Horta Osório tem sido apresentado como um gestor modelo. Dos melhores do mundo. Como o exemplo a seguir. Como a corporização do que a excelência da gestão pode alcançar. Tem sido venerado pelos iniciados, pelos leigos, pelos jornalistas «económicos», pelas revistas cor-de-rosa e pelo «novo-riquismo» político, que vê sempre em cada gestor um protótipo de uma «liderança forte».
Mas, em Outubro último, Horta Osório teve aquilo que, em terminologia usual, se designa por esgotamento nervoso — em terminologia aplicada a gestores, administradores e homens da finança, a designação é um pouco diferente: teve «alguns problemas de saúde relacionados com a exaustão». Se se preferir uma terminologia ainda mais depurada, Horta Osório falhou «num teste de stresse».
Um anónimo cidadão que sofra de um esgotamento nervoso, é enviado para casa com vários medicamentos que, entre outras coisas, o põem a dormir muitas horas durante vários dias. No caso de gestores, administradores e homens da finança, procede-se a um retiro para repouso. Foi o que o nosso gestor fez. O retiro foi realizado numa clínica especializada em «recuperação do sono».
Esta semana, saiu a notícia de que Horta Osório vai regressar, no próximo dia 9 de Janeiro, ao seu posto de CEO do Lloyds Bank, em Londres.
Pondo de lado o folclore em torno da dicotómica e caricata terminologia jornalística, vale a pena observar agora como em torno da auréola da «excelência», da «eficácia» e de «competência» da classe dos gestores se constrói uma mitologia, de origem ideológica, que o escrutínio da realidade desmente.
Na verdade, a recorrentemente elogiada gestão superlativa de Horta Osório, se for submetida a avaliação segundo os parâmetros do bê-á-bá da gestão, sai reprovada:
i) Horta Osório falhou uma regra elementar de um gestor: ser capaz de se gerir a si próprio;
ii) Horta Osório falhou uma outra regra elementar da gestão: as consequências da acção de um gestor não podem induzir incertezas e/ou imprevistos no sistema — ora, a repentina saída de Horta Osório, em Outubro, trouxe imediata desestabilização interna e externa ao banco;
iii) Horta Osório falhou uma terceira regra básica: o trabalho e o lazer têm de ser equilibrados — mas o gestor-modelo tinha o hábito de marcar reuniões de trabalho para os domingos, porque, no seu entendimento, é o dia em que se tem mais «tempo para pensar nas nossas reais dificuldades».
Agora, depois do «incidente», Horta Osório pensa de outra forma: «O meu estilo de gestão vai ter de mudar. Vai tornar-se menos focado na gestão do dia a dia e terá mais a ver com a liderança». A administração do banco confirma: «Horta Osório vai ter de descentralizar tarefas e de dar mais poder à sua equipa de gestão».
Como se pode ver, os erros cometido por Horta Osório são básicos, são erros de palmatória, mas foram cometidos. E foram cometidos por um dos designados gestores de topo, que, apesar de assim ser considerado, não sabia coisas elementares como: liderar não é gerir os pormenores do dia-a-dia; ou os dias de descanso são tão necessários como os dia de trabalho (mesmo pelo estrito critério dos interesses empresariais). Aquilo que qualquer aprendiz de empregado de escritório sabe, Horta Osório não sabia, ou, pior ainda, se sabia, agiu como se não soubesse. A terceira hipótese, alternativa ou cumulativa, é a de Horta Osório ter sucumbido à voracidade mortífera da necessidade de mostrar «resultados».
Naturalmente, este comentário não visa Horta Osório, visa, sim, a mentira que o «novo-riquismo» político difunde e alimenta: a crença de que o presente e o futuro dependem da classe dos gestores. Horta Osório, sendo um gestor da mais elevada reputação, constitui um exemplo particularmente significativo de três coisas: de que a falibilidade da classe dos gestores é idêntica à de qualquer outra classe profissional; de que a gestão, seja ela qual for, tem de ser partilhada por uma equipa, que deve ser multidisciplinar; e, fundamentalmente, de que a voracidade dos «resultados» colide com o bem-estar humano.