Do mesmo modo que existe a época da caça, e a época de outras actividades, também existe a época das listas. Refiro-me a umas listas de escolas que alguns jornais e estações de televisão publicam por esta altura do ano. Costumam chamar-lhes rankings. Prefiro chamar-lhes listas, porque um ranking é uma classificação, uma graduação, ora as listas das escolas que anualmente aparecem nos órgãos de comunicação social são uma falsa classificação, são uma falsa graduação, nada dizem acerca do que alegadamente deveriam graduar ou classificar: as supostas melhores escolas. Do ponto de vista desta finalidade, são uma mentira. A falta de seriedade destas listas tem sido exaustivamente denunciada, mas o carnaval das listas, a farsa das listas, ou o que se lhe quiser chamar, continua. Anualmente, despudoradamente, pornograficamente.
É verdade que o movimento talibã que deu origem a esta coisa das listas tem perdido fulgor e agora sempre que as listas vêm a público vêm acompanhadas de muitos mas, de muitos poréns, de muitos contudos. Começa a existir alguma vergonha naqueles que as publicitam — todavia, é uma vergonha inconsequente, porque ainda não os inibe de prosseguirem.
É neste contexto que quase todos os órgãos de comunicação social passaram a acompanhar a publicitação das listas com entrevistas sobre o tema. Curiosamente, muitos dos entrevistados enredam-se em contradições terríveis, porque, sem se perceber muito bem porquê, pretendem agradar a todos.
Um exemplo disso é entrevista que o Expresso faz a Ana Balcão Reis, na edição desta semana.
A entrevistada afirma, e bem, que «os rankings não têm em conta informações relevantes para avaliar a qualidade da escola». Diz, e bem, que os rankings não têm em conta «a percentagem de estudantes que vão a exame, [a percentagem] dos que passam, as características da população de cada estabelecimento e que condicionam os resultados que é possível obter, [nem têm em conta] outras componentes do ensino que são importantes e que não são avaliadas em exame.» Chama a atenção, e bem, para um facto essencial: «as escolas públicas tendem a receber os alunos de meios socioeconómicos mais desfavorecidos e cujos pais têm níveis de escolaridade mais baixos. [E] os estudos em Economia da Educação mostram que o nível de escolaridade dos pais é uma determinante fundamental dos resultados escolares dos filhos.» Acrescenta ainda, e bem, que «não chega estar bem classificada no ranking para se poder dizer que é uma boa escola» e que «focar demasiado nos exames pode ser um resultado negativo.»
Ana Balcão Reis, depois de enunciar estas premissas, conclui, sem se conseguir saber muito bem como, que os rankings são «uma abertura ao escrutínio exterior, é algo de muito positivo e estou convencida que contribui para a melhoria da qualidade. [...] Os rankings ajudaram a que houvesse mais informação sobre os estabelecimentos de ensino.»
Depois de ter apresentado um vasto conjunto de premissas que afirmam, de modo claro, que os rankings não têm em conta informação relevante e a informação determinante, para se saber se uma escola é boa ou não, Ana Balcão Reis conclui precisamente o contrário do que as premissas permitem concluir. É surpreendente, mas é assim. A dislexia lógica também existe. Um aluno de Lógica que, numa prova, apresentasse um raciocínio assim estruturado teria zero na resposta.
É inacreditável que, depois de se constatar a inexistência de informação fundamental, se possa dizer que há escrutínio. É inacreditável que, depois de se afirmar que estar bem classificado no ranking não significa ser uma boa escola, se diga que os rankings ajudam na melhoria da informação. É inacreditável que, depois de se ter dado a entender que com toda a informação os resultados dos rankings poderiam ser muito diferentes (isto é, uma escola que agora está na parte superior de um ranking poderia ir parar à parte inferior do mesmo, ou o inverso), se diga que estamos perante algo muito positivo para o conhecimento das escolas.
Na verdade, o que aquelas premissas permitem concluir é o contrário: as listas de escolas são uma mentira informativa e, do ponto de vista educativo, são uma iniquidade.