sexta-feira, 28 de março de 2008

Estatisticamente

Sabemos que os mistérios fazem parte da vida, que são múltiplos e para vários gostos: há os mistérios religiosos, há os filosóficos, há os amorosos, há os da vida, há os da morte e há os mistérios do actual Ministério da Educação. De todos, são estes últimos os que menos aprecio.

No final do ano de 2007, o governo anunciou, com pompa e circunstância, como é seu hábito, mais um «momento histórico»: os casos de violência ocorridos nas escolas portuguesas tinham descido drasticamente no ano lectivo 2006/07 — menos 54% (!!) —, comparativamente com o ano lectivo anterior, segundo rezam as crónicas da altura.
Ficámos surpreendidos e muitos professores interrogaram-se: só na minha escola é que a coisa piorou?! Um mistério!
Agora, a propósito do despoletar da denúncia colectiva e mediatizada de agressões físicas e verbais de alunos a professores, de alunos a funcionários e entre os próprios alunos, mais uma vez soaram as trombetas governamentais da estatística e repetiu-se o que tinha sido anunciado há três meses: «o registo daquele tipo de ocorrências está a baixar como nunca»; «o senhor procurador-geral é um exagerado»; «aquilo que se vê nas televisões, que se ouve nas rádios e que se lê nos jornais são aproveitamentos políticos que nada têm que ver com a realidade».
Portanto, teríamos nós de concluir que todos os actos narrados — entre professores, entre funcionários, entre filhos e pais e aqueles que tê sido profusamente descritos na comunicação social — ou são invenções politicamente mal intencionadas ou são pequenas ilhas de indisciplina e violência que não têm valor representativo da situação do país educativo. A verdade que teríamos de reter seria esta: 54% a menos de violência nas escolas.

Mas o mistério permanecia: como se explicaria tão drástica e inesperada descida?
Afinal o mistério explica-se de um modo simples: na realidade, consultando-se o que na altura e agora se noticiou, mas ao qual pouca relevância se deu e se tem dado, o mistério desaparece. Cito e limito-me a carregar a negro algumas passagens:
«Este foi o primeiro ano em que o Governo apresentou os números da violência escolar de forma agregada (com uma nova metodologia, e recolhendo as participações feitas pelas escolas ao Ministério da Educação e às forças de segurança do Programa Escola Segura, evitando assim a duplicação de registo de incidentes). E talvez por isso, as comparações com o passado podem causar alguma estranheza.» (Público, 4/12/2007).
«A diferença de conceitos entre indisciplina e agressão, introduzida no último ano na avaliação das ocorrências comunicadas à Escola Segura, bem como a “harmonização” do registo entre as forças de segurança e o Ministério da Educação, pode explicar um número que o governo sublinha, mas que a polícia e muitos professores estranham. “É falta de honestidade intelectual comparar dados de anos diferentes quando os critérios de recolha de informação foram alterados", diz à Sábado uma fonte policial.» (Sábado, 27/3/08).

Com naturalidade, mudam-se os critérios e o método, compara-se o que não pode ser comparado e, estatisticamente, o problema da violência nas escolas fica resolvido.
Governar assim «é porreiro, pá»...