O repúdio unânime de que as novas medidas de austeridade anunciadas pelo governo têm sido objecto deixa-me um pouco perplexo. Não é o repúdio que me deixa perplexo, é a unanimidade. Vejo hoje muita gente, muita gente mesmo, indignada com estas medidas e com o governo, quando há um ano as via elogiosas e satisfeitas com as medidas de austeridade impostas aos funcionários públicos, reformados e pensionistas. Elogiavam as medidas, elogiavam o governo, elogiavam Passos Coelho, elogiavam Vítor Gaspar. Nessa altura, ouvimos e lemos que era preciso ter consciência de que vivíamos acima das nossas possibilidades, que era preciso ter espírito de sacrifício, que era uma inevitabilidade, que tínhamos de aprender a viver de modo mais modesto, etc. Ouvimos isto e lemos isto da boca e da pena de muitas, muitas figuras públicas: banqueiros, gestores, jornalistas, economistas, comentadores...
Agora, Setembro de 2012, estes mesmos banqueiros, gestores, jornalistas, economistas, comentadores mudaram de opinião. O coro de protestos desta elite social é tão vigoroso e insistente que ninguém fica com dúvidas sobre a sua indignação. Parece pois que deixou de ser claro que vivíamos acima das nossas possibilidades, ou que tenha de existir espírito de sacrifício, ou que a austeridade seja uma inevitabilidade. Sejam bem-vindos ao clube, banqueiros, gestores, jornalistas, economistas e comentadores do meu país! Mas, ao mesmo tempo que lhes dou as boas-vindas, tenho também de manifestar a minha perplexidade com esta repentina mudança. Não posso deixar de ficar perplexo. Perplexo e interrogativo. E pergunto-me: esta mudança de opinião terá alguma coisa que ver com a circunstância de lhes ter sido dito que a austeridade que foi (e continua a ser) imposta aos funcionários públicos também lhes vai ser aplicada, ainda que seja apenas pela metade? Trata-se de uma inocente coincidência temporal ou é o desmascarar de um colossal cinismo?