quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O amor pela Lei

Na democracia, os políticos que se afirmam como sendo de direita, juntam a essa afirmação várias outras, entre as quais a afirmação do escrupuloso respeito pelo Estado de Direito. A submissão e o respeito pela Lei são recorrentemente apresentados como valores fundamentais e inquestionáveis, sendo utilizados muitas vezes como um exemplo que marca a diferença entre aqueles que zelam pelo cumprimento das regras (os de direita) e aqueles que são mais permissivos relativamente a esse mesmo cumprimento (os de esquerda).
Vem isto a propósito do modo como muitos políticos de direita (e comentadores e jornalistas) reagiram e continuam a reagir ao acórdão do Tribunal Constitucional sobre a supressão dos dois subsídios aos funcionários públicos. Na verdade, não se compreende que quem se afirma pública e garbosamente um cumpridor da Lei tenha tido e insista em continuar a ter comportamentos que configuram uma assinalável falta de respeito pela Lei e por quem tem o poder de julgar do seu cumprimento.
Não me refiro, naturalmente, à legítima manifestação da discordância ou ao direito à crítica relativamente às decisões judiciais. Refiro-me à forma como vários políticos de direita se dirigiram e continuam a dirigir ao órgão Tribunal Constitucional e à forma como vários políticos de direita trataram e continuam a tratar o conteúdo do acórdão acima referido. Não é próprio de quem reclama para si a posse da conduta modelar de respeito pelo Estado de Direito e pelas suas Instituições reagir com tão carregado acinte e com uma profusão de comentários que desprestigiam o órgão cuja elevada função é precisamente a de garantir o cumprimento da Constituição, ou seja, o cumprimento da Lei. Insinuar que os juízes do Tribunal Constitucional são um grupo de incompetentes, ou que são um grupo que julgou não em função do texto da Constituição, mas em função dos seus próprios interesses, não se coaduna com uma postura defensora da respeitabilidade e da honorabilidade. São acusações que, para além de não serem acompanhadas da respectiva prova, se enquadram justamente no tipo de discurso que é sempre condenado por quem agora o profere. 
Parece pois que o sagrado respeito pela Lei e pelas Instituições afinal é selectivo e que o critério de selecção não se fundamenta em elevados princípios e valores éticos, como seria de supor, mas somente, e como de costume, na defesa de interesses.