terça-feira, 22 de julho de 2008

FÉRIAS!

O blogue vai de férias. Uns vão a banhos, outros a banhos vão. Vamos partir, mas ameaçamos regressar. Em Setembro.
Até lá, nem os nossos leitores saberão o que fazer à vida nem nós o que fazer da vida. Mas a realidade é o que é: estamos condenados a ter férias. Feriar é um dever, e nós cumprimos os nossos deveres, por muito que isso nos custe.
Antes de desejarmos aos nossos bloguistas que fruam e usufruam do que quiserem e puderem, queremos agradecer-lhes a atenção que nos têm dispensado: quando lêem o que vamos escrevendo, quando escutam as músicas que vamos editando, quando vêem os vídeos que vamos «postando», quando connosco sorriem, quando connosco se indignam, quando connosco concordam ou discordam; no fundo, quando connosco partilham uns minutos das suas vidas. Um agradecimento particular àqueles que, para além de tudo isto, ainda se dão ao trabalho de escrever comentários ou de nos enviarem textos ou vídeos ou sugestões. Não têm mesmo juízo!

Agora é que é. Tem de ser. Não podemos ficar mais tempo. O mundo não está recomendável e nós também já não estamos grande coisa, temos mesmo de fazer férias.

A todos, boas férias!
Até Setembro.

A equipa de
O Estado da Educação e do Resto

Pensamento de Verão

«O meu médico só me deu duas semanas de vida. Espero que sejam em Agosto.»
Ronnie Shates

In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Uma explicação devida

Em Maio, escrevi que, de quando em quando, iria partilhar com os leitores do blogue algumas das ideias que defendo para um modelo alternativo ao actual modelo de avaliação de desempenho dos professores.
Comecei por apresentar sete proposições, como pretextos para uma reflexão partilhada. Interrogado, por dois colegas, sobre a fundamentação de duas dessas proposições: proposição 4 — relativa à componente formativa da avaliação — e proposição 5 — relativa às componentes interna e externa da avaliação; pude desenvolver e aprofundar esta última proposição. Ainda não fiz o mesmo no que diz respeito à proposição 4 nem às restantes proposições.
A aproximação do final do ano lectivo e a consciência de que 2008/09 será um ano particularmente propício ao debate de ideias, à partilha de experiência, à denúncia de atropelos e à exposição pública de muitas situações, decorrentes da aplicação generalizada do Decreto Regulamentar da Avaliação, levaram-me a considerar ser, provavelmente, mais proveitoso prosseguir a exposição daquelas ideias a partir do próximo mês de Setembro. Nessa altura, talvez seja possível começar a aliar a reflexão teórica a problemas práticos que, inevitavelmente, ocorrerão.
Fica, então, combinado voltarmos ao assunto a partir do início do próximo ano lectivo.

domingo, 20 de julho de 2008

Leonard Cohen

Aos 73 anos de idade, Leonard Cohen cantou, emocionou e encantou.
A voz não é, nem podia ser, a mesma, mas o artista é único, os músicos são excelentes e muitas músicas são belas e inesquecíveis. Foi no Passeio Marítimo de Algés, há poucas horas.

sábado, 19 de julho de 2008

Livro de Horas

Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa.
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O estado da Nação

A TSF ouviu algumas vozes sobre o estado da Nação. Alguns resumos dessas opiniões:

«O coreógrafo Rui Horta considera que é urgente reformular o sistema de ensino. O director da companhia de dança “O Espaço e o Tempo” afirma que não aprendemos com os erros do passado.

O investigador Nuno Crato, que preside à Sociedade Portuguesa de Matemática, considera que o país está numa encruzilhada.

O sociólogo Manuel Villaverde Cabral confessa que não se lembra de viver tempos assim, mas não alinha com os que apontam o dedo à conjuntura internacional.

Carlos do Carmo está preocupado com a apatia dos portugueses. O fadista está apreensivo com o estado das pessoas.

Anselmo Borges considera que é preciso apostar na Educação. O teólogo defende que os principais problemas do país estão relacionados com a qualificação profissional.

Carlos Fiolhais explica que Portugal precisa de mudar as mentalidades. Este professor catedrático defende ainda que é preciso repensar a escola.

O professor catedrático Sobrinho Simões não traça um retrato negro do país. O Prémio Pessoa de 2002 diz que o Sistema Nacional de Saúde é um dos pontos em que Portugal está acima da média.

A teóloga Teresa Toldi considera que falta um rumo para Portugal. Esta professora universitária aponta o dedo à crise económica.

