quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (13)

«O processo de compra de submarinos a uma empresa alemã por parte do Ministério da Defesa iniciou-se no governo de António Guterres, sendo então o advogado Rui Pena o titular da pasta. O negócio conclui-se já depois no consulado de Durão Barroso, com Paulo Portas como ministro com a tutela das forças armadas.
Os processos de concurso e de aquisição destes equipamentos foram opacos, as contrapartidas que os alemães deveriam dar ao Estado português pelo negócio não se concretizaram. Os portugueses foram assim lesados em muitos milhões de euros. Neste crime, terão sido beneficiados particulares, advogados e os partidos políticos do arco do poder. A aquisição de submarinos por parte do Estado português aos alemães representa não só um caso de corrupção, mas igualmente a podridão na política. Simboliza a agonia do sistema de justiça.
A corrupção foi demonstrada de forma incontestável. Na Alemanha, há já responsáveis condenados a penas de prisão e encarcerados por terem corrompido portugueses. Num processo análogo, foi igualmente sentenciado e preso um ex-ministro grego. Contudo, em Portugal, não há arguidos, os processos eternizam-se e prescrevem, com documentos a esfumarem-se convenientemente.
O secretário-geral do PSD da época da aquisição, José Luis Arnaut, é sócio do ministro que iniciou o processo, ou seja, Rui Pena. Ambos se associaram ainda no mesmo escritório de advogados ao actual presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, Matos Correia. Estas ligações parecem convenientes e, assim, garante-se a inércia do Parlamento enquanto órgão fiscalizador.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Nacos

«Uma nova luz sobre a vida e pessoa do ilustre extinto, foi como o Sr. Américo Fonseca, já a caminho de Lombo de Tanque, definiu a abertura do testamento do Sr. Napumoceno. E o Sr. Armando Lima, com o  seu rigor de contabilista aposentado, precisou que a luz parecia total. E andando ao lado do Sr. Fonseca ia filosofando que nenhum homem poderá alguma vez pretender conhecer outro em toda a extensão e profundidade do seu mistério. Porque quem na verdade alguma vez sonhou que Napumoceno da Silva Araújo poderia ser capaz de aproveitar das idas da sua mulher de limpeza ao escritório e entrar de amores com ela pelos cantos da divisão e por cima da secretária, ao ponto de chegar ao preciosismo de lhe fazer um filho, melhor dizendo uma filha, em cima do tampo de vidro! Dando uma pequena gargalhada, o Sr. Fonseca concordou com o amigo e voltou a rir-se do facto de mesmo eles, íntimos do falecido, jamais lhes ter passado pela cabeça ele ter tido uma amante quanto mais um fruto. Claro que agora vai aparecer muita gente a apontar semelhanças, a dizer que está na cara, são os mesmos olhos aguados, etc., mas a verdade é que durante 25 anos, se alguém desconfiou não se atreveu a dizer nem à boca pequena que ele tinha um filho, melhor, uma filha.
E no entanto, quando tudo ficou esclarecido e os factos repostos, em primeiro lugar por força do testamento e mais escritos avulsos e diversos metodicamente numerados e arquivados em diversas pastas com índices de datas e matérias, em segundo lugar pelas próprias revelações de D. Chica que acabou por achar de seu dever confidenciar com a filha os pormenores da sua concepção — viu-se o que há muito poderia ter sido visto, isto é, aquele cabelo preto fino era o mesmo cabelo do falecido, a testa alta era dele sem tirar nem pôr e a própria postura da moça não era da ascendência de mulher de limpeza e certamente que sangue comercial girava naquelas veias.»
Germano Almeida, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, Editorial Caminho.

Petição


domingo, 24 de novembro de 2013

E o ministro da Educação não se demite?

