sábado, 5 de julho de 2008

O ridículo elevado a política educativa

Já são conhecidos os resultados dos exames.
Em dois anos, a média das classificações nacionais do exame da disciplina de Matemática subiu 86,4%!!!! Em 2006, a média foi de 8,1 valores, este ano, subiu, espantosamente, para 14 valores!! Se compararmos com os dados do ano passado, a subida foi de 64,8%!! Num só ano, atingimos o céu: foi a disciplina, entre as que tiveram um número relevante de alunos inscritos, com a média mais alta!!!
De repente, aquele que era o problema crónico do ensino em Portugal desapareceu. Passámos de incompetentes a matemática a excelentes! Tudo isto num ápice, enquanto o diabo esfregava o olho. Este governo é único. Esta ministra da Educação é inultrapassável. Vamos ter o mundo inteiro com os olhos postos em nós. Finlândia, finalmente, foste superada!
Milagre (mais um)? Não, de todo! O Ministério apresentou três razões para esta surpreendente e fantástica subida dos resultados.
Primeira razão: «Provas bem elaboradas, sem erros e com mais meia hora de tolerância» (Público, 5/7/08).
Por outras palavras: nos anos anteriores, as provas eram mal elaboradas, tinham erros e o seu tempo de duração estava mal calculado. É curioso que a ministra, que é a mesma, anteriormente, nunca o tivesse dito; pelo contrário, sempre assegurou a qualidade das provas nacionais. O Gave (Gabinete de Avaliação Educacional), que é o mesmo, com o mesmo director, o tal gabinete repleto de especialistas, que, segundo a ministra, não pode ser criticado (mas, pelos vistos, agora, já pode, retroactivamente), antes era incompetente, agora, é competentíssimo.
Segunda razão: «alinhamento entre o exame, o programa e o trabalho dos professores» (Público, 5/7/08).
Por outras palavras: nos anos anteriores, existia um desalinhamento entre o exame, o programa e o trabalho dos professores. Segundo parece, antes, e alegremente, elaboravam-se exames sem ter em conta o programa e o trabalho nas escolas! O director do Gave ouve isto, lê isto e não se demite?
Terceira razão: «Mais tempo de trabalho e estudo por parte de alunos e professores, no quadro do Plano de Acção para a Matemática» (Público, 5/7/08).
Esta terceira razão, em rigor, nem deveria ser comentada, porque avilta a nossa inteligência.
Mas vamos aos factos: o Plano de Acção para a Matemática foi lançado em Junho de 2006, focalizado, fundamentalmente, nos 2.º e 3.º ciclos. Deste modo, entre Junho de 2006 e Junho de 2007, o Plano de Acção para a Matemática envolveu, exclusivamente, 293 847 alunos dos 2.º e 3.º ciclos e 10 666 professores. Relativamente ao ensino secundário, e é o que nos interessa, já que são os resultados do exame do 12.º ano que estão em consideração, este Plano previa e prevê, apenas, apoio aos programas de formação contínua de docentes de matemática (para além do fornecimento de material didáctico e da realização de provas intermédias). Segundo o sítio da Internet do Ministério da Educação, foram abrangidos por esta formação, no presente ano lectivo, 1500 professores do 3.º ciclo e do ensino secundário, e mais nada. Aliás, as 15 medidas que constituem este Plano mostram como ele se dirige, primordialmente, ao ensino básico.
Ora, atribuir ao Plano para a Acção para a Matemática uma das causas que explicam a subida da média dos resultados do exame nacional do 12.º ano em 86,4% é, no mínimo, falta de pudor. Mesmo que o Plano fosse mais abrangente do que é, seria impossível atribuir-lhe, com seriedade, uma subida tão drástica das classificações, em tão curto espaço de tempo.
Percebe-se, agora, a irritação da ministra perante as críticas de facilitismo que a Sociedade Portuguesa de Matemática dirigiu ao conteúdo do exame de 12.º ano da disciplina. Alguém estava, antecipadamente, a estragar a festa de números que o Ministério já contava anunciar.
E, para o ano, o mesmo acontecerá aos resultados do exame de Português.
Se tudo isto não tivesse consequências trágicas, se tudo isto não fosse de uma extrema gravidade, seria motivo para uma sonora e gigantesca gargalhada nacional.