sábado, 28 de setembro de 2013

Dia de reflexão


«Não seria mais simples se o governo dissolvesse o povo e escolhesse um novo?»
Bertold Brecht

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (7)

«Os cidadãos não podem mais deixar-se enganar por estas sucessivas mentiras. Basta!
Mentem-nos sobre as contas, sobre as causas da crise, mentem, mentem, mentem. As campanhas eleitorais, então, pervertem a própria democracia. A democracia deve ser, tem de ser, um sistema segundo o qual os candidatos expõem as suas soluções, o povo escolhe e o vencedor implementa o que havia preconizado. Um regime em que se contrapõem ideias e se espera que se apliquem as propsotas dos que vencem nas urnas. A democracia não devia ser este sistema, vigente em Portugal, em que sai premiado quem melhor consegue enganar os eleitores. Aqui, os processos eleitorais têm sido, ao longo destes últimos anos, concursos para a escolha do melhor mentiroso.
Os últimos primeiros-ministros eleitos foram empossados na sequência de campanhas em que prometeram não aumentar impostos. Mas não tardaram em fazê-lo, assim que se instalaram no poder. A começar por Durão Barroso, que tinha anunciado um choque fiscal e uma brutal redução de impostos, até chegar a Passos Coelho. [...] Todos nos vieram ao bolso. Com o discurso da «tanga» de Barroso, do «défice descontrolado» de Sócrates ou do «buraco colossal» de Passos Coelho. Assim, prometendo em campanha uma política fiscal mas fazendo exactamente o seu contrário, os políticos desacreditaram a democracia.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Poemas

O NOME REAL

Sob a sonâmbula eloquência da lua
poderia escrever um nome que começasse a ser real.
E as palavras seriam como um álcool ardente mas suave
através da luz lancinante e da cor da sombra.
Com as antenas de sangue penetrariam no branco
até que o mundo se tornasse um perfume de parque.
E ao murmúrio das águas juntar-se-iam os passos
na imóvel espessura, os longínquos uivos,
os pulsos azuis através das nuvens,
os risos ébrios entre as vinhas, o deslizar dos peixes
na fugidia veemência das imagens.
As palavras perderiam as plumas
e navegariam entre os ciprestes como barcos,
amadurecidas e recentes
como membranas ou como ilhas ou como lâmpadas.

António Ramos Rosa

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Avaliação do desempenho — cinco anos depois

Passaram cinco anos desde o momento em que um arrebatamento desvairado e fanático chegou a um dos nossos (des)governos e impôs uma coisa que alegadamente deveria ser uma avaliação do desempenho docente (ADD). Mas a descontrolada exaltação dos protagonistas governamentais na implementação do que supostamente iria ser a verdadeira avaliação dos professores era inversamente proporcional às capacidades e competências que tinham para a concretizar. Foi assim que, de forma grotesca, foi produzida uma legislação idiota que exigia que quinze dias após a sua publicação (Janeiro de 2008) começasse a ser levada a cabo uma verdadeira monstruosidade ininteligível, absurda e impraticável. Passaram os dias, passaram as semanas, passaram os meses e evidentemente que aquilo que estava prescrito nunca foi realizado, porque a nesciência nega-se a si mesma. A ignorância e a leviandade dos responsáveis pela aberração legislativa — Sócrates, Rodrigues e a sua equipa — tinham atingido uma dimensão inimaginável. Na verdade, ninguém conseguiria supor que um dia poderia chegar ao poder um grupo de aventureiros que, sem nada saber de avaliação do desempenho docente e sem nada conhecer da realidade que alegadamente queria avaliar, tivesse a insanidade de dar livre curso ao seu fanatismo.
Circunstâncias várias — desgraçadamente próprias do pântano comportamental que serve de referência a grande parte da classe política e sindical — concorreram para que aquilo que resultou de uma enormidade conceptual e de vários desequilíbrios psicológicos fosse sucessivamente enxertado, remendado, chanatado e fosse, até aos nossos dias, sobrevivendo, transformado numa amálgama de incongruências teóricas e de dislates técnicos indutores de uma generalizada coreografia pseudo-avaliativa que predomina no dia-a-dia das escolas.
As perguntas que agora temos de fazer são as seguintes:
a) O chamado modelo de avaliação do desempenho docente, de sucessivas autorias (Rodrigues, Alçada, Crato), demonstrou ou demonstra ser minimamente rigoroso, sério e credível?
b) No decurso destes cinco anos de vigência formal da dita ADD, o Ministério da Educação ministrou alguma formação de nível superior de média ou longa duração a quem exerceu ou exerce as funções de avaliador?
c) Globalmente, quem exerceu ou exerce as funções de avaliador está preparado teórica e tecnicamente para as exercer?
d) Ao fim de cinco anos, pode-se detectar alguma melhoria nas práticas lectivas dos professores por via da ADD em vigor?

