segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Registos e notas do fim-de-semana

«Redução dos salários na Função Pública é injusta» (Silva Peneda)

Todos contra bónus a Noronha

Juiz põe em causa decisão do PGR
Sol (28/1/11)

CMVM usa estatuto público para escapar a cortes de dez por cento

CGD ainda não deliberou sobre a recomendação do Banco de Portugal 
para reduzir os dividendos

Mais de 42 mil pessoas tiveram problemas para votar no dia 23

Governo recuou e Bruxelas arquivou processo dos Magalhães
Público (28/1/11)

Governo despeja culpas sobre Rui Pereira
Expresso (29/1/11)

Limitar salários de gestores pouparia 2,8 milhões de euros
— Teixeira dos Santos diz não haver justificação para isso —

Reforço na PT [ultrapassou os 10% do capital] permite ao BES receber
117 milhões em dividendos livres de impostos
Público (29/1/11)

A injustiça da redução dos salários na Função Pública é, para algumas pessoas, uma descoberta recente. Cavaco Silva fez essa descoberta há muito pouco tempo, quase em cima do dia das eleições; outras figuras, da área do PSD, têm, salpicadamente, vindo a público, en passant, deixar a notícia de idêntica descoberta; Silva Peneda, ex-ministro de Cavaco Silva e seu apoiante nas recentes eleições, revelou-se agora mais um descobridor, na matéria. 
Confirma-se, pois, o poder que o fenómeno eleições tem nos políticos: fá-los descobrir coisas que de outro modo nunca descobririam. Lamentavelmente, é um poder efémero: só dura uns dias — antes da realização do acto, ou quando paira no ar a hipótese do acto se vir a realizar.

A tentativa do Governo de premiar os (na sua óptica) bons serviços de Noronha do Nascimento, prolongando-lhe o mandato de presidente do Supremo Tribunal de Justiça para além da idade limite da reforma, parece deparar-se com obstáculos de peso: o Conselho Superior da Magistratura votou contra, a associação sindical dos juízes está contra e o sindicato dos magistrados do Ministério Público também. Há oferendas de difícil concretização...
O PGR, outra figura de topo da nossa Justiça e muito bem-querida do Governo, viu ser posto em causa, pelo juiz Carlos Alexandre, o fundamento da sua decisão de abrir processos disciplinares a alguns magistrados. O conteúdo do despacho de pronúncia do juiz deixa o procurador-geral em mais uma periclitante posição.
A nossa Justiça continua, portanto, ao seu melhor nível...

CMVM, CGD, BES e muitos outros tudo fazem, a nível de «engenharias de gabinete», para fugir às medidas de austeridade. O curioso é que, em público, são esses gestores, são esses presidentes de conselhos de administração, são esses «homens de negócios» os primeiros a defender a urgência e o acerto dessas medidas.
Teixeira dos Santos, que faz questão de querer competir com Cavaco Silva no campeonato público da honestidade, da competência e do sentido de justiça, é quem permite que as «engenharias de gabinete» proliferem. Por exemplo, foi ele, e o seu chefe de Governo, que considerou justo, e nesse sentido legislou, que os accionistas que detenham mais de 10% do capital de uma empresa não paguem imposto sobre os dividendos. Isto é, aqueles que mais capital têm são aqueles que ficam isentos de imposto. 
Também é este mesmo ministro que considera não haver justificação para que haja limites aos salários dos gestores. 
Desgraçadamente, o sentido de justiça de Teixeira dos Santos sofre de recorrente unilateralidade.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Pensamentos de domingo

«Para um comerciante até a honestidade é uma especulação financeira.»
Charles Baudelaire

«Nunca pus um charuto na boca antes dos nove anos.»
Henry Mencken

«A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou louco.»
Salvador Dalí
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

João Paulo Esteves da Silva

sábado, 29 de janeiro de 2011

Recomeçar

A Educação, em Portugal, está em degradação contínua. É impossível manter um comportamento passivo perante esta situação. Caminhamos perigosamente para a destruição do que de positivo ainda subsiste no nosso sistema educativo. 
A generalizada desqualificação da escola, enquanto instituição pública de ensino, de aprendizagem e de preservação de valores; a proletarização e a debilitação da função docente, de que o incompetente modelo de avaliação em curso é um exemplo, constituem factos com que nos confrontamos diariamente.

Por iniciativa da APEDE, uma centena de professores concentrou-se, ontem à noite, nas Caldas da Rainha, para assumir o recomeço de um percurso e de uma luta que, há um ano, foi inexplicavelmente interrompida. Neste momento, estamos, por muitas razões, a viver uma situação pior do que há um ano. É um imperativo recomeçar.

Praça da República, Caldas da Rainha, ontem, à noite. Dezenas de colegas e muito frio...

Ao sábado: momento quase filosófico

O prolongamento da vida

«Uma estratégia biotecnológica para prolongar indefinidamente a vida dá pelo nome espacial de nanorrobótica. São dispositivos que variam em tamanho entre 0,1 e 10 micrometros, a mesma escala dos componentes dos componentes moleculares do corpo. Funcionando de uma forma semelhante à substituição de células estaminais, os nanorrobôs poderia ser introduzidos no corpo para perpétuas missões de "busca e reparação" a nível molecular. O médico da imortalidade não só está na moda como está dentro de nós.
[Outra possibilidade é a criogenia.]
A criogenia é tão velha como Clarence Birdseye, o pai dos alimentos congelados, que engendrou esta ideia multimilionária quando, na época em que vendia peles em Labrador, descobriu que os esquimós congelavam rotineiramente peixe e caribu para consumirem mais tarde. Que delícia, disse Clarence depois de emborcar um golfinho descongelado.
Tudo bem, Birdseye não inventou a criogenia, mas o princípio que ele descobriu vive nos congeladores dos laboratórios do mundo inteiro. A conservação criogénica é o processo de conservar células ou tecidos inteiros arrefecendo-os até temperaturas abaixo de zero, temperaturas às quais todas as actividades biológicas, incluindo qualquer reacção que possa levar à morte celular, são travadas.
Hoje em dia, é rotineiro congelar esperma, óvulos humanos e embriões para posterior descongelação e utilização. Assim sendo, por que não congelar seres humanos inteiros para utilização posterior, digamos para um tempo futuro em que as doenças que outrora ameaçaram o corpo passam a ter cura?
Bem, para começo de conversa, alguns problemas de ordem estritamente prática prendem-se com o facto de o melhor momento de congelar um corpo para reanimação futura ser quando esse corpo ainda está vivo. Isto pode criar um dilema importante se estivermos no meio de uma grande transacção financeira ou vivermos um tórrido caso amoroso na altura do ponto ideal para congelação. Até agora, os tipos que optaram por congelação plena ou parcial (por exemplo, cérebro) escolheram o caminho mais incerto de serem congelados logo que possível após o instante da morte. Cá para nós, é uma escolha que mostra falta de fé.
Outro problema do caminho criogénico também está relacionado com a fé, a fé de que alguma pessoa no futuro — possivelmente uma pessoa que nunca nos conheceu — decida que vale a pena perder tempo e gastar dinheiro para nos descongelar e curar as doenças que possamos ter. Que ganhará ela com isso? Talvez os advogados pudessem elaborar um contrato que obrigasse esse futuro descongelador a abrir a porta do nosso congelador, mas algo nos diz que não é uma coisa muito certa. 
As pessoas descongeladas mudam, sabem?
Um tipo compra um papagaio caríssimo cujo vocabulário é extenso. O pássaro passa o caminho todo até casa do dono a citar Shakespeare e Dylan Thomas, mas quando entra passa-se com uma tirada de palavrões.
— Seu #@&*! Chamas a esta @%# casa?!
Continua nestes termos, a praguejar como um marinheiro e, sempre que o tipo o mandar calar, ele fica ainda mais ordinário. Por fim, o tipo diz:
— Estou farto disto. Vou pôr-te no frigorífico até falares decentemente. — Pega no pássaro e enfia-o no congelador. Passados alguns minutos de palavreado, o pássaro cala-se de repente e o tipo abre a porta do congelador.
O papagaio salta para o ombro do homem.
— Lamento imenso, Mestre, por favor perdoe-me — arrulha ele. — A propósito, que é que a galinha fez?»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.213-217 (adaptado.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 9

Ainda sobre o segundo descritor do nível «Excelente», da segunda dimensão: «Desenvolvimento do ensino e da aprendizagem». Recordemos o conteúdo desse descritor: «[O professor] planifica com rigor, integrando de forma coerente e inovadora propostas de actividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens.»
Na semana passada, analisámos a expressão «planifica com rigor», hoje tentarei deixar uma nota sobre o conceito «inovador», presente na restante parte do enunciado, e a importância subjacente que lhe é atribuído.

Há o pressuposto, mais ou menos difundido, de que um professor «excelente» tem de ser um professor «inovador». Este pressuposto é evidente em todo o articulado do modelo de avaliação e em algumas teorizações pedagógicas. Proponho que se submeta a escrutínio este pressuposto.
Considerar que «ser inovador» é uma condição necessária para ser um  professor «excelente» deriva do postulado que considera a «inovação» como o estádio de desenvolvimento mais elevado de qualquer actividade. Criar, inventar, fazer diferente tornaram-se termos de elevada consideração social que, de diferentes modos, expressam verbalmente o conceito «inovação». A «inovação» passou a ser, para muitos, um fim em si mesmo, porque, supostamente, é uma coisa boa em si mesma. Sendo uma coisa boa em si mesma deveria ser generalizada a todos os ramos de actividade e a todas as situações, incluindo, naturalmente, o ensino. 
Ora o problema reside aqui: a inovação não é um fim em si mesmo. A «inovação», a ser alguma coisa, é sempre um meio, não é um fim. Pode ser um meio de resolver problemas, pode ser um meio de satisfazer ou de criar necessidades ou pode ser um meio de proporcionar prazer. Excluindo esta última vertente estética, a inovação está directamente ligada, como meio, à resolução de problemas/satisfação de necessidades (inerentes, por exemplo, à produção de conhecimentos ou de materiais) ou à criação de necessidades e à consequente venda de  produtos (inerentes, por exemplo, ao comércio e ao marketing).
Todavia, em contexto pedagógico, a questão adquire ainda contornos mais particulares, porque o professor nada vende, nada fabrica e os problemas que resolve são problemas de ensino-aprendizagem — problemas de natureza completamente diversa dos problemas da ciência, da indústria, do comércio ou do marketing. Por isso, para o professor, a «inovação» pode não ser sequer um meio. Os problemas pedagógicos, pela sua natureza específica, não podem nem devem ter como forma superior de resolução a «inovação» (ao contrário do que acontece com outras actividades que só pela inovação podem resolver os seus problemas). Pelo contrário, em pedagogia, não só não têm que ser resolvidos de modo «inovador» como, em muitos casos, não devem ser resolvidos de modo inovador. Devem ser resolvidos de modo adequado a cada aluno, e esse modo adequado pode não ter nada de inovador. Assim, um professor «excelente» não deve andar à procura da «inovação», deve andar, sim, à procura da adequação. A «inovação» poderá resultar da procura da adequação, não o contrário. A inovação, a surgir, virá sempre por acréscimo, como adjacência, não mais do que isso. Lamentavelmente, já todos nós tropeçámos com colegas «altamente inovadores» em estratégias e, em simultâneo, «altamente incompetentes» em tudo o resto. E não esqueçamos: quem sempre paga essas «inovações» são os alunos.
A «inovação» não é, pois, um fim e, em pedagogia, na maioria dos casos,  como vimos, não é sequer um meio. Por isso, não deve constar dos padrões do desempenho docente e, consequentemente, não deve constar do conteúdo de um descritor. Uma determinada estratégia ou actividade pode ser muito inovadora e revelar-se, do ponto de vista pedagógico (isto é, do ponto de vista da adequação às necessidades do aluno, para atingir determinado objectivo) um verdadeiro desastre.
Deste modo, a institucionalização da «inovação» como patamar superior do desempenho de um professor, para além de ser uma importação injustificada de outros domínios, revela-se perniciosa, enquanto elemento modelador do exercício da docência, e inaceitável, do ponto de vista avaliativo.

Ligações a posts anteriores relativos a este assunto:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8 
. Sub-repticiamente

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Quinta da Clássica - Béla Bartók

Sub-repticiamente

O modelo de avaliação do desempenho docente de Lurdes Rodrigues foi justamente repudiado por quase toda a gente. Pelos professores, evidentemente, e por toda a classe política, exceptuando a maioria dos deputados do PS.
O actual modelo de avaliação é, tecnicamente, muito semelhante ao de Lurdes Rodrigues. Não se compreende, pois, que, de repente, como se algo de substancial tivesse sido alterado, se tenha passado do estado de rejeição ao estado de aceitação e/ou de silêncio, por parte de muitos ex-contestatários (onde se incluem os sindicatos).
Os que agora, misteriosamente, passaram a ver virtualidades na avaliação em vigor, costumam argumentar que o actual modelo não incorpora um elemento que, no anterior, era inaceitável: a dependência da avaliação dos professores dos resultados dos alunos. Isto é, o anterior modelo estabelecia que as taxas de insucesso e de abandono escolar  dos alunos pesavam na avaliação do desempenho dos professores. Pelas razões óbvias, isto foi rejeitado (a este propósito, devemos recordar que estamos perante uma ideia já anquilosada: em Inglaterra, nos finais do séc.XIX, foi realizada a primeira tentativa de avaliar os professores e de lhes pagar segundo os resultados obtidos pelos seus alunos. Resultado: em 1902, o Parlamento inglês revogou essa lei, porque considerou que o sistema educativo estava a ser corrompido).
Agora, aquilo que foi liminarmente rejeitado está a ser novamente introduzido, mas de modo sub-reptício. O Ministério da Educação determinou que cada escola tem de definir, ano a ano, e a começar já no presente, melhorias progressivas das taxas de sucesso dos seus alunos e de redução do abandono escolar. A quantificação do sucesso e do abandono passam a ser objectivos anuais de cada escola. Ora, o modelo de avaliação do desempenho docente, em vigor, determina que cada professor é avaliado, entre outros factores, pelo contributo que deu para a concretização dos objectivos definidos pela escola, o que significa dizer que os professores, cujas turmas fiquem aquém das taxas definidas, serão penalizados na avaliação do seu desempenho.
Aquilo que o Ministério da Educação não conseguiu, há três anos, fazer entrar pela porta principal, está a fazer entrar pela porta das traseiras.

APEDE convoca concentração de professores

(Re)começar a mexer

O núcleo da APEDE de Caldas da Rainha convoca os professores do concelho e, obviamente, todos aqueles que se lhes queiram associar, para uma concentração/vigília, marcada para sexta-feira 28/01/2011, pelas 21,30h, na Praça da República (praça da fruta) − Caldas da Rainha.
Visa esta iniciativa fazer sentir à opinião pública, ao governo e aos sindicatos signatários de ‘memorandos’ e ‘acordos’ de má memória que os professores não desistiram da sua luta e que:
1. Recusam definitivamente a demência burocrática deste modelo de avaliação;

2. Não aceitam a precarização laboral em curso, apresentada como consequência inescapável da política de redução da despesa pública.

3. Não admitem a usurpação continuada dos seus direitos laborais, que está a conduzir à subversão total do seu estatuto profissional.

Pára de remoer a tua resignação e vem afirmar a tua dignidade!
APEDE - Núcleo das Caldas da Rainha

Felicito a APEDE por esta iniciativa. 
É um imperativo profissional o exercício de uma oposição intransigente à situação de absoluta falta de credibilidade do modelo de avaliação, à proletarização da função docente e à desqualificação generalizada da Educação.
Amanhã, estarei presente na concentração, em boa hora convocada.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Às quartas

NOITE DE INVERNO

Sentado calmamente em frente da lareira,
Uma face fugidia e tímida reflectida no lustro da mobília de madeira,
Afaguei o brocado desmaiado;
O gato preto miou suavemente.

O ar fresco da noite entra através das gelosias.
As estrelas parecem mais próximas sob os pilares do alpendre;
Enquanto me aqueço penso nos que empreendem uma árdua viagem.
Quantos viajantes serão tocados pelo som do tamborim do guarda da noite?

Xin Di
(Trad.: Armanda Rodrigues)

Uma denúncia obrigatória

Por sugestão amiga (J. Magueija), aqui fica uma denúncia obrigatória:

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Bonecos de palavra

Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos).
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Registos e notas do fim-de-semana

Portugal vai ter de devolver €170 milhões à Europa
— por não ter respeitado as regras de controlo de subsídios a agricultores —

Lanche de luxo
— O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas gastou 26 mil euros para comemorar o dia de Reis —

Encargos com juros disparam 220 milhões
Sol (21/1/11)

Execução orçamental 
indicia que Governo não terá conseguido défice abaixo de 7,3%

Julgamento do caso Portucale arranca dia 2, 
seis anos depois da abertura do inquérito

Cavaco só teve licença para acabar casa de férias 
três meses depois de estar pronta

 Uma média de 12 adolescentes dão à luz todos os dias em Portugal
Público (21/1/11)

€2,6 mil milhões: 
é quanto gastámos com os estádios do Euro 2004 que estão vazios, as autoestradas excedentárias, o Aeroporto de Beja e o Metro Sul do Tejo

 Oito agressões por dia registadas nas escolas

Falta de crédito obriga empresas portuguesas a vender negócios

Hospitais estão abaixo do limiar da qualidade

Vítimas de crime violento sem indemnizações há mais de um ano
Expresso (21/1/11)

Milhares de bolseiros do ensino superior vão ficar sem ajudas este ano
Público (22/1/11)
Na semana passada, foi possível ouvir, nas rádios e nas televisões, muita gente a manifestar a sua intenção de voto e a esgrimir a sua análise política.
Recordo, com antecipada saudade, porque dificilmente terei nova oportunidade de apreciar esta lucidez, o electricista que, aos microfones da rádio, disse: "Sou militante do PS, mas vou votar no Cavaco Silva, porque sei que o Manuel Alegre não vai ganhar."
Lembro, também com antecipada saudade, o pensamento de uma mulher que dizia ao repórter: "Ó, senhor, eu gosto muito do Sócrates". E, segundos depois, inquirida acerca da sua profissão, respondia: "Olhe, estou desempregada. Mas olhe que não sou só eu. Na minha família, o meu filho também está desempregado e a minha nora também. E veja lá o senhor isto: uma semana antes do meu filho ficar desempregado, chamaram a minha nora para lhe dizer que ela ia perder o subsídio, porque o marido dela, o meu filho, ganhava demais. O senhor acha isto bem? Acha isto justo, carago?"
Fiz alusão a estes dois registos apenas com a intenção de deixar um pequeno contributo ao estudo sociológico que os resultados eleitorais normalmente suscitam.

Entretanto, 170 milhões de euros vão ser devolvidos à procedência, porque o Governo foi incompetente. Entretanto, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas ofereceu um lanche, para celebrar o dia de Reis, que custou 26 mil euros. Entretanto, o Governo (ao contrário do que publicita) não cumpriu o défice de 2010. Entretanto,... Entretanto,...

O que nos descansa é saber que o novo presidente da República, pelas promessas que fez, não permitirá que nada disto continue a acontecer. 
Pena foi ele não ter sido o nosso presidente nos últimos cinco anos...

domingo, 23 de janeiro de 2011

Pensamentos de domingo

«Sucede aos homens como às substâncias materiais, as mais leves e menos densas ocupam os lugares superiores.»
Marquês Maricá

«A tecnologia é dominada por aqueles que gerem o que não entendem.»
Arthur Bloch

«Um bocejo é um grito silencioso.»
Gilbert Chesterton
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

David Weiss

sábado, 22 de janeiro de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

O médico da imortalidade está na moda

«Actualmente há uma grande variedade de terapias de imortalidade, muitas delas com modelos teóricos razoavelmente válidos  e outras com investigações prometedoras em curso.
Vejamos o exemplo da terapia de substituição de células estaminais, uma forma de medicina regenerativa que substitui por componentes do corpo gerados a partir de células indiferenciadas (células estaminais) os componentes defeituosos ou mortos num corpo. A grande maioria das células tem uma função específica — por exemplo, células cutâneas ou células cerebrais —, por isso quando iniciam a sua função específica (diferenciação) não podem ser adaptadas para outra função; porém, como as células estaminais são indiferenciadas, podem transformar-se em qualquer tipo de célula no corpo humano depois de serem "programadas" com as instruções certas.
A terapia de células estaminais já reivindicou sucesso na inserção de células produtoras de sangue em pacientes com problemas hematológicos e muitas outras terapias de substituição de células estaminais começam a ser utilizadas, como substituições de medula espinhal e de partes dos cérebro. Está em estudo uma célula "todo-poderosa", uma célula que poderia ser introduzida num corpo e reconstruiria qualquer componente danificado ou morto desse corpo consoante as necessidades, no momento certo.
Para se ter uma ideia de como isto poderia resultar em imortalidade, imagine um carro de 1956 que ao longo do tempo viu todas as suas peças serem substituídas de tal forma que agora está exactamente como novo, mas não possui nenhum componente original. Agora imagine que é um carro. [...]
Isto leva-nos à terapia da telomerase, uma estratégia de imortalidade que corrige o desejo de morte impresso no nosso ADN. Os cientistas comparam os telómeros às pontas de plástico dos atacadores de sapatos, na medida em que impedem as extremidades dos cromossomas de se desfazerem e se enfiarem umas nas outras, um cenário que poderia baralhar a informação genética de um organismo e provocar cancro e/ou a morte. Mas esta função tem uma grande desvantagem: sempre que uma célula se divide, os telómeros ficam mais curtos e quando encurtam de mais a célula morre. É a bomba-relógio a fazer tiquetaque dentro de todos os cromossomas. Isto levou os crânios da empresa de engenharia genética Geron a tentar descobrir como colocar mais telos nos nossos telómeros.
Em 1997, os funcionários da Geron descobriram um gene que codifica uma proteína chamada telomerase, que atrasa o "relógio do envelhecimento" nas extremidades dos cromossomas. Até agora, só tiveram sucesso em placas de Petri, onde a oportunidade de vivermos uma vida rica e variada nos parece extremamente limitada. Os tipos da Geron calculam que no futuro a terapia de telomerase travará indefinidamente o processo de envelhecimento, mas a maioria dos cientistas não pensa que possa inverter o envelhecimento. 
Não se esqueça disto quando tiver 75 anos, como o Malcolm:
Malcom andava a passear quando viu uma rã na sarjeta e apanhou um susto enorme quando, de repente, ouviu a rã dizer-lhe:
— Velhote, se me beijares transformar-me-ei numa linda princesa. Serei tua para sempre e poderemos fazer amor louco e ardente todas as noites.
Malcom baixou-se, pôs a rã no bolso e continuou a andar.
— Ó! — disse a rã. — Não deves ter ouvido o que eu disse. Eu disse que se me beijares me transformarei numa linda princesa e poderemos fazer amor louco e ardente todas as noites.
— Eu ouvi-te bem — replicou Malcom —, mas na minha idade prefiro ter uma rã que fala.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.211-213 (adaptado).

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8

O segundo descritor do nível «Excelente», relativo à segunda dimensão, enuncia: «[O professor] planifica com rigor, integrando de forma coerente e inovadora propostas de actividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens.»
Mais uma vez temos um problema com a falta de precisão, de adequação e de substância dos enunciados.
Vejamos: o que significa uma planificação realizada com «rigor»? A que rigor se está a fazer referência? A rigor científico? A rigor pedagógico? A rigor didáctico? Aos três?
O problema é que o termo «rigor» não é apropriado para se aplicar aos três domínios. É, com certeza, apropriado se aplicado ao domínio científico, mas já não é apropriado se aplicado ao domínio pedagógico ou a domínio didáctico.
Reportando-nos o domínio científico para um corpo de saber instituído e escrutinado — ainda que sempre com carácter provisório —, poder-se-á aferir se as referências ou as práticas relativas a esse corpo de saber são rigorosas ou não (mesmo que, em alguns saberes, existam limitações à fiabilidade dessa aferição). Podemos dizer que, no domínio científico, existe um padrão a partir do qual será possível aferir do rigor das práticas ou das referências que lhe são feitas. Mas o mesmo não acontece a nível pedagógico nem a nível didáctico. Não só não existe o padrão como a própria natureza deste dois domínios não permite que esse padrão exista. Deste modo, parece-me desadequada a utilização do termo «rigor», no contexto em que está a ser utilizado, já  que supõe uma superlativa exigência que a realidade do objecto em causa (uma planificação) não suporta. Significa isto que estamos no reino do vale tudo? Claro que não, como mais à frente iremos ver. Mas o que não pode acontecer é criarem-se descritores que são objectivamente inadequados para o objecto da sua avaliação e que artificialmente constroem cenários excêntricos.

