segunda-feira, 31 de março de 2008

O Ponto da Situação

O Ponto da Situação é um boletim informativo e opinativo que foi criado por alguns professores da Escola Secundária de Amora, a partir do momento em que se sentiu a necessidade de um acompanhamento regular e próximo da situação de grande instabilidade vivida nas escolas, originada pela aprovação do inqualificável modelo de avaliação de desempenho, criado pelo Ministério da Educação.
O Ponto da Situação nº 1 saiu no dia 12 de Março e foi assinado por 52 professores. Pretendemos que O Ponto da Situação nº 2 seja subscrito por mais professores e por professores de outras escolas. Neste momento, e até quarta-feira, está a decorrer a recolha de assinaturas, data a partir da qual O Ponto da Situação nº 2 circulará na net, via e-mail e blogues. Eventuais contactos podem ser feitos para pontodasituacao@gmail.com ou para este blogue.
Porque pensamos ser oportuno, publicamos, desde já, o primeiro item de O Ponto da Situação nº 2. Na quarta-feira será publicada a versão integral com as respectivas assinaturas.


O Ponto da Situação nº 2
31 de Março de 2008

1. Hoje, inicia-se o 3º Período. Um período que deveria inaugurar-se com condições de tranquilidade para que os verdadeiros intervenientes no processo educativo — professores, alunos e pais — pudessem estar concentrados naquilo que é, de facto, importante: os professores concentrados no processo de ensino, os alunos concentrados no processo de aprendizagem e os pais concentrados no acompanhamento e evolução dos seus filhos. Mas, lamentavelmente, a realidade não é esta. Um quarto elemento, a equipa que dirige o Ministério da Educação, decidiu interferir naquela tríade e assumir-se como factor perturbador e quezilento. Sem o mínimo de respeito pelos interesses de alunos, professores e pais, insensível a tudo e a todos, a ministra da Educação pretende radicalizar o conflito e, com ele, desestabilizar a vida interna das escolas.

sábado, 29 de março de 2008

Apontamentos

«O novo Estatuto do Aluno é alucinante.»
João Lobo Antunes, Visão (27/3/08).

«O novo Estatuto do Aluno é uma monstruosidade.»
Daniel Sampaio, Diário de Notícias (28/3/08).

«O Presidente da República ficou "profundamente chocado com imagens de violência da escola Carolina Michäelis".»
Expresso (29/3/08).

«João Sebastião, coordenador do Observatório de Segurança Escolar, relativiza o caso da aluna que brutalizou a professora na escola secundária Carolina Michäelis.»
Expresso (29/3/08).

«Os deputados socialistas já fizeram chegar, em diversas reuniões de coordenação com o Governo, as suas reservas à forma como se está a agudizar o conflito entre professores e Ministério. E a falta de uma solução à vista está a criar um evidente mal-estar na bancada da maioria. "A partir de agora, a ministra não consegue robustecer-se. Só se fragiliza", disse ao Expresso um alto responsável, temendo o reacender do conflito no terceiro período. Mais grave é a declaração de outro socialista: "o problema é que se nenhuma das partes quer ceder — como se tem visto — uma delas tem de sair de cena. Como não se podem fazer desaparecer 150 mil professores, o futuro da ministra é de temer".»
Expresso (29/3/08).

sexta-feira, 28 de março de 2008

Estatisticamente

Sabemos que os mistérios fazem parte da vida, que são múltiplos e para vários gostos: há os mistérios religiosos, há os filosóficos, há os amorosos, há os da vida, há os da morte e há os mistérios do actual Ministério da Educação. De todos, são estes últimos os que menos aprecio.

