segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (6)

«O ódio de que é alvo a governante germânica Angela Merkel [é] até compreensível [pois] a crise em que nos mergulharam, a colossal dívida pública e o enorme endividamento das famílias resulta também em parte de políticas europeias de que Merkel é a principal face. Mas não foi a chanceler alemã a culpada dos esquemas de roubalheira que exauriram as contas públicas e que nos trouxeram a esta situação.
Foi o primeiro-ministro Cavaco Silva, e não Merkel, que abençoou o desperdício de fundos europeus em obras faraónicas e inúteis, desde piscinas e pavilhões desportivos sem utentes ao desnecessário Centro Cultural de Belém. Este centro, obra faraónica, custou sete vezes o previsto e tem apenas servido de poleiro para diversos membros do bloco central. Foi igualmente ele que decidiu edificar o Parque das Nações, o mais ruinoso negócio imobiliário para o Estado desde a fundação da nacionalidade. Foi ainda o seu ministro Ferreira do Amaral que hipotecou o Estado no negócio da ponte Vasco da Gama.
Foi também António Guterres, e não Merkel, que decidiu desbaratar centenas de milhões de euros dos contribuintes na construção de dez estádios de futebol. Foi mais tarde, com o agora Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso e o seu ministro da defesa Paulo Portas, que aconteceu o caso de corrupção na aquisição de submarinos a uma empresa alemã. Enquanto no país de Merkel os corruptores estão presos, por cá nada acontece.
Mas o descalabro ainda estava para chegar e foi personificado por José Sócrates. Os seus mandatos ficarão para a história de Portugal como aqueles em que socialistas entregaram todos os grandes negócios de Estado ao grande capital. Concederam-se privilégios sem fim à EDP e aos seus parceiros das energias renováveis; celebraram-se os mais ruinosos contratos de parceria público-privada, com todos os lucros garantidos aos concessionários, correndo o Estado todos os riscos. O seu ministro Teixeira dos Santos nacionalizou e assumiu os prejuízos do BPN.
Finalmente, chegou Passos Coelho com as suas promessas de não aumentar impostos nem tocar nos subsídios — medidas que arruinam o orçamento das famílias portuguesas e a economia nacional. Mas quando chegou ao poder fez exactamente o contrário. Assim, também não é Merkel a culpada dessa incoerência e tão-pouco tem responsabilidade pelos disparates de Vítor Gaspar, que não parou de subir sucessivamente taxas de imposto, sem qualquer efeito no fim da crise. Pelo contrário: a colecta diminui, a dívida não pára de crescer, a economia soçobra.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva.