evento organizado por estes protagonistas: festas de aniversário, de casamento, de baptizado, de noivado, de Verão, festa comemorativa, festa evocativa, festa porque sim e porque não eram objecto de permanentes mesuras mediáticas. Esposos, filhos, tios, primos, imensas amigas e imensos amigos enfileiravam assiduamente para a pose em frente às máquinas dos repórteres, que tinham a função, coadjuvados pelos designados «colunistas sociais», de propagandearem a notícia, de levarem ao comum dos mortais aquele glamour exclusivo.
Este mundo era o mundo modelo: quem dele fazia parte supostamente merecia essa pertença, pela sua alegada competência, pela sua alegada excelência, pela sua alegada competitividade e pela sua alegada moralidade. Constituía o paradigma da eficiência, da inteligência e dos bons costumes. À massa dos anónimos restava manifestar sentimentos de gratidão (pela sorte de haver uma elite assim preparada) e de humildade (perante a grandiosidade dos escolhidos).

Agora, ao fim destes anos de encenação orquestrada, de mitos construídos e de crimes escondidos, estamos cientes de que esta elite é uma das responsáveis (conjuntamente com a elite empresarial e a elite política que nos tem governado) pelo que de pior o nosso país está a passar. Na verdade, não há país que resista a uma ininterrupta amálgama de criminalidade, de corrupção e/ou de incompetência. A lista parece não ter fim: BPN, BPP, BCP, BES/NOVO BANCO, CGD, MONTEPIO, são siglas que não representam apenas instituições bancárias, são siglas que significam processos onde actos criminosos, actos de corrupção e/ou actos incompetentes se repetiram ao longo de anos e que contribuíram de forma determinante para a ruína do país, cujo o último episódio é o do BANIF, com mais uns milhares de milhões de euros que os contribuintes vão ter de desembolsar. Ao todo, já foram delapidados milhares de milhões de euros, que a designada massa anónima está a pagar e vai continuar a pagar, retirando a si própria verbas que poderiam e deveriam ser investidas na Saúde, na Educação, na Segurança Social, em investimento Público. É a massa dos anónimos que retira verbas dos seus salários e das suas pensões e que perde empregos para pagar a depradação e o esbulho levados a cabo pelos protagonistas da elite da excelência, da competitividade, da competência e da moralidade.
A estes responsáveis directos juntam-se os responsáveis indirectos, isto é, os dirigentes políticos e os dirigentes da entidade fiscalizadora (Banco de Portugal) que por omissão ou conivência ou subserviência possibilitaram ou ajudaram a que estas situações ocorressem. E a tudo isto junta-se ainda a vergonhosa inépcia da Justiça portuguesa. Os processos arrastam-se ano após ano e a impunidade prevalece. 
Tudo isto é inaceitável, mas tudo isto continua a existir, com a complacência da designada massa anónima.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Novamente as listas

Do mesmo modo que existe a época da caça, e a época de outras actividades, também existe a época das listas. Refiro-me a umas listas de escolas que alguns jornais e estações de televisão publicam por esta altura do ano. Costumam chamar-lhes rankings. Prefiro chamar-lhes listas, porque um ranking é uma classificação, uma graduação, ora as listas das escolas que anualmente aparecem nos órgãos de comunicação social são uma falsa classificação, são uma falsa graduação, nada dizem acerca do que alegadamente deveriam graduar ou classificar: as supostas melhores escolas. Do ponto de vista desta finalidade, são uma mentira. A falta de seriedade destas listas tem sido exaustivamente denunciada, mas o carnaval das listas, a farsa das listas, ou o que se lhe quiser chamar, continua. Anualmente, despudoradamente, pornograficamente.
É verdade que o movimento talibã que deu origem a esta coisa das listas tem perdido fulgor e agora sempre que as listas vêm a público vêm acompanhadas de muitos mas, de muitos poréns, de muitos contudos. Começa a existir alguma vergonha naqueles que as publicitam — todavia, é uma vergonha inconsequente, porque ainda não os inibe de prosseguirem. 

É neste contexto que quase todos os órgãos de comunicação social passaram a acompanhar a publicitação das listas com entrevistas sobre o tema. Curiosamente, muitos dos entrevistados enredam-se em contradições terríveis, porque, sem se perceber muito bem porquê, pretendem agradar a todos. 
Um exemplo disso é entrevista que o Expresso faz a Ana Balcão Reis, na edição desta semana.
A entrevistada afirma, e bem, que «os rankings não têm em conta informações relevantes para avaliar a qualidade da escola». Diz, e bem, que os rankings não têm em conta «a percentagem de estudantes que vão a exame, [a percentagem] dos que passam, as características da população de cada estabelecimento e que condicionam os resultados que é possível obter, [nem têm em conta] outras componentes do ensino que são importantes e que não são avaliadas em exame.» Chama a atenção, e bem, para um facto essencial: «as escolas públicas tendem a receber os alunos de meios socioeconómicos mais desfavorecidos e cujos pais têm níveis de escolaridade mais baixos. [E] os estudos em Economia da Educação mostram que o nível de escolaridade dos pais é uma determinante fundamental dos resultados escolares dos filhos.» Acrescenta ainda, e bem, que «não chega estar bem classificada no ranking para se poder dizer que é uma boa escola» e que «focar demasiado nos exames pode ser um resultado negativo.»

Ana Balcão Reis, depois de enunciar estas premissas, conclui, sem se conseguir saber muito bem como, que os rankings são «uma abertura ao escrutínio exterior, é algo de muito positivo e estou convencida que contribui para a melhoria da qualidade. [...] Os rankings ajudaram a que houvesse mais informação sobre os estabelecimentos de ensino.»
Depois de ter apresentado um vasto conjunto de premissas que afirmam, de modo claro, que os rankings não têm em conta informação relevante e a informação determinante, para se saber se uma escola é boa ou não, Ana Balcão Reis conclui precisamente o contrário do que as premissas permitem concluir. É surpreendente, mas é assim. A dislexia lógica também existe. Um aluno de Lógica que, numa prova, apresentasse um raciocínio assim estruturado teria zero na resposta.
É inacreditável que, depois de se constatar a inexistência de informação fundamental, se possa dizer que há escrutínio. É inacreditável que, depois de se afirmar que estar bem classificado no ranking não significa ser uma boa escola, se diga que os rankings ajudam na melhoria da informação. É inacreditável que, depois de se ter dado a entender que com toda a informação os resultados dos rankings poderiam ser muito diferentes (isto é, uma escola que agora está na parte superior de um ranking poderia ir parar à parte inferior do mesmo, ou o inverso), se diga que estamos perante algo muito positivo para o conhecimento das escolas.

Na verdade, o que aquelas premissas permitem concluir é o contrário: as listas de escolas são uma mentira informativa e, do ponto de vista educativo, são uma iniquidade.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Da mediocridade de Passos à incerteza de Costa

Imagem de Emília Duarte
1. A discussão do programa do Governo no parlamento teve vários momentos que serviram, uma vez mais, para mostrar a mediocridade política de muitos dos deputados que ali se sentam. Passos Coelho e Portas são lideres dessa mediocridade e seus protagonistas. Acusar o novo governo de ilegítimo e o novo primeiro-ministro de ter sido escolhido nas costas do povo é uma forma ordinária de fazer política. Aqueles que se afirmam insistentemente como os melhores defensores da democracia representativa são também os primeiros a insultá-la, quando as regras dessa democracia representativa não se coadunam com a satisfação do seus interesses. 
Ilegitimidade política houve quando, há quatro anos, uma maioria foi eleita mentindo aos eleitores. Essa é que é a verdadeira ilegitimidade: mentir, para ganhar votos.

2. Ainda não sabemos se António Costa chegou a acordo com os partidos da esquerda parlamentar por convicção ou por tacticismo. Ainda não sabemos se considera que esse é o caminho que o PS deve seguir ou se vai por este caminho apenas porque não queria perder o poder dentro do seu partido. A inclusão de ex-ministros de Sócrates, que com ele tiveram uma cumplicidade total, suscita evidentemente objecções. Circunstância a que se junta o facto de, entre esses ministro, ter escolhido, para um governo apoiado pelo BE e pelo PCP, alguém como Santos Silva que considera aqueles dois partidos as «forças mais conservadoras e reaccionárias que conheceu na vida», e em relação às quais sente especial prazer em «malhar». Ou António Costa não leva a sério o que Santos Silva diz, vendo-o como um fala-barato útil que hoje diz uma coisa e amanhã o seu contrário, que hoje malha nuns e amanhã malha noutros, que hoje está com um líder e amanhã está com qualquer outro,  ou António Costa não está verdadeiramente empenhado nos acordos que celebrou. 

3. A concretização de uma política que valorize o trabalho e que vise combater as pornográficas desigualdades sociais de que o país enferma dependerá essencialmente da acção que BE e PCP venham a desenvolver, porque não está na tradição do PS fazer rupturas dessa natureza. Isto significa que BE e PCP têm de realizar um escrutínio permanente e rigoroso a toda a política governativa, de modo a não permitirem que os inúmeros e fortíssimos grupos de pressão (de patrões, de financeiros, de grandes escritórios de advogados, etc.) que existem dentro do PS façam valer os seus interesses, que em nada coincidem com os interesses de grande parte dos portugueses.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Como se chega a ministro da Educação?

