sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Finalmente, uma boa notícia

A organização do campeonato do mundo de futebol de 2018 foi atribuída à Rússia. Não foi atribuída à candidatura conjunta de Espanha e Portugal.
Finalmente, uma boa notícia!
Declaração de interesses: não sou anti-espanhol e gosto de futebol. Por conseguinte, não tenho nada contra parcerias com Espanha nem contra o desporto chamado futebol. É verdade que não entendo como é possível falar sobre futebol mais que dez minutos seguidos, como é que se pagam milhões de euros por um jogador, como é que todos os dias há notícias sobre futebol, como é que há fóruns na rádio sobre futebol, como é que há programas televisivos, que duram horas, a debater futebol; mas tudo isto, como diz um amigo meu, são outros quinhentos.
Adiante.
A não atribuição da organização do evento à candidatura de Espanha e de Portugal foi uma boa notícia, uma excelente notícia. No mínimo, por duas razões.
1. Uma delas liga-se ao «Euromilhões». A publicidade deste jogo anuncia: «Euromilhões: todas as semanas a fazer excêntricos». Compreendo agora a quem, durante estes anos, tem saído a massa. Nós somos governados, na política, no futebol e em tantas outras coisas, por excêntricos. Geograficamente, sempre fomos, mas, neste momento, somos excêntricos em quase tudo. O tal anúncio do «Euromilhões» fala de um tipo de Montalegre, a quem saiu o primeiro prémio, que decidiu comprar uma estação de televisão e ordenou que esta passasse a transmitir apenas folclore transmontano. Acontece o mesmo, em Portugal: fomos tomados por uns excêntricos que querem fazer deste país um palco de folclore de europeus e de mundiais de futebol, a que se junta o folclore das autoestradas, dos aeroportos, dos TGVs, das pontes, dos campos de golfe, etc.
Somos um país a ser invadido pela pobreza e a ser governado por aventureiros, por autênticos excêntricos, que, todavia, e ao contrário do indivíduo de Montalegre, não pagam as excentricidades que cometem, porque quem as paga somos nós.
Mas os deuses estavam connosco, entregaram o campeonato à Rússia. 
Foi uma boa notícia.

2. Contudo, mesmo que não estivéssemos a atravessar uma gravíssima crise, a notícia da não entrega do «Mundial» à candidatura conjunta de Espanha e Portugal teria sido sempre uma boa notícia, uma excelente notícia.
Afirmar que uma candidatura é «conjunta» deveria significar que ambas as partes repartiriam irmãmente os deveres e os direitos, as responsabilidades e os benefícios dessa organização. Mas, em Portugal, não se entende assim, ou, melhor, o nosso primeiro-ministro e o presidente da Federação Portuguesa de Futebol e muita gente do pontapé na bola não entenderam assim. Entenderam que candidatura «conjunta» significava que a Espanha poderia organizar dois terços do campeonato e Portugal um terço. Entenderam que uma candidatura «conjunta» de dois países significava que um desses países (por acaso, Espanha) poderia ficar com os dois momentos mais importantes de todo o campeonato: a cerimónia e o jogo de abertura e a cerimónia e o jogo de encerramento, e que o outro parceiro da candidatura conjunta (por acaso, Portugal) poderia ficar com algumas das sobras. Isto é, um país (Espanha) organizava e o outro (Portugal) dava uma ajuda. 
Aceitar uma parceria nestas condições deveria envergonhar qualquer um, quanto mais um primeiro-ministro de um país com novecentos anos de história. Deveria envergonhar quem teve a ideia, quem aceitou a ideia, quem apoiou a ideia e quem a quis concretizar. Mas a mentalidade que nos governa é esta: interessa aparecer na fotografia, não interessa em que condições e a que custo; interessa a luz dos holofotes e a presença dos microfones, não interessa a respeitabilidade da nação que se representa. 
Somos medíocres, porque pensamos medíocre, porque aceitamos ser medíocres.
Mas a organização do campeonato foi entregue à Rússia.
Foi uma boa notícia.