Já referi nestes apontamentos o estudo realizado pela Universidade do Porto (divulgado há pouco meses) que concluiu: os alunos que obtêm as notas mais altas nos exames nacionais de acesso ao ensino superior não são, depois, os melhores alunos nos cursos superiores que frequentam. Isto é, quase todos os melhores alunos da Universidade do Porto não são aqueles que obtiveram classificações mais elevadas nas provas nacionais. Dito de outro modo, esta conclusão revela que os alunos melhor preparados afinal não eram aqueles que os exames disseram ser os alunos melhor preparados. De outra forma ainda: os exames não avaliam bem, não avaliam com fidelidade. Por esta razão, o reitor da Universidade do Porto, na apresentação das conclusões deste estudo, considerou ser necessário e urgente proceder a uma alteração na forma como se processa o acesso ao ensino superior.
Apesar deste estudo dizer o que diz, e aquilo que diz é de particular relevância, não tenho conhecimento de que lhe esteja a ser dada qualquer atenção por parte do ministério da Educação. Também não tenho conhecimento de qualquer análise realizada por Nuno Crato às suas conclusões. Desconheço igualmente qualquer argumento apresentado pelos fundamentalistas da generalização dos exames nacionais a todas as disciplinas, no final de cada ciclo, que conteste ou contrarie a investigação realizada.
O silêncio e a omissão a que este estudo foi e está a ser votado é passível de ser entendido de um modo pouco abonatório para quem, em nome do rigor, da seriedade e da objectividade defende tão entusiasticamente os exames nacionais. Na realidade, o rigor, a seriedade e a objectividade exigiriam uma especial atenção aos dados que esta investigação apurou. Ao não se dar essa devida atenção, torna-se legítimo pensar que aquilo que verdadeiramente sustenta a cruzada pela proliferação dos exames nacionais são apenas cegas e surdas motivações ideológicas.
O estudo confirma muitas das críticas que são dirigidas a este tipo de provas. Uma delas é: ou aquilo que é objecto de avaliação nas provas de exame não é o relevante, ou o modo como se avalia não tem fidelidade nem credibilidade (na verdade, ainda há uma terceira hipótese: o que se avalia não é relevante e o modo como se avalia não é fiel...). Qualquer uma das hipóteses é má, demasiado má para poder ser ignorada.
O estudo também mostra que, ao contrário do que é insistentemente propagandeado, os exames não premeiam o suposto «mérito» nem os supostos «melhores». Mostra até ser pertinente supor que alguns dos melhores poderão ter ficado pelo caminho, barrados por aqueles que obtiveram melhores notas nos exames, mas que depois, nos cursos superiores que frequentam, se revelam menos capazes.
No fundo, este estudo confirma o que muito de nós, professores, sabemos por experiência própria. Recordo-me de alguns casos de alunos que obtiveram no exame nacional uma classificação superior à classificação que eu lhes havia atribuído na classificação interna, e relembro a cara de alguns que se me dirigiam para me informar dos resultados e aproveitar a circunstância para sugerirem, ainda que de modo simpático, que afinal até mereciam ter tido, da minha parte, uma notazinha melhor... Não esqueço um caso especial, ocorrido há já algum tempo: no final do ano, atribuí a um aluno a classificação final de 11 valores (Filosofia - 12.º ano); no exame nacional, esse aluno obteve, a Filosofia, a classificação de 20 valores. Entrou na faculdade. Dois anos depois, mudou de curso. Ao fim de seis anos, já tinha frequentado três cursos diferentes, sem ter concluído nenhum. Acabou por abandonar o ensino superior sem nenhuma licenciatura.
A crer no resultado do exame nacional, este aluno era um génio. A crer no resultado do exame nacional, não havia dúvidas de que o aluno estava preparadíssimo para ser um excelente aluno no ensino superior. Mas a realidade revelou o contrário.
Assim também o revela o estudo da Universidade do Porto.