No artigo (
«Exames Nacionais e Sucesso Escolar no Ensino Básico e Secundário», de Desidério Murcho) a que me tenho vindo a referir nos dois últimos apontamentos, o autor parece encontrar na generalização dos exames nacionais (exames
«a todas as disciplinas no final de cada ciclo de ensino básico [4.º, 6.º e 9.º anos] e, no ensino secundário, no ano terminal de todas as disciplinas» e com peso
«determinante para a aprovação») a solução para todos ou quase todos os problemas do nosso sistema educativo. Desde o problema da falta de qualidade dos manuais escolares até à avaliação dos professores, quase tudo, a crer nas palavras de Murcho, teria resolução com a proliferação dos exames nacionais.
Desidério Murcho diz que a inexistência de exames nacionais generalizados tem, entre várias outras, as seguintes consequências negativas:
a) «liberta os professores e os estudantes do esforço de fazer melhor»;
b) «o professor médio não cumpre os programas nem se esforça por ensinar melhor»;
c) «o professor é o único árbitro em causa própria»;
d) «os estudantes adaptam-se a cada professor, sabendo que toda a avaliação é interna, e não se esforçam nem valorizam o estudo»;
e) gera «a completa desmoralização e desvalorização social da escola»;
f) conduz, em grande medida, «ao colapso do sistema educativo».
A seguir, o autor enumera os supostos benefícios que a generalização dos exames nacionais traria — entre vários, saliento dois:
a) «Os exames permitem aferir os resultados obtidos pelos estudantes ao longo do ano, em condições muito distintas, confrontando-os com uma prova com conteúdos, condicionalismos e critérios de avaliação nacionais»;
b) «Os exames não são necessários apenas para estimular estudantes e fomentar o profissionalismo dos professores. Constituem também um instrumento imprescindível na avaliação do próprio sistema.»
Portanto, e segundo Murcho, os exames nacionais generalizados combatem diversas enfermidades graves do sistema de ensino e introduzem nele vantagens evidentes.
Olhando-se agora com atenção para este diagnóstico, verifica-se, contudo, que nenhuma das consequências acima enumeradas, alegadamente decorrentes da inexistência de uma generalização dos exames nacionais, poderá constituir um problema específico e exclusivo dos ensinos básico e secundário. Isto é, se se considera que a inexistência de exames nacionais gera uma preguiça generalizada nos professores e nos alunos; se se considera que a inexistência de exames nacionais conduz a que os professores não se esforcem por ensinar melhor; se se considera que a inexistência de exames nacionais provoca uma desvalorização do estudo, por parte dos alunos, porque se adaptam ao professor e porque sabem que a avaliação é somente interna, ter-se-á de concluir também que a inexistência de exames nacionais no ensino superior é causa dos mesmos males. Não há nenhuma razão para se pensar que o mesmo fenómeno (a não existência de provas nacionais) não produza os mesmos efeitos, neste nível de ensino. Não só a teoria não nos fornece nenhum elemento credível que, neste caso específico, nos conduza ou aconselhe a isolar o ensino superior dos outros níveis de ensino, como a realidade se encarrega de nos revelar o contrário, ou seja, que os males acima apontados por Murcho ao sistema educativo não superior estão, sem a mínima dúvida, profusamente presentes no ensino universitário e no ensino politécnico — com particular acuidade, desde que se deu a multiplicação de instituições de ensino superior de natureza privada.
Os factos são inquestionáveis: todos aqueles que, como alunos, frequentaram o ensino superior são testemunhas da existência de (muitos) professores que não se esforçam minimamente para ensinar melhor, e são testemunhas de que é precisamente neste nível de ensino que mais apropriadamente se aplica a afirmação «o professor é o único árbitro em causa própria». Desidério Murcho é professor do ensino superior, assim como Nuno Crato e assim como, curiosamente, quase todos os mais acérrimos e mais radicais defensores dos exames nacionais nos ensinos básico e secundário, contudo, não se conhece de nenhum deles a defesa pública do alargamento de provas dessa natureza ao ensino universitário e politécnico — mas essa omissão não ocorrerá certamente por não encontrarem aí as alegadas consequências negativas provenientes da inexistência de exames nacionais, acima descritas. Na verdade, o ensino superior é pródigo em exemplos de péssimos professores, e, por isso, não se compreende a razão pela qual Murcho, Crato e outros não surgem a defender a ideia de que a introdução de exames nacionais no ensino superior ajudaria a combater a mediocridade docente, como defendem que acontecerá nos ensinos básico e secundário.
Uma outra interrogação se coloca mas agora quanto aos aludidos benefícios decorrentes da generalização de provas nacionais: esses presumíveis benefícios não se aplicam ao ensino superior? Porquê? Recordo-os:
a) «Os exames permitem aferir os resultados obtidos pelos estudantes ao longo do ano, em condições muito distintas, confrontando-os com uma prova com conteúdos, condicionalismos e critérios de avaliação nacionais»;
b) «Os exames não são necessários apenas para estimular estudantes e fomentar o profissionalismo dos professores. Constituem também um instrumento imprescindível na avaliação do próprio sistema.»
Se a realização de exames nacionais possui as virtudes descritas, a sua realização também não será aconselhável para aferir os resultados obtidos pelos estudantes de diferentes universidades públicas? Ou para aferir os resultados obtidos pelos estudantes de universidades públicas e pelos estudantes das universidades privadas? E a sua realização não constituiria também um instrumento imprescindível para avaliar o próprio sistema de ensino universitário?
Na verdade, quem defende os exames nacionais, com os argumentos acima enunciados, tem de retirar daí todas as consequências que esses argumentos implicam.
(Continua)