terça-feira, 18 de setembro de 2012

Nacos

Canto VII

35
O rio Ganges é a mais importante biblioteca
da cidade e o mais importante arquivo.
Não há verdade fora do rio, nem há mentira de qualidade,
ficção ou mitologia, exterior às suas águas sujas. Mas as
águas não são sujas, realmente tal expressão
é um erro — corrige Anish. São águas complexas,
o que é diferente.
Aqui a água não é um elemento de visita ao mundo dos homens,
são os homens que estão de visita
à água — e na Índia toda a gente o sabe.

36
A água insinua-se nas casas, nos dias e nas
mulheres. O que não é atraído pela água não é
importante. A água é sagrada. Depois
de mergulharem no rio as pessoas cantam
mais, há quem saia da água com uma voz
milagrosa e não há dançarina que na véspera
de actuar não vá copiar do rio certos movimentos.
É o único país onde a água embebeda mais que o vinho
e seduz tanto como as mulheres jovens.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.