Em cima de uma grande pedra, o sapo acompanhava a corrente da revolta, com um olhar calmo e reflexivo. Era uma mancha imensa que escorria, galgando as margens.
- Sapiiinhoo! Olá, sapinho…
O sapo carregou as arcadas supraciliares e virou um pouco a cabeça. Então, um arrepio arrefeceu-lhe o corpo húmido (e olhem que isto não é fácil, sendo, como são, os anuros animais de sangue, já, frio). Aproveitou, todavia, o estremecimento para saltar para um ponto mais alto.
- Então, sapo, que maneiras são essas? Agora afastas-te dos amigos?
O sapo, agora mais sossegado, olhou o escorpião, estranhamente de ferrão em baixo, com um ar intrigado.
- Estamos na mesma margem, camarada. Agora vamos juntos contra eles.
Com um sorriso nos cantos da boca, o sapo sacudiu vagamente a cabeça e olhou para umas marcas escuras que se espalhavam sobre o corpo verde (de esperança, claro).
- E 89, escorpião? Será que não existiu?
- Ora, eram outros bichos, outras eras…
A mole continuava a passar, lenta, mas firmemente.
- E o que é que tu queres?
- Cavalgar-te, filho!
- Cavalgar-me? – perguntou o sapo, espantado. O que é que queres dizer com isso?
- Tudo, jovem. Conotativamente, navegar na tua onda. Denotativamente, saltar--te para cima, para que me passes para o outro lado.
O sapo nem queria acreditar.
- É que, sabes, antes desta moda dos sms’s e dos emailes, eu passava facilmente para o outro lado. Tinha até uma passagem particular e secreta… É preciso negociar, sabes… Mas, agora, com esta enxurrada, não me posso arriscar. Corro até o risco de ser levado e de morrer afogado.
- Mas, olha lá. Há uns anos, outros escorpiões vieram com a mesma conversa, e a meio da viagem espicaçaram-me todo. Nem sei como é que me safei.
- Mas agora é diferente. Neste momento jogamos o nosso futuro. Se te picássemos, era certa a nossa morte.
O sapo olhou para a corrente e pensou um pouco.
- Está bem. Mas olha que é a tua última hipótese. Não te esqueças.
Desceu, e logo um enxame de escorpiões veio colocar-se no seu dorso, de tenazes no ar, castanholando.
A viagem ia calma.
Mas, de repente:
- Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!
- O que é que se passa? – perguntou o sapo.
- São os nossos ferrões! Temos os ferrões partidos!
- Ah, sim? Mas como pôde isso acontecer?
- É que é mais forte do que nós. Não conseguimos resistir!
- Ah!. Com que então, voltaram às facadas?
- Mas, como é que isto pôde acontecer? A tua pele é tão sensível…
- Era, escorpião. Mas eu sou dos que aprendem com o veneno dos outros. E, por isso, passei a usar colete anti-ferrão.
E, sacudindo fortemente o corpo, o sapo atirou os escorpiões para a corrente, pela qual foram rapidamente tragados.
Morais da história:
1 – Confiar demais pode ser sinal de menos inteligência.
2 – Está-lhes na natureza.
3 – Os sms’s ainda funcionam..