Apontamentos, ainda, sobre a primeira dimensão: Vertente profissional, social e ética.
1. O terceiro descritor do nível «Bom» enuncia: [O professor] «Participa no trabalho colaborativo e nos projectos da escola com alguma regularidade.»
Presumo que «alguma» esteja, aqui, enquanto quantificador, isto é, enquanto quantificador existencial. Segundo o Dicionário Terminológico, este quantificador é «utilizado para asserir a existência da entidade designada pelo nome com que se combina sem remeter para a totalidade dos elementos do conjunto (i) ou para expressar uma quantidade não precisa (ii) ou relativa a um valor considerado como ponto de referência (iii)» (os sublinhados são meus). Como o nome «regularidade» não é susceptível de se enquadrar num conjunto formado por elementos (i), restam-nos a segunda (ii) e a terceira (iii) hipóteses. A segunda hipótese, certamente, também não será de considerar, porque admitir que «alguma» expressa uma quantidade «não precisa» seria admitir exactamente aquilo que um descritor não deve ser, ou seja: não deve ser impreciso, não nos pode remeter para algo de indeterminado. O descritor tem o objectivo oposto, caso contrário, só atrapalha. Resta-nos a terceira hipótese: «alguma» ser um quantificador que expressa uma quantidade relativa a um valor considerado como ponto de referência. Neste caso, o valor considerado como ponto de referência terá de ser aquilo que se entender por «regularidade».
E o que é que se pode entender por «regularidade», no contexto específico da «participação no trabalho colaborativo e nos projectos da escola»? Como é medida essa regularidade? Como se mede a regularidade no trabalho colaborativo? Aquele que participa no trabalho colaborativo com «regularidade» é aquele que colabora todos os meses, todas as semanas, todos os dias, ou todas as horas? Todas as horas não é seguramente (penso eu...). Será todos os dias? Não parece ser razoável. Nem razoável nem verificável, a não ser que cada professor avaliado tivesse atrás de si um avaliador, desde o momento em que entrasse até ao que saísse da escola. Não sendo, então, todos os dias, será quando? Algumas vezes por semana? Uma vez por semana? Uma vez por mês? Ou não será nada disto e será apenas quando o professor for solicitado que deve desenvolver trabalho colaborativo? Era uma hipótese, mas também não pode ser, porque o descritor do nível abaixo de «Bom», o nível «Regular» (nível que já tem penalizações), é aquele que enuncia essa possibilidade: «Quando solicitado, o docente desenvolve trabalho colaborativo». Por conseguinte, o professor, se não quiser ser penalizado, não pode desenvolver trabalho colaborativo apenas quando é solicitado, mesmo quando não solicitado tem de desenvolver esse trabalho.
Excluída a hipótese de «quando solicitado» como critério, voltamos ao início: o que significa participar no trabalho colaborativo com «regularidade»? Como se mensura, enquanto comportamento, ou, enquanto «evidência» (utilizando a palavra rainha dos «cientistas» da Educação), a participação, com regularidade, no trabalho colaborativo?
Como se vê, é enorme a dificuldade (para não dizer impossibilidade) de responder à pergunta: como se define operativamente e como se mede a «regularidade» do trabalho colaborativo?
Se existe esta objectiva dificuldade (impossibilidade), como será, então, se antepusermos à palavra «regularidade» o quantificador existencial «alguma»? Como é óbvio, tudo fica ainda mais complicado. Se à indeterminação do que se entende por «regularidade», se se junta a indeterminação do que se entende por «alguma», entramos num labirinto sem saída.
O mesmo se tem de dizer relativamente à segunda parte deste descritor, que nos remete para a participação com «alguma regularidade» nos projectos da escola. As mesmas perguntas, as mesmas dificuldades, o mesmo labirinto. Tudo a dobrar.
2. Este erro, utilizar o quantificador existencial «alguma» (que nos remete para uma indeterminação), repete-se nos dois primeiros descritores do nível «Regular». Mas agora já não aplicado à «regularidade» mas aplicado à «preocupação»: «O docente demonstra alguma preocupação com a qualidade das suas práticas [...]»; «Revela alguma preocupação com as aprendizagens dos alunos [...]». Salvo melhor opinião, parece existir nos autores destes textos a preocupação de tornar tudo isto indecifrável e irrealizável. Introduzir um estado de espírito, no caso, «preocupação», como algo susceptível de ser demonstrado e de ser avaliado significa conduzir avaliados e avaliadores para um pântano de que não é possível sair.
Mas, para além disto, o primeiro descritor do nível «Regular» suscita uma perplexidade incontornável. O enunciado completo é o seguinte: ««O docente demonstra alguma preocupação com a qualidade das suas práticas e procura manter o seu conhecimento profissional actualizado, embora não o faça de forma sistemática e consistente.» A perplexidade a que aludi (ainda há outras, mas vamos fazer de conta que não há) reside no «consistente». Este adjectivo (que já analisei em apontamento anterior) só é utilizado uma única vez no nível mais elevado, isto é, no «Excelente». Nos níveis «Muito Bom» e «Bom», a «consistência» não é sequer mencionada e, de repente, três níveis abaixo, volta a falar-se em «consistência». Neste caso, fala-se em ausência de «consistência» sistemática, o que deveria implicar que a «consistência sistemática» fosse exigida nos dois níveis imediatamente superiores. Mas a «consistência», sistemática ou não sistemática, eclipsou-se desses níveis. A não ser que se possa considerar normal que em um dos níveis inferiores se penalize pela falta de algo que não é exigido em níveis superiores.
Percebe-se isto? Não se percebe.