No final do ano de 2007, o governo anunciou, com pompa e circunstância, como é seu hábito, mais um «momento histórico»: os casos de violência ocorridos nas escolas portuguesas tinham descido drasticamente no ano lectivo 2006/07 — menos 54% (!!) —, comparativamente com o ano lectivo anterior, segundo rezam as crónicas da altura.
Ficámos surpreendidos e muitos professores interrogaram-se: só na minha escola é que a coisa piorou?! Um mistério!
Agora, a propósito do despoletar da denúncia colectiva e mediatizada de agressões físicas e verbais de alunos a professores, de alunos a funcionários e entre os próprios alunos, mais uma vez soaram as trombetas governamentais da estatística e repetiu-se o que tinha sido anunciado há três meses: «o registo daquele tipo de ocorrências está a baixar como nunca»; «o senhor procurador-geral é um exagerado»; «aquilo que se vê nas televisões, que se ouve nas rádios e que se lê nos jornais são aproveitamentos políticos que nada têm que ver com a realidade».
Portanto, teríamos nós de concluir que todos os actos narrados — entre professores, entre funcionários, entre filhos e pais e aqueles que tê sido profusamente descritos na comunicação social — ou são invenções politicamente mal intencionadas ou são pequenas ilhas de indisciplina e violência que não têm valor representativo da situação do país educativo. A verdade que teríamos de reter seria esta: 54% a menos de violência nas escolas.

Mas o mistério permanecia: como se explicaria tão drástica e inesperada descida?
Afinal o mistério explica-se de um modo simples: na realidade, consultando-se o que na altura e agora se noticiou, mas ao qual pouca relevância se deu e se tem dado, o mistério desaparece. Cito e limito-me a carregar a negro algumas passagens:
«Este foi o primeiro ano em que o Governo apresentou os números da violência escolar de forma agregada (com uma nova metodologia, e recolhendo as participações feitas pelas escolas ao Ministério da Educação e às forças de segurança do Programa Escola Segura, evitando assim a duplicação de registo de incidentes). E talvez por isso, as comparações com o passado podem causar alguma estranheza.» (Público, 4/12/2007).
«A diferença de conceitos entre indisciplina e agressão, introduzida no último ano na avaliação das ocorrências comunicadas à Escola Segura, bem como a “harmonização” do registo entre as forças de segurança e o Ministério da Educação, pode explicar um número que o governo sublinha, mas que a polícia e muitos professores estranham. “É falta de honestidade intelectual comparar dados de anos diferentes quando os critérios de recolha de informação foram alterados", diz à Sábado uma fonte policial.» (Sábado, 27/3/08).

Com naturalidade, mudam-se os critérios e o método, compara-se o que não pode ser comparado e, estatisticamente, o problema da violência nas escolas fica resolvido.
Governar assim «é porreiro, pá»...

quinta-feira, 27 de março de 2008

Valter Lemos no seu melhor

Na última página do jornal "Público" de ontem, Valter Lemos era aconselhado a experimentar dar umas aulas a turmas onde ocorrem facilmente graves situações de indisciplina. O homem não precisa de tal experiência. Para ele, o problema da violência na escola simplesmente não existe ... porque vem sempre de fora (dos bairros, das famílias, etc). Para ele a escola dispõe de todos os meios. E, felizmente, a escola tem-no a ele e à sua equipa, que cuidam disto tudo.

Valter Lemos, à imagem e semelhança da sua Chefe, já demonstrou que se pode alterar as regras do "Bridge" à luz da experiência dos praticantes da "bisca lambida" ... ou da "lerpa". Basta ter poder, neste país com a forma de um caixão, como diz B. Bastos em "Elegia para um caixão vazio" (quando será que o caixão deixa de estar vazio?! ).

A última edição da revista "sábado" dedica-se ao relato de situações de violência contra professores, em que, nalguns casos, a agressão verbal é de tal calibre que as reticências substituem as sílabas em falta. Apenas uma sugestão: chamem o Valter, que ele resolve e põe na ordem os responsáveis do costume. Aliás, quando começar a avaliá-los eles depressa melhoram o seu comportamento com os alunos. Estes, já não terão tantos motivos para serem violentos. E todos darão graças por terem Valter.

