sábado, 22 de março de 2008

A nudez do Rei (ou da Rainha)

Ontem, todos nós ressurgimos (olá, Margarida), infelizmente, com a notícia escrita, falada, visionada e muito comentada da agressão de uma aluna a uma professora, com a conivência e a fruição de vários colegas da turma, numa escola do Porto.
Para nós, docentes, e de novo, infelizmente, aquela notícia não foi causa de espanto ou de admiração. Veja-se o estado a que chegou a educação, neste país, para que um comportamento inadmissível e inqualificável já não constitua motivo de perplexidade!

Todos nós sabemos que situações destas, e outras ainda mais graves, existem cada vez mais no quotidiano das escolas portuguesas. Todos nós temos conhecimento disto, há já muito tempo. São múltiplas as denúncias e queixas que nos últimos anos são pública e institucionalmente divulgadas. E nada se faz para combater este problema gravíssimo que cresce, que alastra, que contamina os alicerces da sociedade, que começa a minar a própria possibilidade da convivencialidade.

Há, contudo, uma pessoa que certamente terá ficado surpreendida com aquelas cenas: a ministra da Educação. A ministra da Educação que sempre afirmou, afirma e volta afirmar não existir violência nas nossas escolas. Sabe-se que, durante o ano lectivo de 2006/07, todos os dias, um professor foi agredido, segundo um relatório da Inspecção Geral de Ensino, mas a ministra da Educação diz para os jornais e televisões que não há violência, que há somente casos isolados de indisciplina. O Procurador-Geral da República revela-se preocupado com a violência nas escolas, e anuncia que uma das suas prioridades é combater esse fenómeno, mas a ministra da Educação vem a público desmentir o Procurador e classificar de alarmista tal preocupação. Os jornais narram insultos e agressões de que os professores são alvo, descrevem, recorrentemente, cenas de bullying entre alunos, mas a ministra da Educação faz de conta que nada conhece e assobia para o lado.
Para a opinião pública, este comportamento político tem um significado e uma consequência: branqueia os actos de violência e desresponsabiliza os seus agentes. A mais alta responsável da política educativa transmite, assim, para a sociedade e para as próprias escolas, o sinal, a imagem que não poderia de forma alguma transmitir. O novo Estatuto do Aluno é um exemplo recente desta ideologia que favorece o facilitismo junto dos jovens e que se mostra avessa à responsabilização.

Inexplicavelmente, o presidente do Conselho de Escolas, ao comentar o ocorrido na Escola Secundária Carolina Michaëlis, considerou pertinente restringir a sua atenção à proibição do uso do telemóvel na sala de aula. De um professor — e, neste caso específico, com as responsabilidades que possui enquanto conselheiro da ministra da Educação — esperar-se-ia que não ficasse pelo óbvio e pelo superficial. Todavia, parece que o professor Almeida dos Santos reduz a agressão, a violência, a má educação e a insolência daquela aluna e dos seus colegas a uma questão de uso ou não uso de telemóvel. É óbvio que os telemóveis têm de estar desligados durante as aulas, mas o problema principal é este? O colega Almeida dos Santos não se interroga sobre a razão que leva um aluno a considerar-se possuído do direito de gritar, tratar por tu, agredir um professor, ou de filmar, incentivar e fazer chacota de uma situação como aquela? É só isto que um professor tem para dizer: proíba-se o uso do telemóvel - algo que, aliás, já é norma em muitas escolas? O secretário de Estado da Educação afinou pelo mesmo diapasão, o que lamentavelmente também não surpreende.

E se, em vez de nos ocuparmos apenas de epifenómenos, sr.ª ministra da Educação (e sr. presidente do Conselho de Escolas e sr. secretário de Estado), nos preocupássemos com a defesa de uma cultura da exigência, da responsabilização e da disciplina? E se, em lugar de falarmos apenas na cultura dos direitos, falássemos também na cultura dos deveres? E se, de uma vez por todas, também responsabilizássemos os pais pelos comportamentos dos filhos menores? Custa votos, sr.ª ministra? É provável, mas a senhora é ministra da Educação, não é ministra da propaganda, ou não o deveria ser.

O desequilíbrio da política educativa é um facto. Vive entre o 8 e o 80. Vive entre o acomodatício e o indulgente (diminui-se sem critério o número de exames, não se combate a violência e a indisciplina, termina-se com a reprovação por faltas) e a descontrolada arrogância e a desmedida burocratização (maltratam-se os docentes e cria-se um gigantesco, inoperacional e incompetente modelo de avaliação de desempenho dos professores).
Não há um rumo coerente. Não há um projecto sólido. Não há uma ideia de educação.
O Rei (ou a Rainha) vai nu(a), como o reconfirma uma vergonhosa filmagem de telemóvel.