Prossigo na análise, para fundamentar o que acabei de afirmar.
Uma planificação é simplesmente um plano de trabalho. Não é um tratado, não é uma dissertação, nem sequer um ensaio. Uma planificação é um documento que, na parte científica, depende, em muito, do programa disciplinar, e ao professor pode caber somente (se couber) a iniciativa de pequenas adaptações e/ou pequenos ajustes que, obviamente, têm de ser feitos com correcção científica, mas não mais do que isto. E isto, repito, se houver lugar, a essas pequenas adjacências. Aquilo que é verdadeiramente importante numa planificação é que cumpra o fim a que se destina: orientar de forma adequada o processo de ensino-aprendizagem (a longo, médio ou curto prazo).
De forma adequada a quê? De forma adequada às características de quem vai aprender — sem adulterar a correcção científica do que está a ser ensinado ou as «competências» (termo idolatrado pela moda pedagógica, em vigor, inspirada em arquétipos empresariais) que se pretende desenvolver ou criar. Considero, por isso, que aquilo que é verdadeiramente importante numa planificação é, para além da óbvia correcção científica, a sua adequação, no sentido que acabei de referir.
Não se trata pois de «rigor», como o descritor enuncia. E melhor verificaremos ser inusitada a utilização do termo «rigor», se tivermos presente que as planificações de médio e de longo prazo são feitas conjuntamente pelos pares e aprovadas por todo o grupo disciplinar. Isto significa, em termos práticos, que o professor avaliador é co-responsável pela planificação, porque é seu co-autor e/ou porque a aprovou. Nestas circunstâncias, que vai o professor avaliador avaliar?
Resta-nos a planificação de curto prazo (semanal ou diária/plano de aula), que é pensada/elaborada para uma turma específica. Neste âmbito, estamos a falar da elaboração de uma planificação que é especificamente pensada pelo professor para os «seus» alunos (ou, até, uma planificação individualizada, se for possível e necessária), para aqueles alunos que ele vai conhecendo cada vez melhor, cujas características e necessidades ele, melhor do que ninguém, sabe quais são, porque é ele que, diariamente, ou quase diariamente, convive e trabalha com eles. Ora, nestas planificações de curto prazo (formalmente subsidiárias das de médio e longo prazo) o que é que está realmente em questão? O que é verdadeiramente importante na planificação de curto prazo é a sua adequação aos alunos específicos da turma X, Y ou Z. A adequação é o elemento decisivo, é o elemento diferenciador de uma boa ou menos boa planificação.
Deste modo, o que, em termos de avaliação do desempenho, poderia ser significativo avaliar seria se o professor, quando faz a sua planificação de aula, está a fazê-la para os seus alunos (de modo a que essa planificação possa ser o mais adequada possível a esses alunos), ou se, não pensando neles, elabora uma planificação para uma turma abstracta, sem características nem identidade própria, reduzindo, assim, as possibilidades de ser uma planificação adequada.
O descritor deveria, pois, falar de adequação e não de «rigor», como fala. É uma questão de lana caprina? Seria, se se tratasse de um equivoco terminológico. Mas, desgraçadamente, não é um equívoco. Não é um equívoco, porque os autores deste modelo de avaliação acham mesmo que é assim: para eles, um professor «Excelente» e um professor «Muito Bom» planificam com «rigor» e um professor simplesmente «Bom» planifica apenas de «forma adequada» (cf. os descritores dos respectivos níveis, nesta dimensão).
É mais um grave dislate, a juntar a todos os outros que já vimos em anteriores posts.

Finalmente, uma derradeira observação, porque a realidade não se molda a desejos e, menos ainda, a desvarios, de quem quer que seja. Mesmo que o descritor estivesse apenas formulado na base da «adequação» teríamos de ter presente o seguinte:
— verdadeiramente, a adequação de uma planificação só é susceptível de ser avaliada a posteriori. Só depois de aplicada é que o professor saberá se a planificação foi adequada, e, muitas vezes, não o consegue saber imediatamente após aplicação, e, outras vezes, nunca o virá a saber, com a certeza que gostaria de saber. Isto levanta um problema acrescido, que não podemos fazer de conta que não existe, só porque nos dá jeito, para continuarmos a fazer de conta que avaliamos. O problema é este: aquilo que poderia ser objecto de uma avaliação a priori (que é disto que se trata no presente descritor, porque são outros os descritores que abordam a prática) seria apenas o carácter presumivelmente adequado da mesma, tendo em atenção as características conhecidas da turma. Ou seja, o que aqui poderia ser susceptível de avaliação seria a fundamentação que o professor apresenta para optar por determinada planificação, e não por outra, em função do conhecimento dos seus alunos. Ora, como o professor avaliador não conhece a turma (não conhece rigorosamente nada, nos casos em que não observa aulas; e pouco mais que nada conhece, nos casos em que observa duas aulas, conforme está previsto) não está em condições de avaliar se, em termos de planificação, o professor fundamenta com verdade, ou não, as suas opções.

Como este descritor dá «água pela barba», como o texto já vai longo, como já é quase noite de sexta-feira, e como, felizmente, existe mais (muito mais) vida para além da avaliação, vou ficar por aqui, e regressarei a ele (descritor) e a ela (avaliação) na próxima semana.

Ligações aos posts anteriores relativos a este assunto:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

No acolhedor recato da cabina de voto

A campanha eleitoral para Presidente da República tem sido um fenómeno pouco estimável — seguramente, um retrato do país em que estamos transformados.
Algumas observações sobre as alternativas que temos.

Aníbal Cavaco Silva — Se for reeleito, será, no final do segundo mandato, o político português que mais anos esteve no poder, depois do 25 de Abril. Somará, em 2016, vinte e dois anos de exercício dos mais altos cargos políticos (dois anos como ministro das Finanças, dez anos como primeiro-ministro e dez anos  como presidente da República), — isto é, mais de metade do tempo decorrido desde 1974. Neste momento, Cavaco Silva já leva dezassete anos de permanência no poder. Se olharmos para estes números e, simultaneamente, olharmos para o estado a que o país chegou, não podemos deixar de ver que Cavaco Silva é, inevitavelmente, um dos principais responsáveis pelo caminho percorrido até hoje.
Não deixa de ser curioso observar que este candidato apresente como principal elemento do seu repertório argumentativo a permanente alusão à sua experiência política e à sua formação de economista, como atributos essenciais para um bom exercício do cargo de presidente da República. A curiosidade está no facto, verificado por todos nós, de que, nos últimos cinco anos, esses pretensos atributos foram absolutamente inúteis, pois não evitaram em nada que se tivesse chegado ao estado calamitoso em que nos encontramos.
A verdade é que Cavaco Silva foi um mau presidente da República. Desde o apoio objectivo que, recorrentemente, prestou às desastradas políticas de Sócrates (recorde-se, por exemplo, os rasgados elogios que dirigiu a Lurdes Rodrigues) até ao vergonhoso episódio das «escutas em Belém», passando pela inaceitável omissão de resposta ao enxovalho público que o presidente checo, na sua frente, dirigiu a Portugal; Cavaco esteve invariavelmente mal. Quem teve o comportamento que Cavaco Silva teve, quando as gravíssimas notícias sobre as «escutas» saíram  a público (primeiro, silêncio absoluto e, depois, sinuosas e enigmáticas afirmações sobre matéria tão crítica) e quem foi capaz de ler o grotesco comunicado que, sobre o assunto, ele leu ao país, não poderia, se fosse responsável, pensar em nova candidatura.
Cavaco Silva é um homem culturalmente muitíssimo limitado e politicamente não traz nada de novo.