Inocentes incongruências

Acabei de ler, na revista Sábado de hoje, uma reportagem sobre a avaliação de desempenho dos professores no ensino privado. Ainda que a partir de uma simples abordagem jornalística de uma situação não se possa obter um conhecimento fidedigno e rigoroso da mesma, é seguro concluir sobre as enormes diferenças entre o modelo de avaliação criado pela ministra da Educação e o modelo que vigora nas escolas privadas. Neste a simplificação e a flexibilidade parecem ser a nota dominante, no outro, no modelo da ministra, é o gigantismo, a burocratização, a inoperacionalidade e a incompetência avaliativa.
É curioso verificar que o governo, a propósito de tudo e de nada, nomeadamente para justificar os cortes nos direitos sociais de vários sectores do Estado, tenha dito e redito que era preciso aproximar o sector público do sector privado, mas no caso da avaliação de desempenho dos professores já não tenha seguido o mesmo critério, não tenha procurado essa aproximação!
Não faço juízos de valor sobre o sistema de avaliação no ensino privado porque não o conheço em pormenor, limito-me a verificar mais uma (de um rol já imenso) objectiva incongruência deste governo e, no caso particular, da ministra da Educação.
Recordo-me, aliás, de ter ouvido, no debate do programa televisivo Prós e Contras, um director de um colégio privado afirmar que o modelo de avaliação estava a ser testado há vários meses para, após esse período experimental, serem retiradas conclusões e tomadas decisões sobre a versão final a aplicar.
Ao que parece, no privado, há simplicidade, há flexibilidade no modelo, há período experimental e houve acordo entre a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e alguns sindicatos. No público, não há simplicidade, não há flexibilidade, não há período experimental, não há acordo, há confrontação e arrogância desmedida.
E assim se faz uma sui generis aproximação do público ao privado: quando politicamente é oportuno, fala-se nessa aproximação; quando o objectivo é apenas trabalhar para a estatística e dar a aparência de que se governa, o objectivo da aproximação com o privado é omitido.

Coerência e pudor são evidentes carências deste governo.

terça-feira, 25 de março de 2008

Montemor-o-Velho junta-se a Coimbra

«[...] Os docentes do Agrupamento de Escolas de Montemor-o-Velho [que reúne a EB 2,3, cinco jardins de infância, oito escolas básicas e a básica integrada de Pereira, e é constituído por cerca de cem professores], numa reunião na semana passada, decidiram suspender o processo de avaliação de desempenho, assumindo uma desobediência às orientações do Ministério da Educação», informa, hoje, o Diário de Notícias. Esta decisão foi tomada contra a vontade do Conselho Executivo daquele agrupamento.
O charme de Coimbra já chegou ao concelho vizinho...

Posso viver sem carreira, não posso é viver sem princípios

“A legislação é contraditória, mal feita, não está redigida em português. Aos textos normativos, que aliás depois ninguém cumpre, ninguém sabe interpretar, sucedem-se as portarias de regulamentação, quando não os decretos regulamentares. As normas são confusas e as instituições, que resultam da acção de pessoas, ressentem-se do facto de a formação humana ser inteiramente descurada.” (Vitorino Magalhães Godinho, «Portugal. A Pátria Bloqueada e a Responsabilidade da Cidadania»)

Como continuam actuais as palavras de um dos maiores historiadores deste país. Aliás, a citação aqui feita poder-se-ia ilustrar com múltiplos exemplos tirados do actual quadro normativo do nosso sistema educativo.

Sou professor há quase três décadas. Nos últimos três anos, fui progressivamente sentindo um nojo imenso por tudo o que o actual poder tem feito para acabar de vez com a existência de professores que o sejam de facto: gente que pensa, que sente, que questiona, que estuda, que se informa, que assume a enorme responsabilidade de contribuir para a formação da consciência cívica do povo a que pertence. Desgraçadamente, muitos de nós vão perdendo a esperança, fazendo cálculos para a hipótese de uma reforma antecipada, mesmo com grave penalização. Não sei se ainda haverá quem seja capaz de impedir que o futuro seja de "professores" que apenas o são por alcunha, seres invertebrados, simples agentes de um poder que tudo quer controlar ... sobretudo o livre pensamento (será ainda livre como o vento, poeta M. Alegre?!).

A propalada avaliação do desempenho é o fechar de um ciclo de enxovalhamento e aniquilação da vontade, de acabar com o gosto de ser professor, em suma, da destruição da dignidade profissional. Mas, pelos vistos, nem cem mil são suficientes para, DEMOCRATICAMENTE, levar o poder político a um mínimo de respeito profissional por aqueles que directamente tutela.
Na obscenidade da cena, recentemente divulgada, em que a rapariguinha de 15 anos trata violentamente e sem um pingo de respeito uma professora, o mais chocante, para mim, é o comportamento geral da turma. Que geração estamos a educar (?!). Que noção de decência humana têm estes jovens?
A dignidade da sala de aula deixou, definitivamente. de existir. Começou por ser, paulatinamente, posta em causa pelas sucessivas políticas de analfabetos da pedagogia. Recentemente, a vergonha a que chamaram "aulas de substituição" fez o resto.
“Posso viver sem carreira, não posso é viver sem princípios”, dizia um oficial da Marinha Americana quando confrontado com a chantagem como salvaguarda do seu posto.
É em nome dos princípios e valores em que fundei as minhas relações com os outros, e particularmente com os meus alunos, que darei sempre o meu contributo, por modesto que seja, na defesa do que de mais nobre tem a profissão para onde vim por opção consciente: a dignidade, a honra ... a cultura. Estou neste blogue, também, para isso.

Todas as escolas de Coimbra vetam avaliação

«Todas as escolas de Coimbra vetam avaliação» é este o título da notícia divulgada, domingo, no Diário de Notícias. O artigo informa que «As escolas do distrito de Coimbra iniciaram um braço-de-ferro com o Ministério da Educação, no sentido de conseguirem suspender o processo de avaliação de professores até ao final do ano lectivo.»
São mais de vinte presidentes de Conselhos Executivos que se opõem à aplicação do decreto regulamentar da avaliação de desempenho, mesmo que seja numa eventual versão simplificada, como o Ministério pretende, até porque «não há suporte legal» que o permita fazer, afirmam esses presidentes. E afirmam-no bem.

É um exemplo de sensatez, lucidez e coragem.
Mas há quem persista em não querer segui-lo.
Toda a gente sabe da incompetência e da inoperacionalidade do modelo de avaliação que o Ministério quer impor, porquê, então, alguns persistirem na tentativa de aplicar o que não tem aplicação?
Porquê persistir em querer salvar o que não tem salvação?
Quando, agora, é o próprio Ministério a falar em desburocratizar o modelo de avaliação, isto é, assumindo objectivamente (apesar de negar essa assunção) que criou um monstro de papelada inútil e iníqua, porque é que ainda há quem persista em querer ajudar o ME no inglório esforço de esconder a sua incompetência?
Porquê colaborar nesse gigantesco faz-de-conta?

Coimbra não tem mais encanto apenas na hora da despedida...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Quem quer casar com a carochinha...

Estou à espera que me enviem um questionário pelo correio, o e- ou o outro. Não estou abrangida pelo estatuto dos recém-casados, nem tão-pouco pelo dos recém-professores (não confundir com contratados, que estes, em larga maioria, já se recém(tem) de muito livro de ponto, onde inscreveram sumários por esse país adentro). Mas espero a hora em que um formulário me visite. Olá, senhora professora, venho pedir a sua cooperação para, ao abrigo do dever de colaboração com a administração fiscal, responder, no prazo máximo de 90 minutos, a um conjunto simples de cerca de mil (ou cem, para simplificar) questões relacionadas com a realização da sua actividade docente. Começo já a sacar do cartão multibanco (ao meu formulário vinha, acoplado, um terminal ATM, para evitar as fugas ao fisco), pois não me lembro quanto dei pelos tinteiros adquiridos nos últimos meses, falha-me a memória acerca das resmas de papel que sempre adquiro no mesmo hipermercado, esquece-me o NIF das gasolineiras onde alimento o veículo que me transporta ao trabalho.... mas compreendo, compreendo que, enquanto preencho o modelo de IRS relativo a 2007, me dou conta do quanto perdi, do quanto venho perdendo em cada dia que passa sob esta mesma política governamental que me congelou, que me ignorou quando saí à rua, que me desrespeita, que denigre o meu trabalho, que me quer fazer de analfabeta e incapaz quando digo não! Diviso as ameaças e pago... mas pago em letras!

Uma história antiga

Em cima de uma grande pedra, o sapo acompanhava a corrente da revolta, com um olhar calmo e reflexivo. Era uma mancha imensa que escorria, galgando as margens.
- Sapiiinhoo! Olá, sapinho…
O sapo carregou as arcadas supraciliares e virou um pouco a cabeça. Então, um arrepio arrefeceu-lhe o corpo húmido (e olhem que isto não é fácil, sendo, como são, os anuros animais de sangue, já, frio). Aproveitou, todavia, o estremecimento para saltar para um ponto mais alto.
- Então, sapo, que maneiras são essas? Agora afastas-te dos amigos?
O sapo, agora mais sossegado, olhou o escorpião, estranhamente de ferrão em baixo, com um ar intrigado.
- Estamos na mesma margem, camarada. Agora vamos juntos contra eles.
Com um sorriso nos cantos da boca, o sapo sacudiu vagamente a cabeça e olhou para umas marcas escuras que se espalhavam sobre o corpo verde (de esperança, claro).
- E 89, escorpião? Será que não existiu?
- Ora, eram outros bichos, outras eras…
A mole continuava a passar, lenta, mas firmemente.
- E o que é que tu queres?
- Cavalgar-te, filho!
- Cavalgar-me? – perguntou o sapo, espantado. O que é que queres dizer com isso?
- Tudo, jovem. Conotativamente, navegar na tua onda. Denotativamente, saltar--te para cima, para que me passes para o outro lado.
O sapo nem queria acreditar.
- É que, sabes, antes desta moda dos sms’s e dos emailes, eu passava facilmente para o outro lado. Tinha até uma passagem particular e secreta… É preciso negociar, sabes… Mas, agora, com esta enxurrada, não me posso arriscar. Corro até o risco de ser levado e de morrer afogado.
- Mas, olha lá. Há uns anos, outros escorpiões vieram com a mesma conversa, e a meio da viagem espicaçaram-me todo. Nem sei como é que me safei.
- Mas agora é diferente. Neste momento jogamos o nosso futuro. Se te picássemos, era certa a nossa morte.
O sapo olhou para a corrente e pensou um pouco.
- Está bem. Mas olha que é a tua última hipótese. Não te esqueças.
Desceu, e logo um enxame de escorpiões veio colocar-se no seu dorso, de tenazes no ar, castanholando.
A viagem ia calma.
Mas, de repente:
- Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!
- O que é que se passa? – perguntou o sapo.
- São os nossos ferrões! Temos os ferrões partidos!
- Ah, sim? Mas como pôde isso acontecer?
- É que é mais forte do que nós. Não conseguimos resistir!
- Ah!. Com que então, voltaram às facadas?
- Mas, como é que isto pôde acontecer? A tua pele é tão sensível…
- Era, escorpião. Mas eu sou dos que aprendem com o veneno dos outros. E, por isso, passei a usar colete anti-ferrão.
E, sacudindo fortemente o corpo, o sapo atirou os escorpiões para a corrente, pela qual foram rapidamente tragados.

Morais da história:

1 – Confiar demais pode ser sinal de menos inteligência.
2 – Está-lhes na natureza.
3 – Os sms’s ainda funcionam..

domingo, 23 de março de 2008

Apanhar sol

«Porque, num momento qualquer, [ao aluno] lhe apetece mais sol do que estar na escola, desistimos, deixamo-lo? Não. Devem ser accionados mecanismos de chamada de atenção para que ele saiba que foi apanhar sol de manhã e que à tarde espera-o trabalho suplementar». (Maria de Lurdes Rodrigues, ministra da Educação de Portugal, entrevista ao Diário de Notícias, 30/10/07)

Assim se ensina o laxismo, assim se propaga o facilitismo.
Como é que estas palavras são lidas por alguns alunos? Mais ou menos assim: «Afinal, de manhã, não faz mal faltar às aulas para ir até à praia apanhar sol, porque depois, à tarde, recupera-se».
É esta a mensagem que publicamente é passada pela ministra da Educação de um país membro da União Europeia.
O que se retira daqui?
1. A ministra não critica e mostra-se complacente com o não cumprimento de um dever básico de qualquer aluno: não faltar às aulas.
2. A ministra dá a falsa indicação de que essa ausência às aulas é facilmente recuperável com o tal trabalho suplementar que a escola, ao entardecer, lhe ministrará.

Assim se ministra em Portugal.

sábado, 22 de março de 2008

A nudez do Rei (ou da Rainha)

Ontem, todos nós ressurgimos (olá, Margarida), infelizmente, com a notícia escrita, falada, visionada e muito comentada da agressão de uma aluna a uma professora, com a conivência e a fruição de vários colegas da turma, numa escola do Porto.
Para nós, docentes, e de novo, infelizmente, aquela notícia não foi causa de espanto ou de admiração. Veja-se o estado a que chegou a educação, neste país, para que um comportamento inadmissível e inqualificável já não constitua motivo de perplexidade!

Todos nós sabemos que situações destas, e outras ainda mais graves, existem cada vez mais no quotidiano das escolas portuguesas. Todos nós temos conhecimento disto, há já muito tempo. São múltiplas as denúncias e queixas que nos últimos anos são pública e institucionalmente divulgadas. E nada se faz para combater este problema gravíssimo que cresce, que alastra, que contamina os alicerces da sociedade, que começa a minar a própria possibilidade da convivencialidade.

Há, contudo, uma pessoa que certamente terá ficado surpreendida com aquelas cenas: a ministra da Educação. A ministra da Educação que sempre afirmou, afirma e volta afirmar não existir violência nas nossas escolas. Sabe-se que, durante o ano lectivo de 2006/07, todos os dias, um professor foi agredido, segundo um relatório da Inspecção Geral de Ensino, mas a ministra da Educação diz para os jornais e televisões que não há violência, que há somente casos isolados de indisciplina. O Procurador-Geral da República revela-se preocupado com a violência nas escolas, e anuncia que uma das suas prioridades é combater esse fenómeno, mas a ministra da Educação vem a público desmentir o Procurador e classificar de alarmista tal preocupação. Os jornais narram insultos e agressões de que os professores são alvo, descrevem, recorrentemente, cenas de bullying entre alunos, mas a ministra da Educação faz de conta que nada conhece e assobia para o lado.
Para a opinião pública, este comportamento político tem um significado e uma consequência: branqueia os actos de violência e desresponsabiliza os seus agentes. A mais alta responsável da política educativa transmite, assim, para a sociedade e para as próprias escolas, o sinal, a imagem que não poderia de forma alguma transmitir. O novo Estatuto do Aluno é um exemplo recente desta ideologia que favorece o facilitismo junto dos jovens e que se mostra avessa à responsabilização.