A resposta às quatro perguntas é um vergonhoso: Não!
Cinco anos volvidos, que ganharam os alunos, que ganharam as escolas com o fanatismo (pseudo) avaliativo que mentes tresloucadas levaram a cabo? A resposta é um indecoroso: Nada!
Sem formação e sem capacitação dos avaliadores (centenas deles foram, através de um abuso de poder, coercivamente «conduzidos» a aceitar a função) e com um modelo de avaliação tecnicamente incompetente, a avaliação do desempenho docente que se faz nas escolas resume-se a uma inaudita encenação, a um indecoroso faz-de-conta. O rei vai completamente nu e o Ministério da Educação sabe disso, os avaliadores sabem disso e os avaliados também, mas a obstinação ideológica de quem manda prevalece. Esta dita avaliação é um nada absoluto que contentou e vai contentando a hipocrisia de quem governou e de quem governa.
Cinco anos depois repugna olhar para o processo e para resultado de tamanha demência política.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Pensamentos

«O homem de hoje não é heróico. Basta-lhe sentir-se poderoso.»
Mercè Rodoreda 
«A fama dos grandes homens devia ser sempre julgada pelos meios que usaram para obtê-la.»
François La Rochefoucauld 
«Quanto maior a riqueza, tanto maior a sujidade. Isto indubitavelmente revela uma tendência do nosso tempo.»
John Galbraith 
Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.

Professores contratados - petição pública

Para aceder à petição, clicar aqui:

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A «convergência» público-privado

O governo e as elites que dominam a sociedade portuguesa utilizam frequentemente, como instrumento de persuasão, a repetição exaustiva e cansativa dos argumentos. Não importa se esses argumentos já foram rebatidos, não importa se racionalmente ficou revelada a sua  inconsistência, não importa se eticamente ficou evidenciada a sua inadmissibilidade. Nada importa. A única preocupação do governo e das elites é a de servirem-se e abusarem do poder que têm de utilizar intensivamente os órgãos de comunicação social para obnubilarem o pensamento do cidadão comum. A torrente dogmática destes protagonistas é desmesurada, somente comparável aos desequilíbrios do fundamentalismo religioso.
São muitos os domínios onde esta prática obstinada da repetição argumentativa sem limite tem sido levada a cabo. Recentemente esta prática concentrou-se na insistência ad nauseam da ideia de que é justa a convergência entre o sector público e o sector privado, no sentido de aproximar o primeiro do segundo em tudo o que o segundo possua condições mais desfavoráveis — contudo, a convergência  não é defendida nos aspectos em que o privado usufrui de melhores condições do que o público...
A esdrúxula ideia de que é justa a convergência entre o sector público e o sector privado já foi  denunciada múltiplas vezes mas, perante a avassaladora e falaciosa campanha que a pretende impor, é necessário continuar a denunciá-la e a confrontá-la.
Nesse sentido, recordo algumas das razões que se opõem à ideia de que é justa a convergência entre o sector público e o sector privado — razões que aqui já desenvolvi em outros textos.

1.  Não é sério nem justificável equiparar o sector público ao sector privado. O sector público e o sector privado prosseguem objectivos diferentes e têm naturezas diferentes: um visa o bem público, o outro visa o bem privado; um não procura o lucro, o outro vive do lucro; um deriva de uma vontade colectiva e privilegia o interesse colectivo, o outro deriva de uma vontade particular e privilegia o interesse privado. Estar ao serviço do interesse público não é a mesma coisa que estar ao serviço de um interesse privado.

2. Quem exerce funções públicas tem responsabilidades alargadas e responde perante todos, quem exerce actividades privadas tem responsabilidades restritas e responde somente perante quem lhe paga. A quem exerce funções públicas são legalmente exigidos padrões de conduta que não são exigidos a quem exerce actividades privadas. Quem exerce funções públicas está sujeito a um regime disciplinar mais exigente do que os regimes disciplinares da generalidade das empresas privadas.

3. Os funcionários públicos estão submetidos a uma tabela salarial rígida, com baixos tectos máximos de vencimento. O mesmo não acontece no sector privado. Os vencimentos mais elevados na Função Pública são muito inferiores aos vencimentos mais elevados praticados no sector privado.

