«[...] Um combate eficaz à corrupção implica uma intervenção sistemática a dois níveis. Ao nível parlamentar, actuando sobre as causas da corrupção, nomeadamente sobre a legislação ambígua. E, por outro lado, uma acção sobre as consequências, acusando e punindo todos aqueles que tiram benefício particular, para si ou para os seus amigos, da ocupação de cargos públicos. As medidas casuísticas, como a criminalização do enriquecimento ilícito ou o levantamento do sigilo bancário, são muito meritórias, mas infelizmente já não são suficientes. É preciso ir ao âmago da questão.
Assim, em primeiro lugar, há que aumentar a transparência da vida pública, para que todos possamos facilmente aceder à lista dos maiores fornecedores do Estado central ou das Câmaras. Desta forma, as ligações empresariais dos ministros e deputados podem ser escrutinadas publicamente. [...]
De seguida, há que promover a simplificação de todas as leis relativas aos sectores que têm maior relevância económica, como o ordenamento do território, o urbanismo, a construção, o ambiente ou a defesa. Aqui, todo o corpo legislativo é confuso, com muitas regras e inúmeras excepções para beneficiar os poderosos. Acresce que esta regulamentação confere, por norma um poder discricionário ilimitado a quem aplica a lei; e esta é a fonte maior de corrupção.
Por outro lado, no que diz respeito às consequências que todos sofremos por causa deste fenómeno, há que organizar o aparelho de justiça para que os tribunais actuem. A dois níveis. A nível criminal, condenando corruptos e corruptores e para que não mais se assista a episódios como os tristes casos do presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino de Morais, ou do promotor imobiliário Domingos Névoa que [conseguiram] gozar com o sistema de justiça. Complementarmente, é imperioso que os diversos tribunais actuem no sentido de promover a devolução à comunidade dos bens que a corrupção lhes subtrai. Como? Sentenciando a demolição de edifícios que não cumpram os planos directores municipais ou até confiscando fortunas cuja dimensão obscena se deve a favores concedidos ao Estado.»
(O negrito é meu).
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva.