terça-feira, 25 de abril de 2017
sábado, 15 de abril de 2017
Radiografia de um artigo (supostamente) sobre educação
Fotografia de Gustavo Almeida. |
O artigo «Os finalistas do eduquês» (aqui) é um confrangedor amontoado de dislates. A argumentação, quando existe, é pobre. Grande parte do texto é uma enumeração de frases panfletárias.
O artigo tem duas partes.
Primeira parte.
1.º parágrafo. Metade é auto-elogio. A outra metade é ininteligível: «factos», «prova da realidade» e «espírito científico» é tudo o mesmo. Coitada da Matemática que não tem «factos» para lidar nem «realidade» que lhe dê «provas»; coitada da Microfísica que lida com uma «realidade» que lhe dá «factos» paradoxais; coitada da Lógica, coitada da...
2.º parágrafo. Somos informados de que estamos a enfrentar «o mais brutal [...] ataque à Razão, à Civilização e aos grandes valores universais comuns.» Depois da leitura desta frase, pensa-se que a seguir virá uma condenação do terrorismo. Mas não. Quem é responsável pelo mais brutal ataque «à Razão, à Civilização e aos valores universais» é a «ideologia relativista, permissiva e obscurantista» que, segundo o autor, tem dominado as nossas escolas.
3.º parágrafo. Somos mandados para um blogue. Somos informados de que devemos ler a tradução de um discurso do ministro da Educação inglês.
4.º parágrafo. Auto-elogio, novamente. O discurso do ministro inglês, afinal, segundo o autor do artigo, diz o óbvio. Por coincidência, precisamente aquilo que o autor do artigo diz andar há muito a «gritar». «Sozinho», acrescenta, em tom de queixume.
Segunda Parte.
1.º parágrafo. Somos informados de que o «vandalismo sazonal perpetrado por "estudantes" portugueses em Espanha», assim como as praxes e a violência nas escolas têm uma causa: a ideologia mencionada no 2.º parágrafo, da primeira parte.
2.º parágrafo. Somos informados de que as escolas traficam as viagens desses estudantes, mas ignoram-nas, assim como o ME.
3.º parágrafo. Somos informados de que devemos generalizar: o vandalismo é geral, os nossos estudantes são vândalos. Fica-se com a dúvida se o vandalismo sendo geral deixa de ser sazonal, ou, se o sendo, é um sazonal geral. Somos também informados de que os vândalos não pertencem a grupos sociais desfavorecidos.
4.º parágrafo. Os vândalos são produto da tal ideologia mencionada no 1.º parágrafo da segunda parte e no 2.º parágrafo da primeira parte.
5.º parágrafo. Somos informados de que, no futuro, os vândalos irão votar na Catarina Martins. Fim.
Pude verificar que, há pouco mais de dois meses, o mesmo autor elogiou as políticas educativas de David Justino, Lurdes Rodrigues e Nuno Crato (por se oporem à tal «ideologia relativista, permissiva e obscurantista» — aqui, 8.º parágrafo). Ora, David Justino foi ministro da Educação entre 2002 e 2004, Lurdes Rodrigues entre 2005 e 2009 (Isabel Alçada, sua continuadora, entre 2009 e 20011) e Nuno Crato entre 2011 e 2015. Todos «anti-eduquês», segundo o pensamento do autor. Catorze anos consecutivos de «anti-eduquês».
Isto significa que os vândalos de que o autor fala, afinal, não são finalistas do «eduquês». São finalistas das políticas de Justino, Rodrigues e Crato, que o autor elogia e admira.
É a «prova da realidade» e dos «factos»...
Nota: sou, há muito, adversário, no meu quotidiano profissional, do designado «eduquês» (se por «eduquês» se entender ausência de rigor, ausência de exigência, ausência de orientação pedagógica, ausência de valores, desvalorização do conhecimento, desvalorização do professor, etc.). Porque sou adversário da falta de rigor e da falta de exigência, verbero artigos que não tenham o mínimo de rigor nem o mínimo de exigência. Verbero prosa que seja filha do facilitismo intelectual.
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