Para Isabel Jonet, o país ficaria a ganhar se aplicasse as receitas do Banco Alimentar contra a Fome: apostar em projectos mobilizadores e ir buscar onde sobra para entregar onde falta é a máxima.

Tomás Morais, o seleccionador nacional de râguebi, reconhece que temos desafios difíceis pela frente. Quando a TSF lhe pede uma estratégia para encarar o futuro, responde que é preciso pensar positivo.

O politólogo António Costa Pinto explica porque é que defende que a melhoria da educação e da justiça são essenciais para ultrapassarmos a crise e o pessimismo.

Letrista e poeta, Carlos Tê não embarca em alarmismos, mas defende que é urgente apostar na credibilização da política.

O general Garcia Leandro, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, aponta diversas fragilidades no país… Mas considera que os caminhos apontados pelo Governo estão correctos.

A escritora Lídia Jorge reconhece que atravessamos um momento doloroso, mas defende que não podemos ser derrotistas.»
Sítio da TSF

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Divulgação dos resultados do inquérito sobre as condições do exercício da docência

O blogue recebeu da deputada Ana Drago, do Bloco de Esquerda, o seguinte e-mail:

Caros autores d’O Estado da Educação,

Escrevo-lhes aproveitando o contacto do vosso blog O Estado da Educação, que se tem destacado como espaço de debate das questões de política educativa e do estado da educação.

Gostaria por isso de aproveitar para divulgar os resultados de Os Desafios da Escola Pública – Inquérito a educadores e professores sobre as condições de exercício da actividade docente, que o Bloco de Esquerda promoveu neste primeiro semestre, e que contou com a colaboração de mais de 3 mil docentes. Envio-lhes, pois, o documento final (em anexo), bem como o link onde ele pode ser consultado: http://beparlamento.esquerda.net/media/inqescola.pdf

Os dados apurados permitem ter uma imagem bastante elucidativa do que são hoje as dificuldades actuais no exercício da docência: 5 em cada 10 professores tem a seu cargo mais 100 alunos; cerca de um quarto dos professores que responderam ao inquérito lecciona a três ou mais anos de escolaridade. Por outro lado, as respostas indicam que os professores gastam em média 46 horas semanais na sua actividade profissional – muito mais, portanto, do que as 35 horas “oficiais”.
Porque acreditamos que estes dados mostram dimensões centrais da vida quotidiana da escola pública que tendem a nunca ser abordadas no debate político, estamos a tentar divulgá-los, tanto quanto possível. Saber como trabalham hoje os professores da escola pública – conhecer as dificuldades e os estrangulamentos da organização do trabalho docente – pode e deve servir de base à discussão das diferentes soluções e propostas políticas. Aqui fica, pois, o convite para que, se assim entenderem, disponibilizem estes dados aos leitores do vosso blog.

Espero também as vossas sugestões, ou os comentários que este inquérito e o “estado da educação” lhes possam suscitar.
Grata pela vossa atenção,

Ana Drago
Deputada do Bloco de Esquerda

Prova de Português beneficia alunos da segunda fase

«Os alunos que ontem [dia 14] realizaram a prova de Português de 12º ano, na segunda fase, ficaram "claramente beneficiados face aos que a prestaram na primeira fase". A constatação é da Associação de Professores de Português, cuja vice-presidente apontou, em declarações ao DN, uma "desigualdade enorme" entre as provas da primeira e da segunda fase.»
Diário de Notícias (15/07/08)
Os comentários continuam a ser desnecessários.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Mais uma encenação nacional

I Parte
Está a decorrer o pomposamente denominado Programa Nacional de Formação para a Avaliação de Desempenho dos Docentes, que visa, segundo o Ministério da Educação, «suportar e acompanhar a aplicação do modelo de avaliação de desempenho dos docentes criado pelo Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, ao nível da actuação dos diferentes intervenientes: Órgãos de Gestão; Avaliadores e Avaliados.»

É curioso recordar que, aquando da publicação da legislação que instituiu a avaliação de desempenho, a ministra da Educação, os seus secretários de Estado e vários professores apoiantes deste modelo de avaliação disseram, repetidamente, que não era necessária qualquer formação para que se desse início ao processo de avaliação. Todos ouvimos, várias vezes, o argumento de que os professores não precisavam de qualquer formação pois que a sua especialidade era, exactamente, avaliar.
E a arrogância com que isto foi dito, o carácter assertivo com que isto foi afirmado, por parte da ministra e respectivos secretários! E o ar ofendido que alguns nossos colegas mostravam, quando fazíamos essa exigência!
Vê-se, agora, que, afinal, a formação é necessária. Vê-se, agora, a irresponsabilidade política da ministra e a incompetência técnica de quem a aconselha. Irresponsabilidade política porque à custa de querer avançar com o processo para mostrar serviço aos jornais e à opinião pública, não se preocupou nem com a seriedade nem com o rigor daquilo que ela própria queria implementar. Incompetência técnica porque toda a comunidade e bibliografia científicas enfatizam a obrigatoriedade (óbvia) de uma sólida preparação para o exercício da avaliação do desempenho docente.

II Parte
Mas como era de esperar, e de modo coerente com a política deste governo e, em particular, deste Ministério, aquilo que está a ser feito é mais uma gigantesca encenação para «inglês ver». É mais um enorme faz-de-conta para dizer que se fez, mas nada se fazendo de substancial. Despacha-se a questão com módulos de formação de 15 horas e alguns de 7,5 horas. Formação às três pancadas e a todo o vapor.
Veja-se o exemplo do Módulo 1, cujos conteúdos são:
- O desempenho profissional
- Avaliação de competências profissionais
- Perfil Profissional do Docente – competências profissionais
- Plano de desenvolvimento profissional
- Regulamento Interno – direitos e deveres do professor
Em quantas horas são ministrados estes conteúdos? 7,5 horas! Sete horas e meia! É ver, chegar e andar.
Só o problema da avaliação de competências profissionais deveria ser analisado, estudado e exercitado durante mais tempo que aquele que é dedicado a vários módulos juntos. Mas nada disto interessa ao Ministério da Educação e a este governo. O que interessa é poder canalizar o dinheiro para coisas mais vistosas e, simultaneamente e em pouco tempo, poder proclamar que a formação foi feita e que o processo da avaliação de desempenho dos professores está a correr sobre rodas.

III Parte
O próximo ano lectivo promete....

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Pensamentos de início de semana

«Ele não sabe nada, mas pensa que sabe tudo — tudo aponta para uma carreira política.»
Bernard Shaw

«Existe vida inteligente na Terra?»
Punch

«Há diferença entre beleza e encanto. Uma mulher bela é aquela que eu noto. Uma mulher encantadora é aquela que repara em mim.»
John Erskine

In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

domingo, 13 de julho de 2008

De Bocassa a exemplo supremo!


Vídeo enviado por Paula Rodrigues.

Em 1992, o deputado Jaime Gama comparou o presidente A. Jardim, da Região Autónoma da Madeira, a Bocassa.
Bocassa governou a República Centro-Africana entre 1966 e 1977, na sequência de um golpe militar. Foi acusado de ter realizado as maiores atrocidades contra os seus adversários políticos. Mandou massacrar, torturar e assassinar. Também foi acusado de canibalismo. Proclamou-se imperador.
Foi com este bárbaro que Jaime Gama comparou o presidente A. Jardim, há dezasseis anos.
Agora, o mesmo Jaime Gama, e, desta vez, com a responsabilidade acrescida de ser presidente da Assembleia da República, fez um elogio público e formal à mesma personagem e apresentou-a como um exemplo supremo de político combativo. Isto é, um modelo, uma referência a seguir.
Há comportamentos políticos para os quais não é possível encontrar adjectivação adequada e, ao mesmo tempo, publicável. Este é um deles.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Exames de Matemática do 9º ano: mais 100% de positivas que em 2007! Os milagres continuam!

Na disciplina de Matemática, os resultados dos exames nacionais passaram de 27,2% de classificações positivas, em 2007, para 55,2%, em 2008!! Uma subida superior a 100%!!
É possível comentar isto? Não é. Não há palavras.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Mais uma nota sobre a questão das quotas e da excelência e por aí fora

Começo por recordar, de modo breve, o que toda a gente sabe: o governo e a ministra da Educação, para retirarem dinheiro à Educação, sujeitaram, em sede de avaliação de desempenho dos docentes, as classificações de «Excelente» e de «Muito Bom» ao sistema de quotas. Isto é, um professor pode ser, de facto, «excelente», mas se, na sua escola, o número de professores «excelentes» for superior à quota administrativa imposta pelo Ministério, esse professor não terá direito à classificação de «excelente», conforme o seu mérito exigiria. E fizeram o mesmo com o acesso à categoria de professor titular. Para quem enche o discurso com a defesa do mérito, é uma contradição insanável.
Tentando justificar o injustificável, o governo convoca sempre o exemplo do que se passa nas empresas. A este propósito, um também breve aparte.
O fascínio pelo modelo empresarial revela, do meu ponto de vista, linearidade na análise. Entre outras, por três razões:
1.º porque não vê, ou não quer ver, que o mundo da procura do lucro não é comparável com o mundo da formação educacional. Ou seja, não vê, ou não quer ver, que estamos perante dois mundos com objectivos de natureza divergente (e, por vezes, oposta) — um tem objectivos de natureza quantitativa e o outro de natureza qualitativa;
2.º porque não vê, ou não quer ver, que é da organização empresarial que nos chegam, muitas vezes, os piores exemplos de desrespeito pelos direitos dos seus profissionais e de práticas inaceitáveis de desumanização e de injustiça;
3.º porque não vê, ou não quer ver, que o arquétipo organizacional de uma escola não é nem deve ser o mesmo que o arquétipo organizacional de uma empresa e, consequentemente, a forma de realizar a avaliação de desempenho dos profissionais desses dois modelos não deve nem pode ser idêntica.

Mas vamos ao que interessa, que isto é, apenas, um rápido apontamento. O argumento do governo está sintetizado na frase do secretário de Estado, Jorge Pedreira — já por mim citada, num outro post — : «Em qualquer grupo [profissional], se todos puderem ser excelentes o que está errado é a própria definição de excelência.» Já tive oportunidade de me referir à falácia que aqui está presente, hoje, contudo, vou somente ater-me a um exemplo que vem do próprio meio empresarial, o tal idolatrado meio que anda a seduzir meio mundo.
A empresa norte-americana Apple, a empresa que, segundo muitos especialistas, produz não só os melhores computadores do mundo como o melhor Mp3, é dirigida há já muito tempo por um dos seus fundadores, Steve Jobs. Ora, é sabido que o CEO da Apple tem como critério de selecção dos seus colaboradores a superior qualidade do seu desempenho profissional, só quer ter a trabalhar consigo os melhores. A revista Sábado, de hoje, traz, a propósito do lançamento em Portugal do iPhone, um extenso artigo sobre o funcionamento daquela empresa, onde se pode ler que Jobs tem como requisito que aqueles com quem trabalha «sejam todos excelentes». Eu volto a escrever: Jobs tem como requisito que aqueles com quem trabalha «sejam todos excelentes». Lê-se e não se acredita: todos «excelentes»?! Todos?!
Segundo o secretário Pedreira, segundo a ministra Rodrigues, segundo o engenheiro Sócrates, o chefe da Apple só pode ser um incapaz que não conhece a definição de «excelente» e que permite e quer que todos os seus profissionais sejam «excelentes».
A nós, o que nos vale é termos secretários assim, ministras assim e engenheiros assim, que nos ensinam o que é ser «excelente» e não permitem que sejamos enganados por charlatães como esse tal Jobs. Ele que se acautele, senão ainda leva uma reprimenda pública do nosso primeiro, que é para aprender a não andar por aí a dizer enormidades. Incompetente!

Esta Gente/Essa Gente

O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unhas e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Ana Hatherly

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Pensamentos de quarta-feira

«Se quisermos fazer um mundo novo, o material já está pronto. O primeiro também foi criado do caos.»
Robert Quillen

«A minha triste convicção é que as pessoas só conseguem estar de acordo naquilo em que não estão interessadas.»
Bertrand Russel

«Pai de doze filhos atingido por tiro numa caçada — tomado por um coelho.»
Título de jornal.

In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Em numeração romana e por extenso

Olho, já sem surpresa, para a 1ª página do Público de Sábado passado e a manchete, em letras garrafais, proclama o "milagre": média de 14 valores nos exames de Matemática A, a mais alta de todas as disciplinas. E...