Defensor de Moura — Não consigo perceber o que anda este candidato a fazer.

Fernando Nobre — Tem revelado falta de consistência no seu discurso político. Não estava preparado para esta campanha. Tem a apoiá-lo a família Soares, o que não joga propriamente a seu favor. O que propriamente joga a seu favor é o facto de ser uma candidatura que não está submetida a interesses de aparelhos partidários e de ser o único que pode representar, pela natureza da sua candidatura (e não propriamente pela substância do candidato), aqueles que não se revêem no statu quo partidário nem no modo dominante de fazer política, neste país.

Francisco Lopes — Foi o candidato que melhor prestação teve nos debates televisivos contra Cavaco Silva. Mas é a voz do PCP, nada mais. O que é pouco e não é bom.

José Manuel Coelho — Tem de positivo: ser um madeirense anti-Jardim. Tem de negativo: tudo o resto.

Manuel Alegre — O homem das «grandes batalhas», como ele próprio se vê, exemplifica bem o que acontece a quem troca as «grandes batalhas» pelos pequenos jogos de interesses dos gabinetes partidários. Escolheu o caminho errado. Desbaratou o que conseguiu há cinco anos. Acaba a sua carreira política a tecer rasgados elogios a Sócrates, rodeado das Margarida Moreira e dos Santos Silva deste país.

Perante isto...
Entre o chamado voto de protesto, numa candidatura que corporize esse protesto com um mínimo de seriedade, e o chamado voto de protesto, em candidatura nenhuma, reside a minha dúvida existencial do momento. 
Por outras palavras, no domingo, no acolhedor recato de uma cabina de voto, decidirei se voto em branco ou se voto em Nobre.

Às quartas

O LOBO DAS ESTEPES

Eu, lobo das estepes, corro, corro,
a neve cobre o mundo,
da bétula levanta voo o corvo,
mas nunca aparece uma lebre, nunca aparece um cervo.
E como eu amo os cervos!
Se acaso encontrasse algum,
prendia-o com garras e dentes:
é a coisa mais bela em que penso.
Com os sensíveis seria também sensível,
devorava-os todos de extremo a extremo,
bebia-lhes até ao fundo o sangue púrpura e espesso,
e solitariamente uivava pela noite dentro.
Contentava-me com uma lebre.
É tão doce à noite o sabor da sua carne quente.
Porventura foi-me negado tudo quanto possa, um pouco,
alegrar a vida, um pouco apenas?
A minha companheira, há muito que não a tenho,
o pêlo da minha cauda começa a ficar cor de cinza,
e só quando há bastante luz é que vejo.
Agora corro e sonho com cervos,
ouço o vento soprar nas grandes noites de inverno,
e a minha alma dolorosa, entrego-a eu ao demónio.

Hermann Hesse
(Trad.: Herberto Helder)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Bonecos de palavra

Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos).
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Registos e notas do fim-de-semana

Subida dos juros da dívida vai anular poupança dos cortes salariais no Estado

Juízes requerem reformas a ritmo sem precedentes
Público (14/1/11)

João Pinto foge ao fisco através do Luxemburgo

Sócrates de novo candidato [a secretário-geral do PS]

Jardim continua a acumular reforma e ordenado
Sol (14/1/11)

Governo corta nos apoios às empresas para contratar jovens
Público (15/1/11)

Rui Pedro Soares e Emídio Rangel associam-se a espanhóis da Mediapro para lançarem novo semanário, canal de televisão e rádio de inspiração socialista [PS]

Água da torneira não serve para deputados
 Expresso (15/1/11)

Nos últimos seis anos, Portugal transformou-se num país, simultaneamente, triste, amargurado, angustiado, rancoroso, adiado, incompetente, indignado. Foi abundantemente semeada a provocação obscena, cultivado o conflito gratuito, incentivada a mentira e instalada uma permanente e grotesca encenação, um permanente e grotesco faz-de-conta nacional, que, agora, todos estamos a pagar e que continuaremos a pagar durante longos anos.
O primeiro responsável desta situação é quem exerce, há seis anos, as funções de primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates. O segundo responsável é o Partido Socialista. 
Agora, ficámos a saber que o primeiro responsável vai recandidatar-se a secretário-geral do PS e que o segundo responsável se prepara para reelegê-lo.


Juízes, médicos, professores e muitos outros profissionais do Estado estão a reformar-se a um ritmo nunca visto. Desde o primeiro dia em que tomou o poder, Sócrates começou a destruir o sector Público da sociedade portuguesa: 
— através do insulto, do mau trato e das injustiças que promoveu, começou por indignar milhares de profissionais sérios e competentes e acabou a empurrá-los para a reforma antecipada, com  brutais penalizações; 
— através da cega redução de direitos e de serviços sociais, começou a reduzir a pó a função social do Estado.
O Estado português há-de querer ter profissionais competentes e não os vai ter. Será nessa altura que muitos daqueles que hoje protestam contra os serviços públicos vão arrepender-se e vão querer pedir contas a Sócrates e ao PS, mas, nessa altura, será tarde. Vão ser necessários muitos anos para se recuperar o que de bom ainda existia, a nível de profissionalismo público.


Entretanto, os João Pinto, os Rui Pedro Soares, os Alberto João Jardim deste país não têm crise que os atinja, porque, de uma forma ou de outra, há sempre uma «saída», ou, como é moda e fica bem dizer, há sempre uma «oportunidade» que a crise oferece.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Pensamentos de domingo

«Detesto quem é capaz de marchar em formação, com prazer, ao som de uma banda. Nasceu com cérebro por engano; bastava-lhe a medula espinhal.»
Albert Einstein

«A juventude é uma conquista da maturidade.»
Jean Cocteau

«Nunca viajo sem o meu diário. É preciso ter sempre algo extraordinário para ler no comboio.»
Oscar Wilde
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Jason Moran Trio

sábado, 15 de janeiro de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

«Enquanto analisamos as pesquisas que os cientistas estão a efectuar actualmente em universidades importantes sobre a imortalidade de clones, a crio-imortalidade e a ciber-imortalidade, somos confrontados com algumas questões metafísicas e epistemológicas. Questões do género: Continuo a ser eu se for apenas um cérebro descongelado? Se for completamente feito de células estaminais regeneradas? Se existir apenas num microchip? Quem é o verdadeiro eu se existirem quatro eus? Continuo a precisar de um preservativo para fazer sexo virtual?
Mas antes de aprofundarmos a possibilidades de uma vida sem jamais morrer, vamos deter-nos um momento para ponderar qual é a extensão da eternidade. Voltamos novamente ao professor [Woody] Allen para um esclarecimento: "A eternidade é muito longa, principalmente perto do fim." [...]
Do ponto de vista da medicina, a ideia de prevenir a morte é basicamente o que os médicos já tentam fazer, por isso prevenir a morte para sempre mais não é que uma extensão do seu protocolo hipocrático. É raro o médico que nos senta e nos diz: "Conseguimos curar a sua aterosclerose, por isso tenho o prazer de lhe dizer que morrerá de outra coisa qualquer." Pelo contrário, lemos constantemente notícias sobre o objectivo glorioso da medicina de acabar com as maiores causas de morte — doença cardíaca, AVC e cancro —,  lugares na lista da mortalidade. Assim, os médicos comportam-se como se fossem imortalistas, como se pudessem curar todas as maleitas que teremos.

Viver muito tempo parece sempre mais divertido do que viver pouco tempo, acima de tudo porque é mais — mais vida, um dos nossos passatempos preferidos.
Todavia, quando os yuppies começam a atingir a marca dos três dígitos, viver muito tempo adquire um valor acrescentado: é uma proeza, como arranjar um bom emprego, vender os direitos cinematográficos de um romance ou seduzir a Angelina Jolie. Como Michael Kinsley observa no seu ensaio «A Minha É mais Comprida Que a Tua», na New Yorker, sobre as suas percepções desde que lhe foi diagnosticada a doença de Parkinson, a longevidade competitiva é a última grande aposta dos baby boomers envelhecidos. escreve Kinsley: 
"De todos os presentes que a vida e a sorte podem conceder — dinheiro, beleza, amor, poder —, a longevidade é aquele de que as pessoas parecem menos relutantes em gabar-se. A verdade é que a reivindicam normalmente como uma espécie de virtude, como se viver até aos 90 fosse antes de mais o resultado de trabalho árduo ou orações em vez de bons genes e de nunca ter sido atropelado por um camião."
Claro que há um paradoxo inerente a esta competição: o último homem ou mulher a chegar à Grande Meta não terá ninguém da sua faixa etária para vencer.
O comediante Steven Wright resumiu o estilo de vida dos boomers com a seguinte observação: "Tenho pena das pessoas que não bebem nem consomem drogas. Porque um dia vão estar numa cama de hospital, a morrer, e não saberão porquê."»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.205-208 (adaptado).

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7

Dando continuidade a alguns apontamentos que aqui tenho deixado sobre o modelo de avaliação docente, passo, agora, a fazer algumas observações sobre os descritores da segunda dimensão («Desenvolvimento do Ensino e da Aprendizagem).
O primeiro descritor do nível «Excelente» diz: «O docente evidencia elevado conhecimento científico, pedagógico e didáctico inerente à disciplina/área curricular.»
Um sistema de avaliação, seja ele qual for, tem de ter como primeiro requisito ser exequível na realidade específica em que vai ser aplicado. Um sistema de avaliação que apresente enunciados não operativos tem pouca ou nenhuma serventia. Ora, é recorrente neste modelo de avaliação enunciar-se descritores comportamentais que, a nível do senso comum, parecem pacíficos, mas que, submetidos a um escrutínio um pouco mais detalhado, se revelam desastrosos e incompetentes para a finalidade que têm. 
O descritor acima referido é mais um exemplo do que acabei de dizer. Neste descritor, levantam-se dois problemas:

i) Qual é a definição do conceito: «elevado conhecimento científico»? O que se entende por «elevado conhecimento científico»? Qual a fronteira entre um conhecimento científico elevado e um conhecimento científico não elevado? É claro para todos que não é possível avaliar da existência de um conceito sem a sua prévia definição, sem sabermos, com rigor, a que quadro conceptual ele nos reporta. Consequentemente, não é possível pensarmos em avaliar algo se não soubermos definir as fronteiras que distinguem esse algo de outro algo. Ora, não só o conceito de «elevado conhecimento científico» está por definir como não vejo que, no contexto específico em que se processa a avaliação do desempenho docente do ensino não superior, seja possível defini-lo de modo razoável. E não estando este problema resolvido, toda a avaliação que for feita a partir de um vazio conceptual será sempre uma inaceitável brincadeira.

ii) Todavia, vamos fazer de conta que o problema anterior não existe, vamos fazer de conta que todos sabemos o que é um «elevado conhecimento científico». Vamos fazer de conta que só existe um outro problema: no contexto real das nossas escolas e da sua orgânica, de que modo é que os professores podem revelar possuir «elevado conhecimento científico»?
Vamos por partes. Só há dois modos de se evidenciar ser detentor de conhecimento científico: através de texto escrito e/ou através de texto oral. 

Comecemos pelo texto oral. Em que circunstâncias pode um professor, através do texto oral, evidenciar «elevado conhecimento científico»? Em que circunstâncias pode um avaliador certificar-se, com fiabilidade, com credibilidade, que um professor possui «elevado conhecimento científico», através do texto oral
Vejamos a situação do professor que vai ter aulas observadas: pode um professor evidenciar, em duas aulas observadas, um «elevado conhecimento científico»? Não pode, é impossível, em duas aulas, um professor revelar que possui um «elevado conhecimento científico» e é impossível o avaliador avaliar se o professor é detentor desse «elevado conhecimento científico» — recorde-se que estamos a falar de algo que é adjectivado de «elevado» (seja o que for que isso queira dizer, será sempre o nível máximo de algo). A aula não é um lugar adequado para se revelar possuir um «elevado conhecimento científico»; quando muito, na aula, o professor pode e deve revelar um correcto e adequado conhecimento científico para o nível etário dos alunos e para os objectivos do programa disciplinar que está a leccionar. A aula (do ensino básico ou do ensino secundário) não é um local para profundas exposições nem para demonstrações científicas que permitam aquilatar da elevação de um conhecimento.
E os professores que vão ser avaliados no mesmo item, mas que não vão ter qualquer aula observada? Que se faz com eles e com a pretensa avaliação do seu «elevado conhecimento científico»?
Afastada a hipótese, a nível do texto oral, de ser a aula o local destinado à avaliação do elevado conhecimento científico, o que resta? Deverão os professores realizar conferências para apresentar comunicações científicas, de modo a que o avaliador possa avaliar do seu «elevado conhecimento científico»? Para além da excentricidade da ideia (imaginarmos os professores, em fila, a marcar conferências e colóquios para poderem evidenciar os seus conhecimentos), nas escolas grandes ou nos agrupamentos de escolas, todos os dias do ano não seriam suficientes para tanto evento científico. Não sendo isto aceitável nem possível, que deverão os professores fazer para evidenciar o seu «elevado conhecimento científico»? Deverão, em reuniões de departamento, fazer a apresentação de dissertações científicas? Ou em reuniões de grupo? Ou em frente-a-frente, com o avaliador? 
Entendamo-nos: onde, quando e em que circunstâncias podem/devem os professores evidenciar, através de texto oral, o seu elevado conhecimento científico?

Vistas as dificuldades de se avaliar, através de texto oral, o «elevado conhecimento científico» de um professor, resta-nos o texto escrito.
Que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu «elevado conhecimento científico»? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalhinho de meia dúzia de páginas sobre um determinado assunto? E depois discuti-lo com o avaliador, de modo a que se possa obstaculizar a tentativa de fraudes do género copy and paste? E quantos livros deve escrever e/ou quantos ensaios deve redigir e/ou quantos artigos deve publicar para que atinja a fronteira do «elevado»? E é apenas a quantidade que conta ou também conta a qualidade da sua produção científica?
Entendamo-nos: se o texto oral levanta os problema que levanta, se o texto escrito suscita as dúvidas que suscita, afinal que pode/deve o professor fazer para demonstrar possuir um «elevado conhecimento científico»? E como é que o avaliador avalia essa elevação do conhecimento científico?

The last but not the least: quem é possuidor de autoridade e de credibilidade científica para avaliar o elevado conhecimento científico de alguém?
Do ponto de vista formal, para que o processo não seja inquinado, logo à partida, é consensual que o avaliador deve ter uma habilitação académica superior ao avaliado — tanto mais que será chamado a avaliar do elevado nível de conhecimento científico do seu avaliado. Isto é consensual, mas não é real. Na realidade, vamos ter milhares de casos de professores licenciados a avaliar professores licenciados e vamos ter muitas centenas de casos de professores com licenciatura a avaliar professores com mestrado e a avaliar professores com doutoramento. A legislação permite-o.
Isto é aceitável? Não é. Isto é impossível de ser aceite.

Todavia, quando não há seriedade nos propósitos, quando o que se pretende, na realidade, é somente montar um gigantesco circo de faz-de-conta que se avalia, então, tudo vale, tudo é permitido. É nisso que estamos.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Ter ou não ter

Há determinadas vozes públicas que só de as ouvirmos nos incomodam. Isto acontece não porque o problema resida no timbre das vozes, mas simplesmente porque associado a elas está o permanente uso e abuso da demagogia, e/ou da mentira, e/ou da arrogância e/ou da falta de pudor.
Uma dessas vozes é a de Teixeira dos Santos. O caso de Teixeira dos Santos é mais grave do que outros, porque a sua voz não só está associada à série de qualidades que acima enumerei como tem um efectivo problema de timbre. Por conseguinte, ouvi-lo incomoda-me duplamente: pela qualidade das pregas vocais e pelo que diz. E ontem, no Parlamento, esta voz disse: «O Governo não tem vergonha de pedir sacrifícios aos povo português.» Disse e repetiu duas vezes. Disse e repetiu duas vezes, em tom agressivo e quase aos gritos. Foi, pois, particularmente incomodativo ouvi-lo. 
Incomodativo e elucidativo. Nós sabemos que, em regra, este Governo não tem vergonha. Contudo, há algo de que este Governo não poderia deixar de sentir vergonha: exactamente de estar a pedir sacrifícios, melhor dito, de estar a impor sacrifícios brutais aos portugueses. Disto, pelo menos, o Governo teria de sentir vergonha. Porque o primeiro responsável pelo estado calamitoso a que o país chegou é o Governo. Ele é o primeiro responsável e, para a política ter ainda alguma réstia de dignidade, o Governo teria de considerar como um imperativo seu assumir a responsabilidade da situação que vivemos. Mas  o Governo não assume essa responsabilidade nem sente essa vergonha. Pelo contrário, pabula-se com ela, bazofeia-se com ela.
Quando se atinge o ponto em que o pudor é substituído pela ufania, quer dizer que há algo de muito errado, quer dizer que há algo que necessita de urgente saneamento.

Quinta da Clássica - Jan Dismas Zelenka

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Às quartas

MARINHEIRO

Aquele pássaro que voa pela primeira vez
afasta-se do ninho olhando para trás

Com o dedo nos lábios
                         Chamei-vos

Inventei jogos de água
na copa das árvores

Tornei-te a mais bela das mulheres
tão bela que enrubescias nas tardes

                        A lua afasta-se de nós
                        e lança uma coroa sobre o pólo

Fiz correr rios
                        que nunca existiram

De um grito ergui uma montanha
e em volta dançámos uma nova dança

                       Cortei todas as rosas
                       das nuvens do Este

E ensinei a cantar um pássaro de neve

Caminharemos sobre os meses desatados

Sou o velho marinheiro
                       que cose os horizontes cortados

Vicente Huidobro
(Trad.: José Bento)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Registos e notas do fim-de-semana

Dívida volta a superar fasquia dos 7%

João Pinto e José Veiga acusados de fraude fiscal e branqueamento de capitais
Público (7/1/2011)

Representante da empresa de blindados trabalha para o Estado português

Câmara Municipal de Lisboa ameaça entregar bairros sociais ao Fisco

Na CGD os salários não devem ser reduzidos

Escolas sem dinheiro para as contas
— facturas de água, luz e gás são cada vez mais difíceis de pagar —

ME suspende cursos para adultos

Governo dá bónus de tempo a Noronha Nascimento
Sol (7/1/2011)

Sócrates falou do negócio PT/TVI 11 dias antes de negar conhecê-lo

Miguel de Almeida deixou a bancada do PS e o Parlamento
Expresso (8/1/2011)

Campanha das presidenciais arranca amanhã marcada pelos estilhaços do BPN
Público (8/1/2011)

Não deixa de ser curioso observar como o problema dos juros relacionados com a dívida portuguesa não leve ninguém do Governo, do PS, do PSD ou do CDS a contrariar e a combater a evidente, e já múltiplas vezes denunciada, contradição existente no sistema financeiro mundial: por um lado, este sistema exige aquilo que designa, eufemisticamente, de saneamento das contas públicas dos países devedores, obrigando a uma política económica restritiva e penalizando com juros elevadíssimos quem não o faça; por outro lado, penaliza com juros elevadíssimos os países que não revelem possibilidades de crescimento económico, exactamente porque seguem uma política económica restritiva...
O sistema financeiro pretende que este ciclo/círculo vicioso seja quebrado pela concretização de leis e medidas que, prejudicando gravemente quem só tem rendimentos do trabalho (através da revogação de direitos fundamentais), garantam a obtenção de lucros desmedidos (e socialmente inaceitáveis), por parte de quem detém o poder económico.
Existe, aqui, alguma coisa nova? Não, não existe. Faz parte da natureza deste sistema em que vivemos. E, se não fossemos nós os imolados, seria até interessante a expectativa de ver como pretende desembrulhar-se deste jogo quem sempre aceitou e elogiou as suas regras.

Outra interessante contradição é aquela que neste momento estalou entre o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o ministro das Finanças. António Costa, que não regateia elogios a Sócrates e ao Governo (nomeadamente, quanto às medidas de austeridade decretadas), pretende que chova no nabal, mas não chova na eira. Isto é, António Costa classifica as medidas de austeridade como necessárias, quando atingem os outros; quando atingem o próprio, passam a ser classificadas de insustentáveis, socialmente injustas e impossíveis de concretizar.

Novamente se confirma que Sócrates mentiu ao Parlamento, acerca do caso PT/TVI, mas já ninguém parece ligar. Chegámos a um estado de indiferença social tal que tanto faz o primeiro-ministro mentir ao Parlamento como não mentir. Já nada indigna nem sequer aborrece. 
É também pelo estado comatoso em que nos encontramos que alguns deputados, como é o caso de Miguel Almeida, do PS, entram e saem do Parlamento com a mesma facilidade e ligeireza como quem entra e sai de um hotel. É tudo normal, ninguém quer saber, ninguém se importa. Todavia, os deputados, quando são eleitos, são-no para uma legislatura. Quem neles vota, vota para eles cumprirem um mandato, não para passarem por lá durante uns meses, enquanto lhes é propícia essa passagem. 
Mas os tempos já não estão para esses pruridos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Pensamentos de domingo

«Nada provoca mais danos num Estado do que homens astutos a quererem passar por sábios.»
Francis Bacon

«Há certas pessoas a quem o fracasso sobe à cabeça.»
Wilson Mizner

«Se você está parecido com a fotografia que tem no passaporte, é porque está realmente a precisar de viajar.»
Earl Wilson
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

John Zorn

sábado, 8 de janeiro de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

Problemas da imortalidade

Nós esperamos sinceramente que este problema da morte esteja prestes a tornar-se uma coisa do passado. Relativamente a esta questão, temos a mesma opinião de Woody Allen, que disse: " Não estou nada interessado em obter a imortalidade através do meu trabalho. Prefiro simplesmente não morrer."
Imagine-se um mundo em que não houvesse necessidade de reencarnação nem de esvoaçar pelo céu com asas transparentes. Podíamos deitar fora todos os catálogos de locais de destino no outro mundo, após a vida na Terra. Em vez disso, continuaríamos a ser eternamente seres humanos, aqui em Bayonne, Nova Jérsia. [...]
Até há muito pouco tempo, a imortalidade biológica só existia nas fantasias de infância e nos romances de ficção científica. No entanto, descobertas recentes no campo da biologia celular e da inteligência artificial fizeram com que cientistas sérios com doutoramentos se autodenominassem imortalistas biológicos, investigadores que prevêem a possibilidade de descobertas genéticas, como clonagem e terapia de células estaminais, que eliminarão todas as causas não acidentais de morte. E também há imortalistas de preservação criobiológica que apostam em congelar-nos enquanto esperamos pelas descobertas. E temos também os ciber-imortalistas, que vêem a digitalização do sistema nervoso humano como a chave para a imortalidade. Essas pessoas concebem a possibilidade — não, a probabilidade — de um dia, num futuro não muito distante, eles e os seus amigos poderem proporcionar-nos a vida eterna mais ou menos nas condições em que  existimos agora. A mente hesita, especialmente se for a mente de um filósofo.
Para começo de conversa, debatemo-nos com um conjunto inteiramente novo de problemas éticos como, por exemplo: há espaço para todos esses imortais neste planeta, quanto mais em Nova Jérsia? Uma esperança de vida infinita é natural? Sagrada? Desejável? Acessível? Enfadonha? Quais são as suas implicações para os laços a longo prazo? Para os relacionamentos a longo prazo? Se temos todo o tempo do mundo, devemos esperar alguns milénios antes de nos casarmos?
Esta última pergunta levanta outro problema.
Sean e Bridget namoravam há 40 anoss. Um dia, após um passeio pelas encostas verdes de Kerry, Sean voltou-se para Bridget e disse:
— Talvez fosse boa ideia casarmo-nos, não achas?
— Com a nossa idade, quem é que nos quereria? — respondeu Bridget.
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.203-205 (adaptado).