A anunciada prova de avaliação dos professores contratados é a cereja colocada em cima de um enorme bolo. Esse bolo gigante começou a ser elaborado há cerca de oito anos e a sua confecção, desgraçadamente, continua nos dias de hoje. 
Em 2005, um grupo liderado por L. Rodrigues tomou conta do Ministério da Educação. Esse grupo tinha a uni-lo basicamente quatro características que os seus membros partilhavam: arrogância pessoal, ignorância sobre a realidade do nosso sistema educativo, incompetência técnica e irresponsabilidade política. 
Do amontoado legislativo que este grupo produziu, um dos aspectos que se destacou foi o que deu tradução legal à tresloucada obsessão por aquilo que designavam de avaliação do desempenho docente. 
Na realidade, este grupo não tinha a mais pequena noção do que deveria ser uma avaliação do desempenho docente e de como realizá-la. Ministra e secretários de Estado detinham apenas umas vagas noções sobre o assunto, que o senso comum lhes gerou, e sabiam que politicamente  a avaliação dos professores dava uma renda garantida junto da opinião pública. Munidos destas ideias e com a irresponsabilidade dos tolos, avançaram com uma montanha de barbaridades técnicas sobre a avaliação docente. Deu naquilo que todos sabemos que deu: um processo que constituiu uma vergonha nacional.

Depois, veio Crato que maquilhou o processo, mas manteve intacta a farsa avaliativa. Agora, resolveu ampliá-la, com a designada prova de avaliação dos professores contratados.
O carácter obsceno desta prova já foi denunciado até à exaustão: não há uma única razão séria que a justifique e há um mar de razões sérias que inviabilizam. Mas, há dias, o jornal Público acrescentou mais um elemento que cobriu definitivamente de grotesco esta (pseudo) prova. Colocou adolescentes que frequentam o 8.º e 9.º anos a responderem às perguntas de escolha múltipla da prova modelo divulgada pelo Ministério da Educação — prova que supostamente irá avaliar os conhecimentos dos professores contratados para se saber se poderão entrar na carreira docente. Todos os adolescentes realizaram aquela parte da prova em menos de meia hora e todos passaram.
Uma prova que é dirigida a adultos que são licenciados (alguns mestres), que são professores, que leccionam há muitos anos (alguns há mais de trinta), e que consegue ser respondida facilmente por adolescentes do 8.º ano deveria cobrir de ridículo os «técnicos» que a elaboraram e os políticos que a conceberam. Todos estes, técnicos e políticos, têm um caminho a seguir: a imediata apresentação do respectivo pedido de demissão. Mas, antes disso, Crato deve ter a hombridade de anular esta prova.

Este episódio confirma duas coisas:
i) Vivemos (desde há oito anos) dominados por uma política de aparências. O que interessa é fazer de conta. Neste caso, fazer de conta que se avalia, aparentar que se avalia. A política é feita para a plateia, para a fotografia, para os holofotes. Não há seriedade no que se faz. E não há respeito por ninguém. Neste caso, não há respeito pelos professores contratados. Fere-se a sua dignidade profissional com uma impressionante falta de escrúpulo, apenas para consumar o exercício da política de aparência.
ii) Quem enche o discurso com o termo avaliação é quem menos sabe de avaliação. Rodrigues e Alçada foram e agora Crato é a demonstração viva deste fenómeno.

Se vivêssemos num país politicamente decente, Crato já não poderia estar à frente do Ministério da Educação, já teria seguido o caminho das suas duas antecessoras.

sábado, 23 de novembro de 2013

Trechos - Joseph Stiglitz (1)

«Ao longo de 2011, aceitei de bom grado convites do Egito, da Espanha e da Tunísia, e encontrei-me com manifestantes no Parque Buen Retiro em Madrid, no Zuccotti Park em Nova Iorque, e no Cairo, onde falei com jovens que tinham estado na Praça Tahir.
À medida que conversava com os manifestantes, pareceu-me evidente que, embora as queixas específicas variassem de país para país — e, em particular, que as queixas políticas no Médio Oriente fossem bem diferentes das do Ocidente —, havia questões comuns. Havia um entendimento mútuo de que o sistema económico e o sistema político tinham falhado em muitos aspectos, e que ambos eram fundamentalmente injustos.
Os manifestantes tinham razão em que algo estava mal. O hiato entre o que o nosso sistema político-económico deve fazer — o que nos disseram que faria — e o que realmente faz tornou-se grande demais para ser ignorado.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

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A razão dos professores contratados reconhecida pela Comissão Europeia

