segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O «sui generis» consenso

O sui generis consenso de oposição à política governativa, que actualmente se vive na sociedade portuguesa, pode ter pelo menos dois efeitos perniciosos. 
Um desses efeitos é o de fazer parecer que não só estamos todos de acordo naquilo que rejeitamos mas também que estamos todos de acordo naquilo que queremos para o futuro. E na realidade não estamos sequer minimamente de acordo em relação ao caminho que queremos seguir. A ideia de que estamos unidos em torno de algo que se quer construir é falsa.
É falsa, por exemplo, a consonância entre a elite empresarial e os trabalhadores na rejeição da baixa da TSU, por via do corte nos salários. Há patrões que em público criticam a medida e que em privado se mostram satisfeitíssimos com ela.  Por outro lado, as críticas que agora ouvimos de ex-dirigentes do PSD e do CDS não têm por base nenhuma especial sensibilidade social nem revelam nenhuma recente conversão à defesa dos interesses do trabalho em detrimento dos interesses de quem possui o capital. Os que agora fazem ouvir a sua voz crítica são precisamente os mesmos que, quando exerceram funções governativas, agiram de forma idêntica, só que adaptada à conjuntura que na altura se vivia. O seu princípio de acção é genericamente o mesmo, o contexto é que é outro.
Um segundo efeito pernicioso deste sui generis consenso é o de ajudar a esquecer o passado recente. Quem agora ouve falar alguns dirigentes e deputados do PS — que há pouco mais de um ano bramiam, em Matosinhos, slogans e juras de apoio a Sócrates e que durante seis anos foram coniventes, cúmplices e executores das suas desgraçadas políticas — interroga-se como é possível vê-los, neste momento, no papel de impolutos juízes e de consciências do regime. Quem diz dirigentes do PS diz comentadores, jornalistas, economistas que durante anos fizeram militantemente rasgados elogios a Sócrates e aos seus governos. A não assunção da mea culpa retira-lhes autoridade crítica e credibilidade política.

A rotatividade das elites que têm governado Portugal tem de ser quebrada. Enquanto isso não acontecer, enquanto forem sempre as mesmas elites a deter o poder, nada de verdadeiramente significativo acontecerá na vida concreta de cada um. E o falso e sui generis consenso que estamos a viver tende a esconder ou a fazer esquecer que assim é.