terça-feira, 31 de março de 2015

Reavivando a memória - 1

 «A Segunda Guerra Mundial conta-se entre os conflitos mais devastadores da história da humanidade: mais de quarenta e seis milhões de militares e civis pereceram, muitos eles em circunstâncias de uma crueldade prolongada e terrível. [...] Não foram apenas quarenta e seis milhões de vidas que foram aniquiladas, mas a vida e a vitalidade vibrantes que elas tinham recebido como herança e poderiam ter legado aos seus descendentes: uma herança de trabalho e alegria, de luta e criatividade, de saber, esperanças e felicidade, que ninguém viria a receber ou a transmitir. [...] 
   O objectivo de Hitler ao invadir a Polónia não era apenas recuperar os territórios perdidos em 1918. Era também seu intento sujeitar a Polónia ao jugo alemão. [...] 
   Aldeias inteiras foram incendiadas e destruídas até aos alicerces. Em Truskolasy, a 3 de Setembro [de 1939, terceiro dia da invasão da Polónia pela Alemanha], cinquenta e cinco camponeses polacos foram cercados e abatidos a tiro, incluindo uma criança de dois anos. Em Wieruszow, vinte judeus foram reunidos na praça do mercado, entre os quais Israel Lewi, um homem de sessenta e quatro anos. Quando a sua filha, Liebe Lewi, correu para junto do pai, um alemão mandou-a abrir a boca por ter dado mostras de "falta de respeito". Depois disparou-lhe uma bala para dentro da boca. Liebe Lewi caiu morta no chão. Os vinte judeus foram em seguida executados. 
  Nas semanas que se seguiram, semelhantes atrocidades eram vulgares, frequentes, praticadas numa escala sem precedentes.»
Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, D. Quixote e Expresso. 

quarta-feira, 25 de março de 2015

A cultura de não responsabilização

Imagem de António Matias
De um modo que impressiona, vivemos numa cultura de absoluta não responsabilização. Em Portugal, ninguém é responsável por nada de negativo que ocorra. Na verdade, raramente se vê uma personagem pública assumir erros, sejam eles pequenas falhas ou sejam comportamentos gravosos. Nos últimos anos, esta desgraçada realidade tornou-se banal e invadiu-nos o quotidiano. Temos sido quase diariamente confrontados com situações inacreditáveis, em que os mais altos responsáveis, sejam políticos, sejam financeiros ou empresariais, fogem sistematicamente à assunção dos actos que cometem, à avocação das opções que fazem ou das decisões que tomam. E fazem-no com um à vontade que revela não só um absoluto desrespeito por quem os elegeu e/ou por quem foi vítima da sua negligência ou da sua incompetência, como denota bem os valores que orientam as condutas das nossas elites.
Alguns exemplos recentes.

A nível político. Há quatro anos, o país estava prestes a entrar em bancarrota, todavia, o primeiro-ministro do governo da altura, José Sócrates, considerou-se, como ainda hoje se considera, desresponsabilizado por essa situação. Como é explicável que um chefe de governo se tenha como isento de responsabilidades na falência do país que governa? E como é possível aceitar que, posteriormente, o protagonista desta situação tenha passado a ocupar espaço e tempo mediáticos (o que deixou de fazer, porque, entretanto, foi preso) propagandeando uma indecorosa narrativa de vitimização e de auto-absolvição? Como é possível que o próprio se permita desempenhar esse papel e como é possível que a sociedade o tolere?
Teixeira dos Santos, à época, ministro das Finanças, não pediu desculpas por ter gerido mal os dinheiros públicos e por ter permitido que a dignidade da nação tivesse sido atingida. Pelo contrário, não se coibiu nem se coíbe de fazer conferências pelo país, onde emite pareceres e conselhos sobre a nossa política económica e financeira. Que valores ético-políticos sustentam este tipo de comportamento?
Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, foi condenada a três anos e seis meses de prisão, com pena suspensa, por prevaricação de titular de cargo político. Nunca assumiu a culpa do acto que esteve na base desta sentença. Inversamente, declarou-se vítima da instrumentalização das instituições da Justiça nos conflitos político-partidários. A tentativa de inversão da realidade é uma constante, por parte destes protagonistas.
Nuno Crato e João Casanova, respectivamente ministro da Educação e secretário de Estado da Administração Escolar, foram os responsáveis políticos pelo vergonhoso concurso de professores que conduziu à situação de centenas de colocações erradas e de milhares de alunos sem aulas durante quase um mês, no início do presente ano lectivo. Nenhum dos dois se considerou responsável. A única demissão que ocorreu foi a de um director-geral...
A paralisia do sistema Citius, na Justiça, teve o mesmo final. Ministra autodesresponsablizada e directores demitidos.
Situação semelhante ocorreu recentemente com as designadas listas VIP, na Administração dos Impostos. A ministra e o seu secretário de Estado auto-avaliaram-se isentos de responsabilidades. As demissões ficaram novamente a cargo de um director-geral e de um subdirector-geral.
Passos Coelho é, por sua vez, um paradigma da cultura de não responsablização. Nunca se sentiu responsável pelas inúmeras mentiras com que, há quatro anos, enganou milhares de eleitores, não se sente responsável por prestar contas transparentes sobre os rendimentos que obteve ao serviço da empresa Tecnoforma, considera que é irrelevante não ter cumprido, durante vários anos, as suas obrigações junto da Segurança Social, assim como ter-se esquecido de declarar e de pagar os seus impostos a tempo e a horas. Em Passos Coelho, a enorme facilidade com que pede responsabilidades aos outros é inversamente proporcional ao modo como (não) pede responsabilidades a si próprio.