Notícia retirada do Público Online:
«A Comissão Europeia (CE) anunciou esta quarta-feira que dá dois meses ao Governo português para comunicar as medidas tomadas para rever as condições de trabalho dos professores que estão a contrato nas escolas públicas, sob pena de remeter o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Em causa, segundo uma nota divulgada pela CE, está o alegado tratamento discriminatório daqueles docentes, nomeadamente em termos de vencimento, em relação a professores do quadro que exercem funções semelhantes; e também o recurso a contratos a termo sucessivos, durante muitos anos, que colocam aqueles docentes em situação de precariedade, apesar de eles exercerem tarefas que correspondem a necessidades permanentes.
A CE sublinha que aquelas situações são contrárias à directiva europeia relativa ao trabalho a termo e chama a atenção para o facto de a legislação portuguesa não prever “medidas eficazes para prevenir tais abusos".
Na nota divulgada nesta quarta-feira, a CE dá nota de que tem recebido inúmeras denúncias sobre estas situações. Parte delas foi promovida pela direcção da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), que há cerca de um ano incentivou o envio de queixas individuais para a Comissão Europeia, pela alegada violação, pelo Governo português, da directiva comunitária que impõe o respeito, no sector público, pelas normas de vinculação de trabalhadores que regem o sector privado. 
98% dos docentes reuniam condições para se vincular 
Essa iniciativa – bem como o recurso da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) aos tribunais nacionais – foi tomada depois de o ministro da Educação, Nuno Crato, ter anunciado que dentro de alguns meses seriam postas a concurso apenas 600 vagas (viriam a ser 603) para a vinculação extraordinária de docentes.
Em nota divulgada na altura, a ANVPC perguntava: “O que é que os 37.565 professores contratados com mais de quatro anos de tempo de serviço e os 11.526 com mais de dez anos de tempo de serviço (…) estão realmente dispostos a fazer para que lhes seja reparada a grande injustiça pessoal e profissional?”
Aquela decisão do ministro, disse na altura César Israel Paulo, fez com que ficassem fora do sistema cerca 12 mil professores, ou seja, 98% de docentes que, nos termos da lei geral, reuniam condições para se vincular.
Em Junho de 2012, o provedor de Justiça já considerara, num ofício dirigido ao ministro da Educação, que a legislação actual viola a directiva europeia que visa evitar a utilização abusiva dos contratos a termo. Pôs a tónica na necessidade de alterar as leis, mas alertou que os milhares de professores que já haviam cumprido múltiplos e sucessivos contratos a termo poderiam vir, com sucesso, a intentar acções judiciais contra o Estado, reclamando a indemnização por violação de direitos e a conversão dos contratos para termo indeterminado.
A eventualidade de o desacordo legislativo dar origem a um processo por incumprimento na sequência de queixas à Comissão Europeia era outro dos cenários descritos como possíveis.
Contactado pelo PÚBLICO, César Israel Paulo sublinhou a importância desta notícia, “para mais”, disse, “no momento difícil por que passam os professores sem vínculo”, em luta contra a prova de avaliação de conhecimentos e de capacidades, marcada para dia 18 de Dezembro. “Esta é a prova de que vale a pena estarmos unidos e lutarmos”, disse, apelando à “união” e à “combatividade” dos professores.»

domingo, 17 de novembro de 2013

Uma nova disciplina curricular: empreendedorismo


O nosso ministro da Economia, Pires de Lima, anunciou que considera urgente a introdução de uma nova disciplina obrigatória no currículo do sistema educativo. A nova disciplina por si proposta designa-se de empreendedorismo.
A ideia não é original, mas é interessante. Não é original porque é uma ideia importada e é interessante porque revela o estado a que chegámos.
Na verdade, vivemos tempos em que a ideologia dos interesses instalados domina de modo quase absoluto grande parte das nossas sociedades. Domina a dimensão social, a económica, a financeira e pretende tornar-se pensamento único. Sob a capa de valores nobres como a liberdade, a pessoa humana, a criatividade e outros que ouvimos e lemos nos discursos das elites dirigentes, desenvolveu-se um paradigma que, paradoxalmente com os princípios que reclama, coage a liberdade, tritura a pessoa humana e mata a criatividade. E é ainda curioso verificar que, apesar do designado paradigma neo-liberal ser demasiado grotesco para ter o estatuto de «paradigma», mesmo assim, consegue impor as regras e defender de modo inquestionavelmente eficaz os interesses das classes dominantes. A manutenção do statu quo, isto é, a manutenção do poder económico circunscrito às actuais classes que o detêm é o seu primeiro objectivo.

