sábado, 18 de dezembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Quem me chama?

«[...] Na década de 1870, [o fenómeno do espiritismo pairava no ar]. Madame Blavatsky, uma espampanante americana de origem russa, através do Tibete, fundou a Sociedade Teosófica, em Nova Iorque, em 1875, uma organização que se dedicava ao estudo do espiritismo. As suas sessões eram a grande moda em Inglaterra e na América. [...] 
Filósofos como William James e Henry Sidgwick esgueiravam-se para salas escurecidas para para falarem com outros do Outro Lado.
Ao que parece, o que James tinha em mente era a abertura de espírito. A sua teoria do conhecimento, ao estilo americano, defendia que a verdade não é estática; pelo contrário, está em constante evolução. E os materialistas — filósofos  que vão desde Lucrécio até Thomas Hobbes e acreditam que apenas o mundo material é real — estavam a tentar travar a verdade. Para James, as teorias verdadeiras são teorias úteis; não só estão de acordo com todos os factos conhecidos como abrem caminho para a descoberta de verdades futuras. Se o futuro vier a contradizer as verdades de hoje, não há problema: admitiremos essas contradições e declararemos que as teorias são falsas. Mas, entretanto, se uma hipótese guiar satisfatoriamente as nossas acções, então é suficientemente verdadeira para James lhe chamar "Verdade".
De acordo com a epistemologia de James, negar à partida a possibilidade de um espírito sobreviver ao corpo era materialismo dogmático: fechava a porta à possibilidade de uma verdade recém-revelada.
Mais, James defendia a "vontade de acreditar", especificamente quando estava em causa a religião. Com isso ele queria referir-se ao nosso "direito de acreditar em qualquer coisa que esteja suficientemente viva para tentar a nossa vontade." Apesar de não termos o direito de acreditar numa coisa que seja incompatível com os factos tal como os conhecemos, quando estão em causa questões de crença religiosa ou de crença no livre-arbítrio — em que os factos conhecidos são insuficientes para decidir a questão —, somos livres de escolher o caminho que nos parecer melhor. James mostrou de forma inteligente como isto funcionava quando escreveu no seu diário: "O meu primeiro acto de livre-arbítrio será acreditar no livre-arbítrio."» [...]
Nos debates sobre sessões de espiritismo não há qualquer consideração pelos mortos que respondem à chamada. Porque é que têm de aparecer quando são invocados? Não terão pelo menos o direito de ver a identidade de quem os chama antes de aparecerem?
O empregado de há muitos anos foi chorado pelos clientes quando morreu. Era tão amado que vários clientes habituais organizaram uma sessão de espiritismo no restaurante para tentarem entrar em contacto com ele.
Todos deram as mãos na penumbra à volta da mesa e o médium exclamou:
— Snark Withers! Invoco o espírito de Snark Withers!
Silêncio.
— Snark Withers! — chamou de novo o médium. — Invoco o espírito de Snark Withers!
Silêncio uma vez mais. As pessoas que estavam à volta da mesa começaram a ficar inquietas. Pressentindo um problema o médium gritou:
— Ordeno ao espírito de Snark Withers que apareça!
De repente viu-se uma aparição a flutuar sobre a mesa e todos reconheceram a imagem do amigo perdido.
— É tão bom ver-te! — exclamou um dos clientes habituais. — Mas porque é que demoraste tanto tempo a aparecer?
— O fantasma empinou o nariz, irritado, e respondeu:
— Esta mesa não é minha!»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.174-176 (adaptado).