4. Na Função Pública, estão legalmente definidos processos rígidos de progressão na carreira. No sector privado, a progressão na carreira não está sujeita a processos da mesma natureza. Numa empresa privada, pode passar-se da base da hierarquia aos níveis intermédios ou superiores de modo simplificado e rápido, na Função Pública isso não é possível.

5. Quem exerce funções públicas não pode enriquecer nem pode querer enriquecer; quem exerce actividades privadas pode querer enriquecer e pode enriquecer.

Quem exerce funções públicas tem, pois, acrescidas exigências de natureza ética, objectivas limitações de ordem financeira e apertadas restrições legais, comparando com quem trabalha no sector privado.
Esta objectiva diferenciação — quanto à natureza, aos objectivos e às condições do exercício da função pública e da actividade privada — exige que estes dois sectores tenham estatutos diferentes e não convergentes.
Se assim não for:
— Quem é que, no futuro, estará interessado em exercer funções públicas, se essas funções implicarem a aceitação de um tecto salarial imposto por lei, a aceitação de uma carreira rígida e a aceitação de mais exigentes obrigações disciplinares, sem quaisquer contrapartidas, em relação ao sector privado? Quem é que, para além dos empurrados para a situação de desemprego, poderá considerar atractivo desempenhar funções públicas? 

Foi justamente para impedir que a Função Pública fosse vista como uma actividade menor e uma profissão sem atractivos, apenas capaz de recrutar os menos preparados, que foram encontrados mecanismos susceptíveis de proporcionar um equilíbrio minimamente aceitável entre o que era exigido e o que era oferecido. A existência de condições específicas no sector público não é um privilégio nem um luxo, é, pelo contrário, a condição necessária para que:
i) seja possível atrair e manter funcionários tecnicamente competentes e empenhados;
ii) seja possível preservar esses funcionários de pressões governativas e partidárias;
iii) seja possível exigir a esses funcionários padrões de conduta que garantam um comprometimento exclusivo com o interesse público e o cumprimento da lei.

A origem das diferenças — a nível da segurança social, do vínculo laboral, das condições de reforma, etc. — entre o sector público e o sector privado reside aqui. Reside aqui e deve continuar a residir, precisamente para que se preserve alguma justiça comparada. A diferenciação é condição de possibilidade de justiça. Pelo contrário, a propalada convergência entre público e privado é sinónimo de intolerável injustiça.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (6)

«O ódio de que é alvo a governante germânica Angela Merkel [é] até compreensível [pois] a crise em que nos mergulharam, a colossal dívida pública e o enorme endividamento das famílias resulta também em parte de políticas europeias de que Merkel é a principal face. Mas não foi a chanceler alemã a culpada dos esquemas de roubalheira que exauriram as contas públicas e que nos trouxeram a esta situação.
Foi o primeiro-ministro Cavaco Silva, e não Merkel, que abençoou o desperdício de fundos europeus em obras faraónicas e inúteis, desde piscinas e pavilhões desportivos sem utentes ao desnecessário Centro Cultural de Belém. Este centro, obra faraónica, custou sete vezes o previsto e tem apenas servido de poleiro para diversos membros do bloco central. Foi igualmente ele que decidiu edificar o Parque das Nações, o mais ruinoso negócio imobiliário para o Estado desde a fundação da nacionalidade. Foi ainda o seu ministro Ferreira do Amaral que hipotecou o Estado no negócio da ponte Vasco da Gama.
Foi também António Guterres, e não Merkel, que decidiu desbaratar centenas de milhões de euros dos contribuintes na construção de dez estádios de futebol. Foi mais tarde, com o agora Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso e o seu ministro da defesa Paulo Portas, que aconteceu o caso de corrupção na aquisição de submarinos a uma empresa alemã. Enquanto no país de Merkel os corruptores estão presos, por cá nada acontece.
Mas o descalabro ainda estava para chegar e foi personificado por José Sócrates. Os seus mandatos ficarão para a história de Portugal como aqueles em que socialistas entregaram todos os grandes negócios de Estado ao grande capital. Concederam-se privilégios sem fim à EDP e aos seus parceiros das energias renováveis; celebraram-se os mais ruinosos contratos de parceria público-privada, com todos os lucros garantidos aos concessionários, correndo o Estado todos os riscos. O seu ministro Teixeira dos Santos nacionalizou e assumiu os prejuízos do BPN.
Finalmente, chegou Passos Coelho com as suas promessas de não aumentar impostos nem tocar nos subsídios — medidas que arruinam o orçamento das famílias portuguesas e a economia nacional. Mas quando chegou ao poder fez exactamente o contrário. Assim, também não é Merkel a culpada dessa incoerência e tão-pouco tem responsabilidade pelos disparates de Vítor Gaspar, que não parou de subir sucessivamente taxas de imposto, sem qualquer efeito no fim da crise. Pelo contrário: a colecta diminui, a dívida não pára de crescer, a economia soçobra.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva. 

domingo, 15 de setembro de 2013

Ensemble Conductus

Poemas


Tempos-juncos
     Na margem do lago,
Onde as pedras são tempo,
Onde o tempo é de pedra.
     No lago da margem,
Tempos, juncos,
Na margem do lago,
     Santos, juntos.