A nível financeiro. As nossas elites banqueiras pedem meças às nossas elites políticas no exercício da não responsabilização. Na realidade, não consta que algum dos presidentes dos conselhos de administração ou algum dos principais administradores do BCP, do BPN, do BPP ou do BES tenha assumido as suas responsabilidades relativamente aos actos de gestão danosa que cometeram. Ricardo Salgado é a mais recente e notória referência do que é o culto da irresponsabilidade, em acumulação com uma desmedida impudência.

A nível empresarial. Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, ex-administradores da PT, apresentados como a elite da elite dos gestores (em particular este último), corporizam o cânone da isenção de responsabilidades. Ambos conduziram uma empresa portuguesa de reputação mundial para negócios catastróficos com perdas de muitas centenas de milhões de euros e com a entrega do seu controlo a estrangeiros (de reputação duvidosa). Mas nenhuma responsabilidade foi assumida. Apenas uma enorme amnésia. Omissões atrás de omissões e explicações vergonhosamente disparatadas foi tudo o que ouvimos destes protagonistas.

Esta pequena lista ilustra o quanto a cultura da não responsabilização está impregnada nas nossas elites. Sem um expurgo radical de protagonistas e um saneamento de valores não sairemos da mediocridade em que nos encontramos há já muitos anos.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Sem os requisitos mínimos.

Imagem de Pedro Mónica.
Um primeiro-ministro não pode ser uma personagem que tenha no seu passado casos de incumprimento no pagamento de impostos, de contra-ordenações fiscais ou de esquecimento das suas obrigações para com a segurança social. Nem pode recair sobre ele a suspeição de ter obtido rendimentos disfarçados de ajudas de custos. Um primeiro-ministro não pode ser acusado ou suspeito de qualquer destas situações, por uma razão simples e conhecida: deixa de ter autoridade moral para exigir aos outros aquilo que não exigiu a si mesmo, deixa de poder exigir aos outros que cumpram aquilo que ele próprio não cumpriu. E um primeiro-ministro sem autoridade moral deixa de ser governante, passa a ser figurante. Se um primeiro-ministro não for reconhecido — pelo menos, por uma parte significativa da população — como um líder sério e de confiança, torna-se politicamente uma figura decorativa. Um político ser visto como membro do grupo dos incumpridores de impostos ou dos esquecidos das suas obrigações ou dos que «não sabiam que tinham que...» faz dele uma figura sem crédito. Um primeiro-ministro não tem de ser perfeito, mas tem de ser cumpridor da lei, no presente e no passado, como muitos o foram e continuam a sê-lo. Um cidadão que quer governar um país não pode descobrir que tem de cumprir os seus deveres para com o Estado somente quando chega a primeiro-ministro.
Passos Coelho sabe isto, mas faz de conta que não sabe. O PSD, o CDS, o Presidente da República, os  comentadores de serviço sabem isto, mas vão fazendo de conta que não sabem.
Desgraçadamente para todos nós, este é o comportamento padrão das personagens que integram as nossas diferentes elites. Protegem-se e desculpabilizam-se reciprocamente, transmutam comportamentos graves em minudências, invertem, para si próprios, a escala de valores que aplicam aos outros e, com cinismo, declaram-se vítimas.
Passos Coelho acusou os portugueses de quase tudo. Quem assim procede tem de ter um passado impoluto, o que não é o seu caso. Passos Coelho não preenche os requisitos mínimos. A decência política exige modelos de conduta mais elevados.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Um vídeo que nauseia


Retrato da mediocridade de um representante das elites que têm conduzido o país à ruína.