- Ocorre-me a expressão que um dia o poeta José Gomes Ferreira escreveu num dos seus livros: «a mim, foi um professor de Matemática que me estragou a infância» (já passaram mais de trinta anos desde que anotei a frase, mal a li, com o seguinte comentário: "e a mim foi uma professora de Matemática que me estragou a adolescência"). Não sei mesmo se tão singela revelação não contribuiu para o meu fascínio pela poesia de José Gomes Ferreira;

- Ocorre-me, a propósito da política económica do país no período expansão marítima, que já em pleno século XVII a Casa da Indía ainda fazia a contabilidade do Império em numeração romana e por extenso, daí resultando que as contas "públicas" tinham décadas de atraso, como convinha ao alto e corrupto funcionalismo de então (nessa altura, já as companhias comerciais holandesas faziam, há muito, a contabilidade em algarismos);

- Ocorre-me que, ainda há poucos anos, se verificava uma crónica falta de professores de Matemática, situação que se ia resolvendo com o recurso a bacharéis em engenharia (na minha geração é neste nível de formação científica que se enquadra uma boa parte dos professores de Matemática dos quadros das escolas);

E decido-me, antes que me ocorram lembranças piores, a imaginar um futuro risonho onde:

- Não haverá mais crianças e adolescentes em conflito com a Matemática e com alguns dos que a ensinam;

- Não haverá mais adolescentes a fazer escolhas vocacionais que garantam a "fuga à Matemática";

- As contas públicas serão um exemplo de rigor e transparência, um sério obstáculo a qualquer tipo de corrupção;

- A Sociedade Portuguesa de Matemática retrata-se publicamente, reconhece o mérito do Ministério da Educação e propõe para membros honorários a Ministra e os Secretários de Estado Pedreira e Lemos.

- As aulas de substituição(?!) passarão a ser "aulas de Matemática"... para que se junte o útil ao agradável.

domingo, 6 de julho de 2008

Sem rumo, sem coerência, ao sabor das conveniências

Excerto de uma entrevista da ministra da Educação ao semanário Expresso (5/7/08):

«Pergunta: Como vai apresentar os resultados dos exames, se eles forem melhores?
Resposta: E se houver mais notas negativas? O objectivo dos exames não é comparar.»
Comentário: Em pouco mais de uma semana (já o tinha afirmado a um outro jornal), a ministra da Educação afirma que os resultados dos exames não devem ser comparados entre anos lectivos diferentes. Contudo, esta é a mesma ministra que defende que os resultados dos alunos na escola devem ser comparados entre anos lectivos diferentes e que essa comparação deve servir como elemento de avaliação do desempenho dos professores.
Sem rumo, sem coerência, a ministra da Educação sustenta posições opostas, segundo o sabor das conveniências.

«Pergunta: Mas comparou os resultados do 4.º e do 6.º ano em que a taxa de negativas passou para metade a matemática...
Resposta: Nós acreditamos que com mais trabalho os alunos recuperam. E não podemos desvalorizar o que as escolas fizeram nestes dois anos sob o risco de desacreditar o próprio processo de aprendizagem. Eu acredito que trabalhando se aprende e que o trabalho das escola dê resultados.»
Comentário: Confrontada com a objectiva e confrangedora contradição, a ministra da Educação faz de conta que essa contradição não existe, isto é, perguntada sobre alhos, responde sobre bugalhos. Isto tem um nome feio: desonestidade intelectual.
Quando não se tem rumo (para além de governar para o facilitismo e para a estatística), não se pode ter coerência, e passam a ser, apenas, as conveniências a ditar os comportamentos.

Nota: O Expresso decidiu fazer uma sessão fotográfica com a ministra da Educação. E no meio da sessão fotográfica fez umas perguntas para enfeitar as fotografias (o espaço da entrevista ocupa menos de metade do espaço das fotos!!!).
Uma das perguntas que o Expresso fez à ministra foi esta: «Como podemos ter confiança num sistema de ensino onde a quase totalidade dos professores não quer ser avaliada?». Esta pergunta revela o nível do jornalismo que é feito em Portugal, desta vez, por um jornal dito de referência. Jornalistas (neste caso, três, entre os quais o próprio director do jornal) que elaboram perguntas deste género, perguntas com pressupostos inverificáveis e insultuosos, mas que, com total irresponsabilidade, são assumidos como verdadeiros, constituem um bom exemplo da qualidade jornalística que temos. Lamentável.