Ora, uma das ideias grotescas desse «paradigma» está justamente representada na tentativa de elevar o conceito de empreendedorismo a um alto patamar conceptual — e isto não é feito de modo inocente. No pensamento que revela tanto enlevo pelo empreendedorismo há um pressuposto determinante: as sociedades devem assentar primordial e quase totalmente numa estruturação privada e só residualmente numa estruturação pública, e o individualismo, eufemisticamente designado de iniciativa privada, deve sobrepor-se a todas as formas colectivas de organização social e deve ser elevado a valor nuclear, conjuntamente com o mítico conceito de meritocracia.
Segundo o pensamento linear deste «paradigma», quem está bem instalado na vida é porque foi bem sucedido, e se foi bem sucedido é porque tem mérito, e se tem mérito é porque foi empreendedor. Esta aparente ingenuidade analítica tem uma inegável força pragmática: serve de forma competente a manutenção das regras que asseguram perpetuar o poder económico e financeiro a quem já dele é detentor: na verdade, se a designada «iniciativa privada» é a base e o motor social, quem, à partida, já possui maior poder económico é quem tem mais possibilidades de ser «bem sucedido». Deste modo, o poder económico perpetua-se geracionalmente nas mesmas mãos.
Em torno desta base «programática» de preservação da actual hierarquia social vão surgindo noções menores que, em regra, resultam daquilo que se poderá chamar de novo-riquismo intelectual. De banalidades procuram-se fazer aparentes construções teóricas cuja suposta complexidade justificaria preparação introdutória a nível do ensino básico e secundário. É o caso do conceito de empreendedorismo, cuja qualidade da sua substância está bem traduzida na seguinte definição: o empreendedor é aquele que «transforma a situação mais trivial em uma oportunidade excepcional, é visionário, sonhador; o fogo que alimenta o futuro; vive no futuro, nunca no passado e raramente no presente; nos negócios é o inovador, o grande estrategista, o criador de novos métodos para penetrar nos novos mercados» (Michael E. Gerber, cf. aqui). É este tipo de prosápia de vendedor de vão de escada que agora se pretende erigir em saber e cultura curriculares, ao lado da Literatura, da História, da Filosofia, da Matemática, da Física, da Biologia, só para referir meia dúzia de exemplos. Naturalmente que as roupagens do conceito são outras quando os «especialistas» são de nível superior, mas a substância não se altera.
A verdade é que são trivialidades deste género que constituem os conteúdos das novas «ciências» que o novo-riquismo intelectual pretende difundir e instalar. Os saberes construídos e consagrados por múltiplas civilizações deveriam assim dar lugar aos «empreendedorismos», aos «competitivismos», aos «inovacionismos» e a outros «ismos» de natureza idêntica ou, no mínimo, ombrear com eles, porque, segundo se pretende fazer crer, o futuro depende desses (pseudo)saberes.
Acima de tudo, há um mito que é necessário preservar, para que o statu quo não se altere: quem for empreendedor, mesmo que seja pobre, pode transformar-se num «bem sucedido» e ascender ao mais elevado escalão social. Esta mentira é que é mesmo necessário preservar, e conceitos como o de empreendedorismo estão aí para ajudar a essa preservação.

sábado, 16 de novembro de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (12)

