«Uma nova luz sobre a vida e pessoa do ilustre extinto, foi como o Sr. Américo Fonseca, já a caminho de Lombo de Tanque, definiu a abertura do testamento do Sr. Napumoceno. E o Sr. Armando Lima, com o seu rigor de contabilista aposentado, precisou que a luz parecia total. E andando ao lado do Sr. Fonseca ia filosofando que nenhum homem poderá alguma vez pretender conhecer outro em toda a extensão e profundidade do seu mistério. Porque quem na verdade alguma vez sonhou que Napumoceno da Silva Araújo poderia ser capaz de aproveitar das idas da sua mulher de limpeza ao escritório e entrar de amores com ela pelos cantos da divisão e por cima da secretária, ao ponto de chegar ao preciosismo de lhe fazer um filho, melhor dizendo uma filha, em cima do tampo de vidro! Dando uma pequena gargalhada, o Sr. Fonseca concordou com o amigo e voltou a rir-se do facto de mesmo eles, íntimos do falecido, jamais lhes ter passado pela cabeça ele ter tido uma amante quanto mais um fruto. Claro que agora vai aparecer muita gente a apontar semelhanças, a dizer que está na cara, são os mesmos olhos aguados, etc., mas a verdade é que durante 25 anos, se alguém desconfiou não se atreveu a dizer nem à boca pequena que ele tinha um filho, melhor, uma filha.
E no entanto, quando tudo ficou esclarecido e os factos repostos, em primeiro lugar por força do testamento e mais escritos avulsos e diversos metodicamente numerados e arquivados em diversas pastas com índices de datas e matérias, em segundo lugar pelas próprias revelações de D. Chica que acabou por achar de seu dever confidenciar com a filha os pormenores da sua concepção — viu-se o que há muito poderia ter sido visto, isto é, aquele cabelo preto fino era o mesmo cabelo do falecido, a testa alta era dele sem tirar nem pôr e a própria postura da moça não era da ascendência de mulher de limpeza e certamente que sangue comercial girava naquelas veias.»
Germano Almeida, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, Editorial Caminho.