sábado, 5 de julho de 2008

O ridículo elevado a política educativa

Já são conhecidos os resultados dos exames.
Em dois anos, a média das classificações nacionais do exame da disciplina de Matemática subiu 86,4%!!!! Em 2006, a média foi de 8,1 valores, este ano, subiu, espantosamente, para 14 valores!! Se compararmos com os dados do ano passado, a subida foi de 64,8%!! Num só ano, atingimos o céu: foi a disciplina, entre as que tiveram um número relevante de alunos inscritos, com a média mais alta!!!
De repente, aquele que era o problema crónico do ensino em Portugal desapareceu. Passámos de incompetentes a matemática a excelentes! Tudo isto num ápice, enquanto o diabo esfregava o olho. Este governo é único. Esta ministra da Educação é inultrapassável. Vamos ter o mundo inteiro com os olhos postos em nós. Finlândia, finalmente, foste superada!
Milagre (mais um)? Não, de todo! O Ministério apresentou três razões para esta surpreendente e fantástica subida dos resultados.
Primeira razão: «Provas bem elaboradas, sem erros e com mais meia hora de tolerância» (Público, 5/7/08).
Por outras palavras: nos anos anteriores, as provas eram mal elaboradas, tinham erros e o seu tempo de duração estava mal calculado. É curioso que a ministra, que é a mesma, anteriormente, nunca o tivesse dito; pelo contrário, sempre assegurou a qualidade das provas nacionais. O Gave (Gabinete de Avaliação Educacional), que é o mesmo, com o mesmo director, o tal gabinete repleto de especialistas, que, segundo a ministra, não pode ser criticado (mas, pelos vistos, agora, já pode, retroactivamente), antes era incompetente, agora, é competentíssimo.
Segunda razão: «alinhamento entre o exame, o programa e o trabalho dos professores» (Público, 5/7/08).
Por outras palavras: nos anos anteriores, existia um desalinhamento entre o exame, o programa e o trabalho dos professores. Segundo parece, antes, e alegremente, elaboravam-se exames sem ter em conta o programa e o trabalho nas escolas! O director do Gave ouve isto, lê isto e não se demite?
Terceira razão: «Mais tempo de trabalho e estudo por parte de alunos e professores, no quadro do Plano de Acção para a Matemática» (Público, 5/7/08).
Esta terceira razão, em rigor, nem deveria ser comentada, porque avilta a nossa inteligência.
Mas vamos aos factos: o Plano de Acção para a Matemática foi lançado em Junho de 2006, focalizado, fundamentalmente, nos 2.º e 3.º ciclos. Deste modo, entre Junho de 2006 e Junho de 2007, o Plano de Acção para a Matemática envolveu, exclusivamente, 293 847 alunos dos 2.º e 3.º ciclos e 10 666 professores. Relativamente ao ensino secundário, e é o que nos interessa, já que são os resultados do exame do 12.º ano que estão em consideração, este Plano previa e prevê, apenas, apoio aos programas de formação contínua de docentes de matemática (para além do fornecimento de material didáctico e da realização de provas intermédias). Segundo o sítio da Internet do Ministério da Educação, foram abrangidos por esta formação, no presente ano lectivo, 1500 professores do 3.º ciclo e do ensino secundário, e mais nada. Aliás, as 15 medidas que constituem este Plano mostram como ele se dirige, primordialmente, ao ensino básico.
Ora, atribuir ao Plano para a Acção para a Matemática uma das causas que explicam a subida da média dos resultados do exame nacional do 12.º ano em 86,4% é, no mínimo, falta de pudor. Mesmo que o Plano fosse mais abrangente do que é, seria impossível atribuir-lhe, com seriedade, uma subida tão drástica das classificações, em tão curto espaço de tempo.
Percebe-se, agora, a irritação da ministra perante as críticas de facilitismo que a Sociedade Portuguesa de Matemática dirigiu ao conteúdo do exame de 12.º ano da disciplina. Alguém estava, antecipadamente, a estragar a festa de números que o Ministério já contava anunciar.
E, para o ano, o mesmo acontecerá aos resultados do exame de Português.
Se tudo isto não tivesse consequências trágicas, se tudo isto não fosse de uma extrema gravidade, seria motivo para uma sonora e gigantesca gargalhada nacional.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Primeiro-ministro deu uma entrevista à RTP

Comentário sintético: Cansativo. Repetitivo. Cansativamente repetitivo. Repetitivamente cansativo.