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6

Apresentados alguns apontamentos sobre a primeira dimensão da avaliação do desempenho, passo agora à segunda dimensão: «Desenvolvimento do ensino e da aprendizagem». Esta dimensão é composta por 4 domínios, 14 indicadores e 33 descritores divididos em 5 níveis.
1. O documento começa por enunciar e distinguir, com clareza, quatro domínios — Preparação e organização das actividades lectivas; Realização das actividades lectivas; Relação pedagógica com os alunos; Processo de avaliação das aprendizagens dos alunos —, contudo, logo a seguir, quando se passa à leitura dos indicadores e dos descritores, verifica-se a existência de sobreposições, de misturas, entre domínios. Esta sobreposição não pode ser justificável com a complexidade dos desempenhos avaliados. Neste caso, facilmente se distingue entre «preparar/organizar actividades lectivas» e «realizar actividades lectivas», mas, apesar desta óbvia diferenciação, alguns descritores juntam inexplicavelmente estes dois domínios. O que, para além de ser contraditório num modelo que aposta, e se delicia, na analítica comportamental, é grave, no contexto da mecânica avaliativa desta dimensão, pois dois dos quatro domínios (o segundo e o terceiro) só são sujeitos a avaliação nos casos dos professores terem aulas observadas. Ora, se se apresentam descritores que sobrepõem o primeiro e o segundo domínio, significa que se estão a arranjar, para o processo avaliativo, mais problemas, mais indefinições, mais situações dúbias, a juntar a todas as outras que já vimos existirem na primeira dimensão.
2. Dos catorze indicadores, dois deles («Promoção do desenvolvimento cognitivo e da criatividade dos alunos e incorporação dos seus contributos» e «Comunicação com rigor e sentido do interlocutor») não têm correspondência com nenhum dos descritores. Mas era obrigatório que tivessem. Se os níveis e os descritores têm «por objectivo a descrição pormenorizada do desempenho docente por forma a clarificar o que deve ser avaliado», não se compreende que se deixem dois indicadores abandonados à sua sorte, sem «descrição pormenorizada do desempenho» correspondente. Ou aqueles indicadores não eram enunciados, ou, se se enunciam, devem ter descritor, como acontece (melhor ou pior) com os restantes doze indicadores.
3. Julgo que compreendo a dificuldade dos autores deste modelo de avaliação em conseguirem arranjar descritores para toda a panóplia de indicadores que eles próprios criaram. Uma das dificuldades reside, certamente, no facto de o conteúdo de alguns indicadores ser indecifrável, inexpugnável, como é o caso de um dos dois que na nota anterior referi: «Comunicação com rigor e sentido do interlocutor». O que é que isto efectivamente quer dizer: comunicação com rigor e sentido do...?! A hipótese de gralha não se põe, pois esta parte do texto manteve-se inalterada, desde a versão inicial à versão final (ao contrário de outras partes do texto). Resta-nos pensar que o enunciado deve querer dizer algo, que a nossa fraca perspicácia não alcança. 
Assim, torna-se compreensível que não tenham conseguido formular um descritor para este indicador. Também, quem é que o teria conseguido? Para além do lado burlesco, isto revela, uma vez mais, a ligeireza que esteve presente na elaboração de várias secções deste documento.
4. Mas, se neste modelo avaliativo se encontram indicadores indecifráveis e indicadores sem descritores, o que não se esperava de todo encontrar era um descritor sem ligação específica a nenhum indicador. Isto é, há um descritor que veio não se sabe de onde e está lá não se sabe a fazer o quê, porque não se relaciona com nenhum dos catorze indicadores. Refiro-me ao último descritor do nível «Excelente»: «Constitui uma referência para o desempenho dos colegas com quem trabalha». Para além do problema de se saber como se avalia, de modo fiável, se fulano ou sicrano é uma referência, pergunta-se, neste caso: constitui uma referência em quê? Na primeira dimensão, também se enuncia, para o nível «Excelente», que o professor deve ser uma figura de referência, mas aí, pelo menos, houve a preocupação mínima de dizer em quê: diz que deve ser referência no trabalho colaborativo, no apoio aos colegas e no desenvolvimento de projectos. Todavia, nesta segunda dimensão, remata-se o assunto, como se houvesse pressa em terminar o documento, com um generalíssimo e vaguíssimo: «constitui uma referência». Mas constitui uma «referência» por atacado? Ou seja, o professor deve ser, genericamente, uma «referência» nos catorze indicadores? Acaso poder-se-á sustentar que um descritor abranja por atacado catorze indicadores, e que isto configure uma avaliação minimamente séria, fiável, credível?  O descritor não tem de descrever em que consiste ser «referência»? Não tem de fazer (como enuncia o texto do despacho): «a descrição pormenorizada do desempenho docente por forma a clarificar o que deve ser avaliado»? É claro que teria de o fazer, mas, mais uma vez, não o faz.
Para a semana, continuaremos a analisar a segunda dimensão.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Às quartas

PRAIA VERDE

Estreita praia verde
pende para o mar
com agrestes zimbros
de folhas argênteas

Vão pascendo o ar
primaveril
finas borboletas
que o tomilho incensa.

E no monótono
quérulo
canto do mar
eu penso, penso:

— Onde é que a vida
tem sua praia?
Onde, seu fundo?
Desliza a vida, desliza a onda.

Mario Novaro
(Trad.: A. Herculano de Carvalho)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Registos e notas do fim-de-semana

Dívidas fiscais pagavam o défice

Estado perde €35 milhões no fim do totonegócio
Expresso (30/12/2010)

PGR processa Cândida Almeida e magistrados do Freeport

CTT beneficiam grupo de saúde
— Consultor dos CTT indicava a contratação das clínicas do grupo a que ele próprio pertencia —

Quadros interactivos podem ter de ser retirados das escolas
Sol (30/12/2010)

Saúde gastou 21 milhões de euros em consultoria que não serviu para nada
Público (30/12/2010)

Escolas com menos meios

Um fim de ciclo ao retardador para José Sócrates
Público (31/12/2010)

Escolas à espera de um ano difícil
Público (2/1/2011)

A conjugação da incompetência do Governo para cobrar os impostos com a tendência de muitos portugueses (empresas e indivíduos) para entender que não têm de os pagar faz com que os outros, aqueles que pagam os impostos, tenham de pagar os seus impostos mais os impostos que os outros não querem pagar e que o Governo não cobra.
Para além disto, confirma-se pela enésima vez que os acordos que o Estado faz com os privados são sempre ruinosos para o mesmo, isto é, para o Estado. Confirmou-se agora que o já longínquo acordo celebrado entre o Estado e o sui generis mundo do futebol, acordo designado de «Totonegócio», saldou-se por um modesto prejuízo, para todos nós que pagamos impostos, de 37 milhões de euros. 
À época, foram protagonistas deste acordo António Guterres e Augusto Mateus, pela parte do Governo, e, pela parte dos clubes de futebol, um indivíduo de nome Valentim Loureiro — que, para o bem da nossa saúde mental, tem estado desaparecido dos media. À época, e a despeito das muitas críticas de que este acordo foi objecto, foi grande a publicidade e enorme a encenação à volta do evento. Agora, ficamos a saber o montante  exacto da factura e quem a vai pagar...

É curioso o modo como, em Portugal, a manifestação de «total confiança» e o elogio público podem significar que se está na véspera de levar com um processo  interposto pelo elogiante. A Procuradora Cândida Almeida que o diga...
Os meandros da nossa Justiça são um continuum de inacreditáveis ocorrências.

Escolas — ou a diferença entre a publicitada realidade virtual e a que não é virtual: despedimento previsível de 30 mil professores, amontoamento de várias escolas numa só escola, continuação do inqualificável processo designado de avaliação do desempenho docente, quadros interactivos que poderão desaparecer das salas de aula para serem devolvidos à procedência e..., e...

O Ministério da Saúde gastou 21 milhões de euros em trabalhos de consultoria que, afinal, não serviram para coisa alguma. Mas estes 21 milhões são apenas uma parte dos muitos milhões que o nosso Governo está habituado a gastar em consultorias, apesar de ter nos seus quadros profisssionais com as mesmas qualificações dos consultores consultados. É mais um dos vários enigmas que envolvem as nossas governações. 
Na próxima encarnação, se me mantiver português, pretendo ser consultor.