quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

No acolhedor recato da cabina de voto

A campanha eleitoral para Presidente da República tem sido um fenómeno pouco estimável — seguramente, um retrato do país em que estamos transformados.
Algumas observações sobre as alternativas que temos.

Aníbal Cavaco Silva — Se for reeleito, será, no final do segundo mandato, o político português que mais anos esteve no poder, depois do 25 de Abril. Somará, em 2016, vinte e dois anos de exercício dos mais altos cargos políticos (dois anos como ministro das Finanças, dez anos como primeiro-ministro e dez anos  como presidente da República), — isto é, mais de metade do tempo decorrido desde 1974. Neste momento, Cavaco Silva já leva dezassete anos de permanência no poder. Se olharmos para estes números e, simultaneamente, olharmos para o estado a que o país chegou, não podemos deixar de ver que Cavaco Silva é, inevitavelmente, um dos principais responsáveis pelo caminho percorrido até hoje.
Não deixa de ser curioso observar que este candidato apresente como principal elemento do seu repertório argumentativo a permanente alusão à sua experiência política e à sua formação de economista, como atributos essenciais para um bom exercício do cargo de presidente da República. A curiosidade está no facto, verificado por todos nós, de que, nos últimos cinco anos, esses pretensos atributos foram absolutamente inúteis, pois não evitaram em nada que se tivesse chegado ao estado calamitoso em que nos encontramos.
A verdade é que Cavaco Silva foi um mau presidente da República. Desde o apoio objectivo que, recorrentemente, prestou às desastradas políticas de Sócrates (recorde-se, por exemplo, os rasgados elogios que dirigiu a Lurdes Rodrigues) até ao vergonhoso episódio das «escutas em Belém», passando pela inaceitável omissão de resposta ao enxovalho público que o presidente checo, na sua frente, dirigiu a Portugal; Cavaco esteve invariavelmente mal. Quem teve o comportamento que Cavaco Silva teve, quando as gravíssimas notícias sobre as «escutas» saíram  a público (primeiro, silêncio absoluto e, depois, sinuosas e enigmáticas afirmações sobre matéria tão crítica) e quem foi capaz de ler o grotesco comunicado que, sobre o assunto, ele leu ao país, não poderia, se fosse responsável, pensar em nova candidatura.
Cavaco Silva é um homem culturalmente muitíssimo limitado e politicamente não traz nada de novo.

Defensor de Moura — Não consigo perceber o que anda este candidato a fazer.

Fernando Nobre — Tem revelado falta de consistência no seu discurso político. Não estava preparado para esta campanha. Tem a apoiá-lo a família Soares, o que não joga propriamente a seu favor. O que propriamente joga a seu favor é o facto de ser uma candidatura que não está submetida a interesses de aparelhos partidários e de ser o único que pode representar, pela natureza da sua candidatura (e não propriamente pela substância do candidato), aqueles que não se revêem no statu quo partidário nem no modo dominante de fazer política, neste país.

Francisco Lopes — Foi o candidato que melhor prestação teve nos debates televisivos contra Cavaco Silva. Mas é a voz do PCP, nada mais. O que é pouco e não é bom.

José Manuel Coelho — Tem de positivo: ser um madeirense anti-Jardim. Tem de negativo: tudo o resto.

Manuel Alegre — O homem das «grandes batalhas», como ele próprio se vê, exemplifica bem o que acontece a quem troca as «grandes batalhas» pelos pequenos jogos de interesses dos gabinetes partidários. Escolheu o caminho errado. Desbaratou o que conseguiu há cinco anos. Acaba a sua carreira política a tecer rasgados elogios a Sócrates, rodeado das Margarida Moreira e dos Santos Silva deste país.

Perante isto...
Entre o chamado voto de protesto, numa candidatura que corporize esse protesto com um mínimo de seriedade, e o chamado voto de protesto, em candidatura nenhuma, reside a minha dúvida existencial do momento. 
Por outras palavras, no domingo, no acolhedor recato de uma cabina de voto, decidirei se voto em branco ou se voto em Nobre.