Assim se vê o futuro de Portugal

Excertos de um post do blogue: paulocarvalhoeducacao.wordpress.com

«Terça-feira, 1 de Julho de 2008:
Estou eu a degustar a minha janta e a ver o concurso do Jorge Gabriel [...] e assisto a um belo exemplo daquilo em que Portugal se está a transformar. Tudo começa com um cavalheiro com o 12º ano completo, repito, 12º ano, director de um call center, que na primeira pergunta não sabia que 12 era o quádruplo de 3. Incrível não é? Mas nada que se compare com o que estava para vir.
Entra então em cena uma menina, com um ar pindérico QB, que, altivamente, disse que era estudante do curso de Matemática Aplicada. Atenção: ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR DE MATEMÁTICA APLICADA.
Primeira pergunta: Complete: Fazer o bem, sem olhar a…
Comentário dela: «eh pá, deve ser algo terminado em… ar!!!
Fiquem sabendo que esta ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR DE MATEMÁTICA APLICADA não sabe este curto e simples provérbio. Mas até aqui nada de anormal! Espreitou e seguiu.
Segunda pergunta: que nome se dá a cada grupo de 3 algarismos nos números? Fiquem sabendo que esta ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR DE MATEMÁTICA APLICADA, repito, ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR DE MATEMÁTICA APLICADA, não sabe o que são CLASSES de números. Copiou e continuou.
Entretanto perdi parte do programa (imagino o que perdi, mas não consigo encontrar a gravação do programa, nem no site da RTP sequer).
Quinta pergunta: como se chama o período político que vigorou em Portugal entre 1930 e 1974?
Comentário dela: hum… eh pá, deve ter algo a ver com Salazar, não? O Jorge Gabriel já lhe estava com um pó… ainda assim, com uma simpatia mal disfarçada lhe disse que Salazar desapareceu em 70 e até 74 foi Marcelo Caetano. Mas ela insistiu e respondeu: SALAZARISMO.
O Jorge Gabriel sentiu um alívio enorme e mandou-a embora. Fiquem sabendo que esta ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR DE MATEMÁTICA APLICADA nunca ouviu falar no Estado Novo.
[...] Eis um belo exemplo daquilo em que este país se está a transformar: um bando de gentalha mal criada e educada, que à sombra de um facilitismo sobranceiro, com o conluio do Ministério, progridem academicamente, sabendo assinar de cruz e pouco mais. Depois admiram-se com o desemprego entre licenciados…
Num país onde as licenciaturas saem no OMO e no KINDER SURPRESA e as escolas estão proibidas de obrigar quem não sabe a saber um pouco mais, caminhamos para um Estado absolutamente imbecil e ignorante.
Continue, Sra Ministra! Esteja descansada, porque tudo isto é culpa dos professores!»

Paulo Carvalho

quarta-feira, 2 de julho de 2008

E agora?

Perfilados de medo agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Alexandre O' Neill

Com o ano lectivo a terminar, dei comigo a interrogar-me: que mais te irá acontecer? Até onde conseguirás resistir? O que te resta do estado a que isto chegou?

E vejo que (me) resta pouco, muito pouco, até da esperança...

E constato que o outrora inimaginável (?) aconteceu, vai-se instituindo, tornou-se inevitável.

E decido-me, num exercício quase masoquista, por uma breve reflexão sobre este presente/futuro onde, desgraçadamente, se inscreve uma parte da existência dos que, como eu, decidiram um dia optar por este modo de vida.

E salta-me à vista que a política educativa(?) planeada e executada por tecnocratas incompetentes ao serviço dos mais sinistros desígnios, em pouco mais de três anos, deu nisto (e em muito mais...):

1. Ensina-se menos e pior, aprende-se menos e pior...

2. Uma monstruosa actividade burocrática, particularmente nos 2º e 3º ciclos do ensino básico, está a transformar os professores em verdadeiros autómatos...

3. As energias dispendidas com o (inútil) "monstro burocrático" provocam um desgaste de tal ordem que quase nada resta para se ser PROFESSOR...

4. As grelhas, as fichas, os infindáveis registos, os planos (de tudo... e de nada) e toda uma parafernália de instrumentos ditos pedagógicos é que contam. Importante é preencher as células, as colunas, fazer com que cada aluno (leia-se número) caiba num dos muitos chavões, que se resolva(?) a charada em que se tornou a avaliação. Deixou de ser possível avaliar substantivamente, procurar entender os avaliados, resolver com dignidade a, porventura, mais melindrosa das tarefas que cabem a um professor...

5. O aluno é cada vez mais um somatório de células de múltiplas folhas de excel...

6. O aluno deixou de ser sujeito para passar a ser algarismo, número, sigla, referencial estatístico...

7. O aluno bem comportado, mas com deficientes resultados nas aprendizagens requeridas, tem maior garantia de "sucesso" do que aquele miúdo irrequieto que até ultrapassou os mínimos exigidos, mas é "mal comportado". Prefere-se a cópia bonita a um escorreito, mas feio, ditado...