Velimir Khlébnikov
(Trad.: Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Crato: duas notas para um balanço

Nuno Crato está há pouco mais de dois anos no Ministério da Educação. Quando lá chegou, pouco ou nada conhecia da realidade concreta das nossas escolas e do nosso sistema educativo. Possuía umas ideias genéricas sobre os malefícios do designado «eduquês» — acerca dos quais escreveu um opúsculo (O Eduquês em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista) sustentado em meia dúzia de noções do senso comum —, tinha também umas ideias básicas sobre algumas teorias pedagógicas e umas ideias muito primárias acerca do que é a avaliação, em contexto educativo. Escritos sobre educação, Nuno Crato tinha no seu currículo o opúsculo já referido e a introdução e um capítulo de um livro intitulado Desastre no Ensino da Matemática: Como Recuperar o Tempo Perdido — este capítulo, de trinta e sete páginas, pouco mais é do que o resumo do opúsculo.
Munido destas «evidências» curriculares, Nuno Crato considerou-se preparado para ser ministro da Educação. E tem-no sido. Desgraçadamente. Em dois anos, o que fez? Manteve e aprofundou os dislates que paulatinamente Rodrigues impôs no sistema educativo — da avaliação do desempenho docente ao modelo de gestão escolar, passando pelas Novas Oportunidades — e acrescentou-lhes o aumento do número de alunos por turma, os mega-agrupamentos, o despedimento de milhares de professores e uma incompetência técnica generalizada em múltiplos decretos, portarias e despachos. Às devastadoras malfeitorias que tem realizado, e que têm sido diariamente denunciadas, junta-se a incompetência menos vezes denunciada. Dois exemplos breves:

i) Depois de múltiplas e repetidas críticas dirigidas, durante a última campanha eleitoral, às Novas Oportunidades (algumas delas mais do que justificadas), e volvidos mais de dois anos da tomada de posse como ministro da Educação, que fez Nuno Crato relativamente aos conteúdos dos cursos EFA aí ministrados e ao seu sistema de avaliação? Nada. Crato preocupou-se apenas em determinar que as turmas não podem ter menos de 26 alunos e mais de 30 e em determinar que aquilo que era designado de «Resultados de Aprendizagem» se passasse a designar de «Objectivos». 
Portanto, aquilo que Passos Coelho chamou de certificação da ignorância, referindo-se aos cursos das Novas Oportunidades, manteve-se, na substância, rigorosamente intacto. É manifesta a incompetência para fazer melhor.

ii) No ano passado, o Ministério da Educação determinou, através da nova matriz curricular, que as escolas escolhessem entre leccionar tempos lectivos de 45 ou de 50 minutos. Ao mesmo tempo, determinou uma redução de 25% na carga horária de algumas disciplinas do Ensino Recorrente (nocturno), como é o caso da disciplina de Filosofia, cujos os alunos podem ser sujeitos a exame nacional, no final do 11.º ano. 
Da conjugação daquelas duas determinações resultou uma situação intolerável (até no mais remoto país do terceiro mundo), que se mantém, apesar de repetidamente denunciada:
— a leccionação da disciplina de Filosofia está a processar-se, a nível nacional, através de três cargas horárias semanais distintas: 
a) 4 tempos lectivos de 45 minutos = 180 minutos semanais (Ensino Regular), nas escolas que optaram por tempos lectivos de 45’; 
b) 3 tempos lectivos de 50 minutos = 150 minutos semanais (Ensino Regular), nas escolas que optaram por tempos lectivos de 50’; 
c) 3 tempos lectivos de 45 minutos = 135 minutos semanais (Ensino Recorrente). 
Ou seja, o mesmo programa está a ser leccionado, em todo o país, com três cargas horárias distintas, apesar destes alunos serem sujeitos ao mesmo exame nacional, independentemente da carga horária que tenham durante o ano lectivo.

