O ministro da Educação apresentou a sua proposta-base de Revisão da Estrutura Curricular do Ensino Básico e Secundário. Nessa proposta, é explicado que se trata apenas da primeira etapa de uma reforma mais profunda. Depois desta, outras duas se seguirão: definição das metas de aprendizagem disciplinares e, posteriormente, reformulação dos programas.
Algumas notas:
1. Não compreendo a racionalidade desta sequência. Não compreendo como se inicia uma reformulação curricular às avessas. Não compreendo como é possível proceder-se, de forma séria e fundamentada, a alterações da estrutura curricular e da carga horária sem primeiramente terem sido definidas as metas de aprendizagem disciplinares e sem terem sido delineados os novos programas. Que critérios científicos e pedagógicos estiveram na base destas alterações, se ainda não se sabe quais irão ser as novas metas de aprendizagem disciplinares e os novos programas? Não vislumbro como é possível apurar o número de horas semanais que uma dada disciplina necessita, para que o seu programa possa ser cumprido e as metas de aprendizagem alcançadas, se nem uma coisa nem outra estão definidas. A não ser que se pense, depois de se efectuar a definição das novas metas e dos novos programas, voltar a alterar tudo o que agora é proposto.
Se assim não for, não nos resta senão concluir que o critério mor desta revisão é o de fazer depender a definição das metas e o conteúdo dos programas do número de horas estipulado. Contudo, se assim é, conviria que existisse um mínimo de seriedade na apresentação da proposta: dever-se-ia assumir, com clareza, que o critério é, afinal, contabilístico e não pedagógico; dever-se-ia assumir que aquilo que está a ser pensado não é a qualidade da educação das gerações futuras, mas somente a quantidade de horas a leccionar; dever-se-ia assumir que é de contabibidade que se está a falar e não de educação.
2. Não é, pois, possível realizar, de forma séria, uma discussão pública de uma proposta, se aquilo que deveria sustentar essa proposta ainda não é conhecido. Uma discussão pública não se faz a partir de meia dúzia de ideias avulsas genericamente alinhavadas, como acontece no documento agora proposto para debate.
Afirma-se, a dado passo do documento, que se trata de concretizar «medidas que ajustam os currículos às necessidades de um ensino moderno e exigente», todavia, não se esclarece minimamente o que se entende por «ensino moderno e exigente». Os termos «moderno» e «exigente» servem genericamente para tudo, e são utilizados, consoante as correntes pedagógicas e/ou os interesses políticos, com sentidos divergentes. Na realidade, estamos a falar de quê? E de que modo a alegada «modernidade e exigência» se reflecte na proposta de distribuição das horas curriculares? Qual é a relação de causa-efeito?
Afirma-se, a dado passo do documento, que se trata de concretizar «medidas que ajustam os currículos às necessidades de um ensino moderno e exigente», todavia, não se esclarece minimamente o que se entende por «ensino moderno e exigente». Os termos «moderno» e «exigente» servem genericamente para tudo, e são utilizados, consoante as correntes pedagógicas e/ou os interesses políticos, com sentidos divergentes. Na realidade, estamos a falar de quê? E de que modo a alegada «modernidade e exigência» se reflecte na proposta de distribuição das horas curriculares? Qual é a relação de causa-efeito?
Diz-se que «os pressupostos que orientam as medidas propostas assentam na definição de objectivos claros, rigorosos, mensuráveis e avaliáveis, reorientando o ensino para os conteúdos disciplinares centrais». Quais são os pressupostos? Onde estão definidos os «objectivos claros, rigorosos, mensuráveis e avaliáveis» em que assentam as medidas propostas? Não se pode discutir, concordar ou discordar de algo que se ignora.
Anuncia-se a «substituição da disciplina de Educação Visual e Tecnológica pelas disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica, no 2.º ciclo, cada uma com programa próprio e cada uma com um só professor». É explicado o fundamento pedagógico desta substituição? Não. Ficamos sem saber das boas ou más razões porque se procede a esta substituição. Como se discute algo de que se ignora o fundamento? Como se concorda ou discorda?
Procede-se à «antecipação da aprendizagem das tecnologias de informação e comunicação». Porquê? Esta antecipação é aconselhável porquê? São apresentados os fundamentos desta opção? Não são. Como se discute então algo de que se ignora o fundamento? Como se concorda ou discorda?
Anuncia-se... procede-se... altera-se... mas sempre sem fundamentação minimamente rigorosa. Acrescentam-se e retiram-se horas sem se conhecer as novas metas e os novos programas. O critério é o palpite?
Nestas condições, como é que se faz um debate sério e profícuo?
Nestas condições, como é que se faz um debate sério e profícuo?
Continua na próxima semana.