terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Nacos

«Mas como o meu pai quase lhe chamou louca ao saber dos livros que ela pretendia dar-me, voltara pessoalmente a Jouy-le-Vicomte, à livraria, para que eu não corresse o risco de não ter o meu presente (era um dia quentíssimo, e regressara tão indisposta que o médico avisara a minha mãe para não a deixar fatigar-se daquele modo) e mudara para os quatro romances campestres de George Sand. "Minha filha", dizia ela à minha mãe, "eu não era capaz de me decidir a dar a esta criança qualquer coisa mal escrita."
A verdade é que ela nunca se resignava a comprar fosse o que fosse de que não se pudesse retirar algum proveito intelectual, e sobretudo aquele que nos é proporcionado pelas coisas belas ao ensinar-nos a procurar o nosso prazer fora das satisfações do bem-estar e da vaidade. Mesmo quando tinha que dar um presente chamado útil, quando tinha que dar um cadeirão, talheres, uma bengala, procurava que fossem "antigos", como se, apagado pelo seu longo desuso o carácter de utilidade, parecessem mais preparados para nos contarem a vida dos homens de antigamente que para servirem as necessidades da nossa.»
                                   Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - Do Lado de Swann, Relógio D'Água.