São dois exemplos, no meio de um mar de casos de objectiva incompetência.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (5)

«[...] Um combate eficaz à corrupção implica uma intervenção sistemática a dois níveis. Ao nível parlamentar, actuando sobre as causas da corrupção, nomeadamente sobre a legislação ambígua. E, por outro lado, uma acção sobre as consequências, acusando e punindo todos aqueles que tiram benefício particular, para si ou para os seus amigos, da ocupação de cargos públicos. As medidas casuísticas, como a criminalização do enriquecimento ilícito ou o levantamento do sigilo bancário, são muito meritórias, mas infelizmente já não são suficientes. É preciso ir ao âmago da questão.
Assim, em primeiro lugar, há que aumentar a transparência da vida pública, para que todos possamos facilmente aceder à lista dos maiores fornecedores do Estado central ou das Câmaras. Desta forma, as ligações empresariais dos ministros e deputados podem ser escrutinadas publicamente. [...]
De seguida, há que promover a simplificação de todas as leis relativas aos sectores que têm maior relevância económica, como o ordenamento do território, o urbanismo, a construção, o ambiente ou a defesa. Aqui, todo o corpo legislativo é confuso, com muitas regras e inúmeras excepções para beneficiar os poderosos. Acresce que esta regulamentação confere, por norma um poder discricionário ilimitado a quem aplica a lei; e esta é a fonte maior de corrupção.
Por outro lado, no que diz respeito às consequências que todos sofremos por causa deste fenómeno, há que organizar o aparelho de justiça para que os tribunais actuem. A dois níveis. A nível criminal, condenando corruptos e corruptores e para que não mais se assista a episódios como os tristes casos do presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino de Morais, ou do promotor imobiliário Domingos Névoa que [conseguiram] gozar com o sistema de justiça. Complementarmente, é imperioso que os diversos tribunais actuem no sentido de promover a devolução à comunidade dos bens que a corrupção lhes subtrai. Como? Sentenciando a demolição de edifícios que não cumpram os planos directores municipais ou até confiscando fortunas cuja dimensão obscena se deve a favores concedidos ao Estado.»
(O negrito é meu).
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Isto está mau

1. Desde 1974, não há certamente memória de um início de ano lectivo marcado por um ambiente tão sombrio, triste e desanimador. Nuno Crato e Passos Coelho conseguiram transformar o actual ambiente escolar num ambiente ainda mais pesado do que o já pesado ambiente criado por Rodrigues, no governo de Sócrates. 
A verdade é que já podemos contar oito anos de chumbo na educação, oito anos de consecutivas investidas contra a escola pública, enquanto instituição fundamental de qualquer Estado democrático, e contra as condições de trabalho dos seus principais protagonistas: alunos e professores. Chegamos a Setembro de 2013 com três sentimentos dominantes: de frustração, por parte dos alunos, que vêem as turmas a crescer e a condições de estudo a diminuir; de desânimo, por parte dos professores, que vêem a sua carreira profissional proletarizada e precarizada; e de indignação, por parte daqueles docentes que foram expulsos das escolas e empurrados para as filas dos centros de (des)emprego.
Um cenário tão lúgubre e deprimente nunca existiu na nossa Escola, desde que somos uma democracia.

2. As críticas aos recentes chumbos do Tribunal Constitucional a diplomas do governo reeditam até à náusea a discursividade politicamente desonesta e o cinismo de muitos dos seus protagonistas. Deliberadamente omitem que foi o Presidente da República quem encontrou, nesses diplomas, fundadas razões para suspeitar da sua inconstitucionalidade; despudoradamente revelam que, para eles, o Estado de Direito é um valor perene em circunstâncias convenientes mas descartável em ocasiões inconvenientes; e insolitamente confirmam-se como campeões da incompetência legislativa.
Ter como perspectiva mais dois anos deste governo é uma incongruência lógica e uma desgraça psicológica.

3. O mundo anda outra vez às voltas com a ameaça de mais uma intervenção americana num país estrangeiro, sem a cobertura de uma deliberação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A causa imediata é a criminosa utilização de armas químicas ocorrida na Síria. 
Não podemos ter a mínima confiança naquilo que os serviços secretos americanos, ingleses e de outros países nos dizem acerca da responsabilidade da utilização dessas armas, depois do que nos disseram acerca da existência de armas de destruição maciça no Iraque; como não podemos ter a mínima confiança na bondade das intenções dos governos da Síria, da Rússia, da China, dos Estados Unidos e dos governos de vários países ocidentais. Há, na realidade, uma incomensurável e bem justificada desconfiança dos povos do mundo relativamente às elites que os governam. 
O ser humano tem mesmo de encontrar outras formas de governança que assegurem a liberdade mas também a equidade, a transparência e o escrutínio exercido por todos.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Uma satisfação ao leitor

Por motivos de ordem particular, só a partir da próxima semana poderei voltar à escrita neste blogue.