«Uma das invenções mais perversas deste regime foi a proliferação de fundações. Nasceram como cogumelos na esfera privada, não para beneficiar a sociedade, mas para sugar recursos ao Estado. Multiplicaram-se também no domínio público, como organismos da administração sem qualquer controlo. Com recursos públicos, funcionam a favor dos seus dirigentes, sem qualquer escrutínio da opinião pública, sem qualquer controlo ou auditoria.
Uma verdadeira Fundação é uma entidade cujo instituidor, dispondo de meios avultados, de um fundo, decide disponibilizar esses recursos à comunidade para prosseguir um dado desígnio social, um qualquer benefício colectivo.
Nesta perspectiva, as fundações públicas nem sequer são fundações. São apenas departamentos da administração central ou local travestidos, com um estatuto que lhes permite funcionar de forma encoberta. Os seus directores não estão sujeitos a regras da administração pública e podem acordar negócios sem qualquer limite, permitindo-se ainda recrutar pessoal sem concurso. É-lhes assim permitido utilizar os recursos públicos em função dos seus interesses e dos seus negócios privados.
Já quanto às fundações privadas, podemos dividi-las em três grupos. Temos as que prosseguem um fim social útil, mas vivem maioritariamente de recursos públicos. Mas, se não dispõem de facto de fundos próprios, podemos considerá-las instituições de solidariedade ou associações, contudo, não fundações. Devem, por isso, mudar de regime e de estatuto.
Há um outro grupo cujos instituidores são personalidades com muitos recursos que registam os seus bens pessoais em nome de fundações particulares, mas que nada dão à sociedade. Com este esquema, ficam isentos de pagar IRC na sua actividade, os seus terrenos e prédios não pagam os impostos a que está obrigado o comum dos cidadãos, como o IMT e o IMI. Até alguns dos seus automóveis ficam isentos de pagar imposto de circulação e imposto automóvel. Este cavalheiros conseguem desta forma um paraíso fiscal próprio, ou seja, verdadeiras off-shore em território nacional. A estas fundações, que apenas servem para mascarar intentos de benefícios fiscais indevidos, retirem-lhes o estatuto de utilidade pública.
No final, restarão apenas cinco ou seis genuínas fundações [...]. São os casos d[a] Gulbenkian, Champalimaud e pouc[a]s mais. [...]
Em resumo, as fundações públicas devem ser extintas e as fundações privadas sem recursos têm de mudar de regime. E aquelas que, embora dispondo de muitos meios, não perseguem um fim social visível e proporcional aos benefícios que recebem, devem perder o seu estatuto de utilidade pública. Esta verdadeira limpeza e higienização levará à anulação de centenas destas entidades.» 
Paulo de Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Poemas

NA OBSCURIDADE DAS ENTRANHAS

passai mais docemente
sobre nossos nervos, caminhantes.
não, nós não estamos mortos.
apenas fatigados
por um nevoeiro sujo
de rosto apodrecido e falso
que se estira e faz serpente, polvo, enigmas.
antes o ventre da terra que este ar sem ar.

passai mais docemente
sobre nossos nervos, caminhantes.
estamos no negro de um subsolo calmo.
apagando a febre, recuperando o espírito, cantamos.
escondemo-nos.
escondemos nossa vida longe das sendas do tempo
viandantes, sobre nossos nervos
passai mais docemente.

Khalil Hâwi
(Trad.: Adalberto Alves)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Exames para professores contratados ou uma política de aparências

Desgraçadamente, tornou-se uma prática comum a vários ministros de diferentes governos realizar uma política de aparências. É impressionante observar como tal prática se generalizou e como foram e são graves as consequências que daí advieram e advêm. Decreta-se, portaria-se, despacha-se, oficia-se sem conhecimentos mínimos para o fazer e sem noção ou preocupação com os resultados decorrentes. A verdadeira atenção está centrada exclusivamente na aparência que as medidas poderão ter junto da opinião pública. O que realmente interessa é o «parecer», não o «ser».
Nesta malfadada prática, a Educação tem sido, nos últimos anos, um domínio particularmente massacrado. Rodrigues, Alçada e Crato constituem um trio terrível que elevou a níveis nunca antes vistos o exercício do engano e da prestidigitação política. A objectiva incompetência técnica e a evidente incapacidade política para desenvolverem reformas fundamentadas e mobilizadoras foram e continuam a ser escondidas por trás de políticas de aparência que visaram e visam somente obter o aplauso de um certo público. 
A tentativa de divisão da carreira docente, o(s) modelo(s) de avaliação do desempenho docente, o modelo de gestão escolar, o estatuto do aluno, a reforma curricular de 2012 são, entre vários outros, exemplos de dislates e de absurdos políticos originados na ignorância e/ou no preconceito e no desejo de aparentar «obra» realizada, nem que essa «obra» seja a concretização do mais néscio senso comum.
A última versão desta irresponsável política de aparência é o exame que o ministro da Educação considerou dever realizar aos professores contratados para que possam continuar a exercer a docência. É uma «exigência» que é feita somente para parecer bem na fotografia, para alimentar a aparência de rigor. Contudo, trata-se apenas de um exercício arbitrário e mesquinho de poder. Trata-se de uma medida sem contexto, sem sentido, sem justificação. Na verdade, estamos a falar de professores que têm certificações científicas fornecidas por instituições do ensino superior acreditadas pelo próprio ministério da Educação; professores que exercem a docência há muitos anos — muitos deles há mais de vinte e alguns há mais de trinta —; que anualmente foram e são avaliados segundo regras também impostas pelo próprio ministério da Educação e que têm obtido, segundo essas mesmas regras, a classificação de bom, muito bom ou excelente; professores que realizam o mesmo trabalho e com as mesmas responsabilidades dos docentes do quadro.
Que razão séria, que fundamento científico ou pedagógico, que moralidade pode justificar a existência deste exame? Não há razão nem fundamento nem moralidade, há exclusivamente uma enorme falta de respeito profissional por milhares de professores e uma obsessiva necessidade de esconder a incompetência com políticas de aparência.
Nota: a cobrança de 20 euros pelo exame realizado atira irremediavelmente este processo para o domínio da obscenidade.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A criminosa destruição da Escola Pública