Inexplicavelmente, o presidente do Conselho de Escolas, ao comentar o ocorrido na Escola Secundária Carolina Michaëlis, considerou pertinente restringir a sua atenção à proibição do uso do telemóvel na sala de aula. De um professor — e, neste caso específico, com as responsabilidades que possui enquanto conselheiro da ministra da Educação — esperar-se-ia que não ficasse pelo óbvio e pelo superficial. Todavia, parece que o professor Almeida dos Santos reduz a agressão, a violência, a má educação e a insolência daquela aluna e dos seus colegas a uma questão de uso ou não uso de telemóvel. É óbvio que os telemóveis têm de estar desligados durante as aulas, mas o problema principal é este? O colega Almeida dos Santos não se interroga sobre a razão que leva um aluno a considerar-se possuído do direito de gritar, tratar por tu, agredir um professor, ou de filmar, incentivar e fazer chacota de uma situação como aquela? É só isto que um professor tem para dizer: proíba-se o uso do telemóvel - algo que, aliás, já é norma em muitas escolas? O secretário de Estado da Educação afinou pelo mesmo diapasão, o que lamentavelmente também não surpreende.

E se, em vez de nos ocuparmos apenas de epifenómenos, sr.ª ministra da Educação (e sr. presidente do Conselho de Escolas e sr. secretário de Estado), nos preocupássemos com a defesa de uma cultura da exigência, da responsabilização e da disciplina? E se, em lugar de falarmos apenas na cultura dos direitos, falássemos também na cultura dos deveres? E se, de uma vez por todas, também responsabilizássemos os pais pelos comportamentos dos filhos menores? Custa votos, sr.ª ministra? É provável, mas a senhora é ministra da Educação, não é ministra da propaganda, ou não o deveria ser.

O desequilíbrio da política educativa é um facto. Vive entre o 8 e o 80. Vive entre o acomodatício e o indulgente (diminui-se sem critério o número de exames, não se combate a violência e a indisciplina, termina-se com a reprovação por faltas) e a descontrolada arrogância e a desmedida burocratização (maltratam-se os docentes e cria-se um gigantesco, inoperacional e incompetente modelo de avaliação de desempenho dos professores).
Não há um rumo coerente. Não há um projecto sólido. Não há uma ideia de educação.
O Rei (ou a Rainha) vai nu(a), como o reconfirma uma vergonhosa filmagem de telemóvel.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Vamos a votos

O calendário religioso tem destas coisas. Apaixonados ou indiferentes ao bíblico sofrimento e redenção pascal, estamos todos, ateus, agnósticos, crentes, indecisos e quejandos "de saída". Aguardando a hora que marca a tolerância (a de ponto, que ainda se vai mostrando por cá) arrumamos as ferramentas e atiramos para o colega ao lado: Boa Páscoa! A cena tem efeito boomerang - Boa Páscoa!, ouvimos de volta. E no acto ilocutório vamos espalhando, não promessas, que não estamos em campanha, mas uma vontade íntima, um arremedo de desejo. Expressamos o voto da ressurreição. Levamos, nos olhos cansados, uma alma inflamada e recrudescente de dignidade, de vontade, de incarnada determinação: Ressurgiremos!
A todos, votos de Boa Páscoa!

Mudar

«Quem quer destruir a escola pública é quem não quer mudar nada» afirmou, mais uma vez, a ministra da Educação. Desta vez, disse-o, na terça-feira, na Assembleia da República, mas tem-no dito em todo o lado, a propósito e a despropósito. É uma repetição do já de si repetitivo e estereotipado discurso do primeiro-ministro.
Este governo elegeu o verbo «mudar» como o ex libris da sua governação. Contudo não interessa saber a razão pela qual se deve mudar. Não interessa saber para que se deve mudar. Não interessa saber como se deve mudar. Nada disto interessa. Nem interessa sequer saber se, eventualmente, a mudança poderá ser para pior. O «mudar» basta-se a si próprio, contenta-se a si mesmo. A substância da mudança não preocupa o governo, só a aparência que essa mudança pode produzir. Deste modo, o governo e, neste caso, a ministra da Educação, fogem à discussão do conteúdo das mudanças. Por mais incompetente e desapropriada que seja a mudança, como é o caso objectivo do novo modelo de avaliação de desempenho dos professores, ela está auto-justificada. E, por norma, arrogantemente auto-justificada.