8. Proliferam, e vão-se assumindo, os «titulares» com estatuto de novos capatazes. Falam a linguagem do Poder, desse Poder que fez de muitos deles licenciados por decreto, desse Poder que decretou que gente intelectualmente menor pode avaliar(?) gente com formação académica efectiva, com currículo profissional inquestionável. Bacharéis nas mais variadas áreas transformaram-se em licenciados (ou mesmo mestres) em Animação sociocultural(!), Artes Decorativas(!)... (na Universidade do Algarve já foi criado o Mestrado em Gestão de Campos de Golfe!). Enfim, gente que vivia em permanente conflito com a gramática e que hoje disfarça tudo com o recurso (quase exclusivo) ao texto informático. Tudo depende do corrector ortográfico...

9. Quase magnânimos, os novos "avaliadores dos desempenhos" proclamam que gostariam de dar excelente a todos os avaliados... mas não podem. Entretanto, vão alinhando as grelhas com que farão indigestos cozinhados. Alguns estiveram na manif. dos 100 mil, não fosse o diabo tecê-las...

10. A maioria dos professores nos últimos escalões da carreira conhece hoje os efeitos mais perversos da mais perversa alteração até hoje feita numa carreira profissional pública. Não há memória, na história da educação deste país, de iniquidade maior do que a que resultou dos critérios legalmente impostos para o famigerado concurso a «professor titular». Ei-los aí, titulares e convictos de que o "título" é tudo (já são chamados de PT, julgam-se Optimus... mas são mais a Voz do Dono, perdão, Vodafone). Assumem, cada vez com maior arrogância, a presunção de que o "título" os colocou acima de muitos com mais e melhor formação académica, com currículo indiscutivelmente mais relevante, com outras provas dadas...

11. A maioria dos professores sabe o que valem, o que são, o que significam os capatazes que tão bem servem a política actual (e que, obedientemente, até recebem formação para isso)...

12. A maioria dos professores já sente na pele o mando, a negação do debate livre, a imposição da norma (mesmo que contrária ao espírito e à letra da norma maior - A Constituição), a inconveniência da discussão aberta, a importância de saber obedecer...

13. O "espírito ASAE", verdadeiro paradigma do actual Poder, está instalado nas escolas. É só uma questão de tempo até que o poema de Alexandre O' Neill faça todo o sentido...

P.S. (Post Scriptum, para que conste): Sei que este é o texto politicamente menos correcto que publiquei neste blogue. Faço-o com a responsabilidade com que sempre assumi os meus actos, sem ofender quem quer que seja, exercendo apenas um direito de cidadania, acima de tudo respeitando os imperativos éticos que nunca deixarão de mover-me. Imperativos esses que nem a lei da sobrevivência esmagará.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Já não se escrevem cartas de amor

«Pontualmente, às nove perfilei-me ao balcão da perfumaria. A primeira cliente chegou às dez e comprou um sabonete Ach. Brito. Seguiu-se uma loura antipática que me fez andar num virote à procura de perfumes Madeira do Oriente, muito em voga nesses idos de 50. Perto do meio-dia chegou uma senhora no seu final de juventude, sardenta, feições correctas, lábios chamativos pintados de batom vermelho-vivo.
Notei surpresa no rostro dela quando avancei para cumprir a minha função. Esperaria, talvez, a Elvira ou a Maria do Rosário e não resistiu a perguntar:
- É novo, aqui?
- Entrei às nove. - Um pouco de orgulho levou-me a acrescentar: - Sou filho do senhor Martins, o dono.
- Compreendo. Então também é Martins. E que mais?
- Duarte. E a senhora?
Esboçou um sorriso meio provocador:
- Débora. Gosta?
Hesitei mas atrevi-me:
- Do nome ou da dona?
Do sorriso passou ao riso aberto e achei que era o tipo de mulher com quem se gosta de ter uma conversa. Mas não respondeu, seguiu directa para a questão comercial:
- Uma caixa de pó-de-arroz Tokalon.
Fui correndo as prateleiras com olhos de quem não sabe:
- Ora deixe ver. Tokalon... Tokalon... Não deve andar longe.
- Ali - indicou ela a dedo. Seria cliente assídua, conhecia os cantos à casa.
Resolvido o problema Tokalon pareceu-me adequado sugerir:
- E não pretende um boa água-de-colónia para surpreender o seu marido?
Pela primeira vez, mostrou uma expressão sombria:
- Já surpreendi o meu marido. Agora não há marido lá em casa.»

Mário Zambujal, Já Não se Escrevem Cartas de Amor, pp. 76-78.