Só hoje tive possibilidade de ver a excelente reportagem realizada pela jornalista Ana Leal, da TVI, sobre a criminosa destruição da Escola Pública, que está a ser levada a cabo pelo actual governo. Para além do crime político que é destruir a Escola que, pela sua natureza pública, tem o dever de estar ao serviço de todos, esse crime é perpetrado com o dinheiro dos impostos, isto é, com o dinheiro de todos nós. 
Passos, Portas e Crato terão de ser, espero que num futuro não muito distante, constituídos arguidos por prática de crime continuado contra a res publica.

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sábado, 2 de novembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (11)

«Não por acaso, muitos dos políticos dos diferentes partidos que promoveram as negociações [das PPP] em nome do Estado, integram agora os órgãos sociais dos concessionários reiteradamente beneficiados. Todos os ministros das Obras Públicas de referência do regime estão ligados às PPP. O ministro do sector no tempo de Cavaco Silva, Ferreira do Amaral, preside à Lusoponte, detentora da ponte Vasco da Gama, projecto que concebera enquanto governante. O seu sucessor no governo socialista, Jorge Coelho, administra o grupo Mota Engil, maior detentor de PPP rodoviárias em Portugal. Já o titular da pasta no consulado de Durão Barroso, Valente de Oliveira, pertence também ao mesmo conselho de administração da mesma Mota Engil. Aqui se cruzam e cruzaram Rangel de Lima, antigo presidente das Estradas de Portugal com Luis Parreirão, ex-secretário de Estado das Obras Públicas. Também Almerindo Marques, que presidiu às Estradas de Portugal, transitou para a presidência das obras públicas no grupo Espírito Santo. A transferência sistemática para grupos privados dos agentes públicos que decidem sobre PPP é obscena, mas parece recolher o apoio e mesmo a admiração de políticos no poder.
É o que se pode ler da decisão da Câmara do Porto de atribuir, a 25 de Abril de 2012, a medalha de ouro do município ao presidente do grupo Mota Engil. António Mota personifica a promiscuidade entre política e negócios. O grupo a que preside tem sido dos mais favorecidos pelos sucessivos governos, sustentando-se dessa enorme manjedoura que é o orçamento de Estado. E em todos os escândalos em que aparece envolvido, o grupo Mota escapa incólume. Foi assim com a prorrogação dos contratos da Lisconte ou com a operação Furacão em que foi arguido. Vem de longe a sua tradição de contratar políticos menos escrupulosos como Duarte Lima que, já enquanto líder parlamentar do PSD no tempo de Cavaco Silva, representava os interesses do grupo Mota. António Mota colecciona políticos de todos os quadrantes, cuja utilidade vai do tráfico de influências a favor dos seus negócios até à vassalagem, com a atribuição de comendas ou medalhas.
Entretanto, o grupo Mota Engil é o maior operador na área das parcerias público-privadas rodoviárias, nomeadamente nas designadas "ex-SCUT". É ainda o accionista de referência da Lusoponte, empresa detentora da ponte Vasco da Gama.
Quando a troika chegou a Portugal, em 2011, os quadros superiores do FMI, da União Europeia e do BCE ficaram atónitos com o nível de remuneração que era garantido aos concessionários das PPP.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.