terça-feira, 18 de março de 2008

Texto de Abertura

Foi o estado a que chegou a Educação (e o resto) que nos decidiu a criar este blogue. Entendemo-lo como mais um instrumento de intervenção cívica com o qual alargamos e completamos as actividades que cada um de nós desenvolve nos mais diversos domínios da vida social, e, igualmente, como um prolongamento da nossa intervenção profissional, enquanto professores.
Este blogue nasce numa conjuntura particularmente grave da Educação em Portugal. Nasce no momento em que a política educativa, desprezando a substância, se centra na aparência e trabalha exclusivamente para a estatística, simulando, contudo, estar a elevar a qualidade da formação dos portugueses e a qualidade do ensino.
Paralelamente, foi esta mesma política educativa que elegeu como alvo os professores, acusando-os de serem os responsáveis pelo estado a que chegou a educação no nosso país. Com arrogância e incompetência política e técnica, os responsáveis pela pasta da educação decidiram menosprezar e desprezar a dignidade dos docentes. Consequência, a líder converteu em seus opositores aqueles que deveria liderar.
Complementarmente, constata-se um fenómeno inovador: toda a gente sente-se capacitada, avalizada e fundamentada para emitir sentenças e produzir juízos sobre qualquer domínio da educação, por mais complexo que ele seja, como é o caso da avaliação de desempenho dos professores. Do palpite ao insulto desabrido, vê-se, lê-se e ouve-se de tudo.
A Educação não saiu à rua, caiu na rua! Ora, se a Educação não pode ser um reduto de elites, também não pode ser um pântano de alvitres.
Submeteremos ao escrutínio da crítica tudo o que considerarmos que deve ser escrutinado. Em primeiro lugar, as nossas próprias opiniões, que ficam sujeitas à exposição pública e ao contraditório; em segundo lugar, a política educativa, da legislação e orientações emanadas do Ministério da Educação até às opções e medidas que, adoptadas por uma qualquer escola, mereçam ser favorável ou desfavoravelmente criticadas.
Mas a vida não é só educação e, por isso, este blogue não está limitado a esse campo específico. A educação é produtora e é produto de sociedades, de culturas, de decisões políticas, de opções ideológicas, religiosas, estéticas e filosóficas. Deste modo, sempre que a vontade, a necessidade ou a oportunidade o ditarem, quaisquer outros assuntos serão aqui abordados.
As opiniões são individuais, vinculam apenas os seus subscritores. Temos em comum a necessidade e a vontade de intervir. A liberdade de opinião é integralmente respeitada, assim como serão respeitados, sempre, os limites dentro dos quais se desenvolve o exercício pleno da cidadania. A frontalidade e a agressividade críticas nunca darão lugar ao insulto pessoal ou à calúnia.
Por outro lado, não nos deixaremos condicionar pelo clima da mais ou menos discreta intimidação que este governo achou por bem inaugurar e que vários zelotas têm tentado desenvolver em diferentes locais de trabalho do Estado. Por isso, os artigos por nós escritos serão sempre assinados.
Finalmente, queremos deixar público agradecimento a um amigo de longa data, Miguel Teixeira, designer de profissão, pelo tratamento artístico do título do blogue e pela ajuda técnica na sua construção.

António Torres, Jaime Ribeiro, João Pedro Costa, Margarida Correia, Mário Carneiro.