Quando se escolhe um ministro, presume-se que essa escolha obedeça a critérios. 
Certamente que o primeiro critério consiste numa avaliação política: um ministro tem de possuir cultura política própria e tem de possuir a confiança política de quem o escolhe. O segundo critério consiste, certamente, numa avaliação do conhecimento que o futuro ministro tem da pasta que vai abraçar. (É claro que existem outros critérios, mas de natureza diferente, que não me interessam, porque quase todos eles repugnam).
O processo de escolha de alguns dos ministros do novo governo respeitou, de forma evidente, os dois critérios referidos (independentemente do juízo que sobre eles se faça), contudo, relativamente ao processo de escolha de alguns outros ministros já não é óbvio que os mesmos critérios tenham sido respeitados.

Uma das escolhas que parece ter resultado de uma metodologia diferente é a escolha do novo ministro da Educação. Digo parece, porque a realidade muitas vezes não coincide com o que dela vemos. Mas parece, de facto, que a escolha de Tiago Brandão Rodrigues para ministro da Educação não respeitou os dois critérios acima enunciados.
Este jovem respeitado investigador não tem «evidências» públicas (utilizo propositadamente o termo «evidência» porque é um termo muito querido nos meios de investigação das ciências experimentais, a que agora quase toda a gente acriticamente aderiu...), não tem «evidências» públicas, dizia eu, de cultura política, no sentido substantivo e nobre do conceito. Não são conhecidos registos seus, escritos ou orais, de intervenções, discursos, entrevistas ou comunicações que, com alguma densidade, versassem problemas ou temas políticos. Ele próprio, nas entrevistas que tive oportunidade de ler, define-se como um cientista. Cientista evidentemente e saudavelmente interessado na política, como qualquer cidadão responsável o deve ser, mas não significativamente iniciado na cultura política. Não havendo cultura política, o outro requisito fundamental para ser ministro, que é a confiança política, passa a ter pouco sentido. Na realidade, em casos assim, tratar-se-á mais de confiança pessoal do que política a que existe entre quem escolheu e quem foi escolhido.
Deste ponto de vista, portanto, a escolha de Tiago Brandão Rodrigues não se torna evidente. Isto, repito, tendo por base as «evidências» públicas.

O segundo critério, que acima mencionei, assenta na avaliação do conhecimento que o futuro ministro tem da pasta que vai abraçar. Ora, respeitando este critério, o processo que conduziu à escolha de Tiago Brandão Rodrigues ainda se torna menos perceptível.
Este investigador não foi escolhido para ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior, que é a área onde trabalha, que é a área que conhece. Este investigador foi escolhido para ser ministro da Educação, tutelando o sistema educativo não superior, que é a área em que ele não trabalha, que é a área que ele não conhece. A verdade é que não são conhecidos registos seus, escritos ou orais, de intervenções, discursos, entrevistas, livros ou comunicações que, com alguma densidade, versassem problemas relativos ao nosso sistema educativo não superior. Pelo contrário, as poucas opiniões publicadas (ainda que muito genéricas) proferidas por Tiago Brandão Rodrigues sobre estas matérias, referem-se à ciência e à investigação. Áreas, aliás, onde, nessas entrevistas, mostrou claro desejo de intervir. Mas, surpreendentemente, Tiago Brandão Rodrigues foi escolhido para uma pasta muito diferente, a pasta da Educação.

Esta pasta é, reconhecidamente, uma das mais difíceis de qualquer governo, quer pela dimensão da sua área de competência quer pela complexidade e diversidade dos problemas que enfrenta. É uma pasta que exige elevada preparação política e elevado conhecimento especializado. Não é uma pasta para a qual se possa ir com a ideia de que os primeiros seis meses são para folhear os dossiês e o restante tempo para ir resolvendo problemas. Ou, mais grave ainda, não é uma função que se possa aceitar só porque se julga ter uma meia dúzia de ideias gerais e muito voluntarismo.
O PS tinha particular obrigação de saber isto. As duas últimas escolhas que fez para o Ministério da Educação foram catastróficas. E o PS deveria saber que a seis anos de dislates gravíssimos de política educativa, da sua responsabilidade, se juntaram mais quatro anos de desastre de sinal oposto. A educação, no nosso país, está um caco.
Por isso, o novo ministro da Educação necessitaria de ter um grande conhecimento da situação em que se encontra o sistema educativo, dos graves problemas de que enferma e das causas que os geraram. Necessitaria de ter propostas pensadas, debatidas, escrutinadas. Necessitaria de ter um rumo a propor (a propor e não a impor).
E precisaria de ter uma grande capacidade política para liderar, para dialogar e, acima e tudo, para mobilizar todos os agentes educativos, de modo a poder começar a colar os cacos que os seus antecessores deixaram. E, depois, ainda precisaria de ter força política para, dentro do seu governo, romper com o passado das políticas educativas do partido que o convidou para ministro.
Infelizmente, as «evidências» que existem sobre o novo ministro da Educação não nos deixam grande esperança de que isto possa vir a acontecer. Se tem consistência e força políticas, elas estão ocultas; se tem os conhecimento necessários, eles estão ocultos.

Desejo, contudo, para o bem da Educação, que a realidade não venha a confirmar estas dúvidas.