sábado, 29 de janeiro de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

O prolongamento da vida

«Uma estratégia biotecnológica para prolongar indefinidamente a vida dá pelo nome espacial de nanorrobótica. São dispositivos que variam em tamanho entre 0,1 e 10 micrometros, a mesma escala dos componentes dos componentes moleculares do corpo. Funcionando de uma forma semelhante à substituição de células estaminais, os nanorrobôs poderia ser introduzidos no corpo para perpétuas missões de "busca e reparação" a nível molecular. O médico da imortalidade não só está na moda como está dentro de nós.
[Outra possibilidade é a criogenia.]
A criogenia é tão velha como Clarence Birdseye, o pai dos alimentos congelados, que engendrou esta ideia multimilionária quando, na época em que vendia peles em Labrador, descobriu que os esquimós congelavam rotineiramente peixe e caribu para consumirem mais tarde. Que delícia, disse Clarence depois de emborcar um golfinho descongelado.
Tudo bem, Birdseye não inventou a criogenia, mas o princípio que ele descobriu vive nos congeladores dos laboratórios do mundo inteiro. A conservação criogénica é o processo de conservar células ou tecidos inteiros arrefecendo-os até temperaturas abaixo de zero, temperaturas às quais todas as actividades biológicas, incluindo qualquer reacção que possa levar à morte celular, são travadas.
Hoje em dia, é rotineiro congelar esperma, óvulos humanos e embriões para posterior descongelação e utilização. Assim sendo, por que não congelar seres humanos inteiros para utilização posterior, digamos para um tempo futuro em que as doenças que outrora ameaçaram o corpo passam a ter cura?
Bem, para começo de conversa, alguns problemas de ordem estritamente prática prendem-se com o facto de o melhor momento de congelar um corpo para reanimação futura ser quando esse corpo ainda está vivo. Isto pode criar um dilema importante se estivermos no meio de uma grande transacção financeira ou vivermos um tórrido caso amoroso na altura do ponto ideal para congelação. Até agora, os tipos que optaram por congelação plena ou parcial (por exemplo, cérebro) escolheram o caminho mais incerto de serem congelados logo que possível após o instante da morte. Cá para nós, é uma escolha que mostra falta de fé.
Outro problema do caminho criogénico também está relacionado com a fé, a fé de que alguma pessoa no futuro — possivelmente uma pessoa que nunca nos conheceu — decida que vale a pena perder tempo e gastar dinheiro para nos descongelar e curar as doenças que possamos ter. Que ganhará ela com isso? Talvez os advogados pudessem elaborar um contrato que obrigasse esse futuro descongelador a abrir a porta do nosso congelador, mas algo nos diz que não é uma coisa muito certa. 
As pessoas descongeladas mudam, sabem?
Um tipo compra um papagaio caríssimo cujo vocabulário é extenso. O pássaro passa o caminho todo até casa do dono a citar Shakespeare e Dylan Thomas, mas quando entra passa-se com uma tirada de palavrões.
— Seu #@&*! Chamas a esta @%# casa?!
Continua nestes termos, a praguejar como um marinheiro e, sempre que o tipo o mandar calar, ele fica ainda mais ordinário. Por fim, o tipo diz:
— Estou farto disto. Vou pôr-te no frigorífico até falares decentemente. — Pega no pássaro e enfia-o no congelador. Passados alguns minutos de palavreado, o pássaro cala-se de repente e o tipo abre a porta do congelador.
O papagaio salta para o ombro do homem.
— Lamento imenso, Mestre, por favor perdoe-me — arrulha ele. — A propósito, que é que a galinha fez?»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.213-217 (adaptado.