Um dos múltiplos aspectos graves e inaceitáveis que o modelo de avaliação do desempenho docente da ex-ministra Rodrigues continha era a indecorosa ausência de preparação e de credibilidade dos avaliadores. Rodrigues, com a ignorância e a incompetência que a caracterizavam, não teve nenhuma hesitação em atribuir a função de avaliador a milhares de professores sem a mínima qualificação para o serem. Rodrigues, com a falta de idoneidade política que marcou o seu mandato, não teve nenhuma preocupação de garantir seriedade ao processo de avaliação do desempenho dos professores: deliberadamente, quis apenas um modelo de aparências que assegurasse, junto da opinião pública, a ideia de que os professores eram avaliados, e nada mais. Tudo o resto não lhe interessava: nem a qualidade da avaliação, nem a sua credibilidade, nem a sua fidelidade/fiabilidade. Não investiu um euro na formação científica, de nível superior, dos professores avaliadores e, sem o mínimo de sentido de responsabilidade, quis, de modo totalmente desvairado, lançar o seu processo pseudo-avaliativo.
Rodrigues esteve quatro anos no ministério da Educação. Saiu Rodrigues, entrou Alçada. Alçada esteve dois anos no mesmo ministério. Saiu Alçada, entrou Crato. Crato está lá há um ano e meio. Total: sete anos e meio. Durante estes sete anos e meio, o ministério da Educação nada fez para a formação de professores avaliadores, não proporcionou, em cooperação com instituições do ensino universitário ou politécnico, nenhuma formação de nível superior neste domínio. Nada!
Agora, volvido este tempo sem nada ter sido feito, surge o Despacho normativo n.º 24/2012 que, sem pudor, afirma o seguinte: «A legitimidade e competências dos avaliadores externos que constituem a bolsa, assim como a sua seleção, são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional [...]» (o negrito é meu).
A perplexidade que a leitura deste trecho provoca é enorme. É enorme porque:
a) há quatro anos, mais de 90% dos professores que exerceram a função de avaliadores não tinham quaisquer requisitos de formação que os capacitassem para esse efeito;
b) há quatro anos, o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores expressou publica e formalmente a exigência de formação superior em avaliação docente, de média e longa duração, como pré-requisito para o exercício da função de avaliador, já que a experiência profissional, só por si, não era suficiente;
c) há muitos quatro anos que o ministério da Educação não promove qualquer formação desta natureza.
Sendo estes os factos, eles significam que a situação de hoje é precisamente a mesma de há quatro anos. Como pode então alguém afirmar que «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação»? De onde vem este cinismo? Rodrigues e Alçada tinham, pelo menos, o recato de não falar em «rigorosos requisitos de formação», mas Crato e o seu secretário de Estado nem essa decência possuem.
Sejamos claros: ou a avaliação dos professores é uma coisa séria ou é uma brincadeira. Se é uma brincadeira, qualquer um serve para avaliador, e o problema fica resolvido à nascença. Se é uma coisa séria, há duas hipóteses:
1. A hipótese assente na lógica do actual modelo que, para ter alguma possibilidade de seriedade, exige:
a) Avaliadores com formação especializada de nível superior e grande experiência profissional.
Assentar o processo avaliativo inerente à observação de aulas num só avaliador é, no meu entendimento, incorrecto, todavia, se esse é o caminho que se pretende seguir, então é condição imperativa que esses avaliadores tenham cumulativamente: formação especializada de nível superior em avaliação de professores e grande experiência profissional. (E a experiência profissional não é, por exemplo, ter assistido a duas aulas no modelo de Rodrigues, como o recente despacho normativo n.º 24/2012 prevê. A falta de decoro chega a este ponto: considera-se um «rigoroso requisito de experiência profissional» a circunstância de, sem qualquer formação ou preparação, um professor ter sido empurrado a observar duas aulas de um colega, no contexto da bagunçada do modelo de pseudo-avaliação de Rodrigues e Alçada. Por outras palavras: ter participado naquilo que foi justamente apelidado de monstro kafkiano (e de comprovadamente ser um modelo incompetente e sem seriedade) é agora visto como um atestado de «rigoroso requisito de experiência profissional»);
b) Avaliadores que exerçam um acompanhamento regular do desempenho dos professores avaliados ao longo do período em avaliação.
Este acompanhamento regular é condição necessária para que o exercício da avaliação seja, em primeiro lugar, formativo e só depois, decorrente daí, sumativo. É condição necessária para que possa realizar-se um trabalho minimamente sério e credível. (E jamais, como tem sido feito e continuará a ser, um exercício avaliativo que se realiza através de duas visitas de 90 minutos num espaço de tempo de quatro anos).
2. A segunda hipótese exige outro modelo de avaliação do desempenho docente, sobre o qual tive oportunidade de escrever aqui, aqui, aqui e aqui.
O que não pode acontecer, seja qual for a circunstância, é o que está a acontecer: assentar a avaliação dos professores em falsidades ou em revestimentos formais, relativamente aos quais não corresponde nenhuma substância, como é o caso da grotesca afirmação exarada no despacho que referi: «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional».
(Continua)
Rodrigues esteve quatro anos no ministério da Educação. Saiu Rodrigues, entrou Alçada. Alçada esteve dois anos no mesmo ministério. Saiu Alçada, entrou Crato. Crato está lá há um ano e meio. Total: sete anos e meio. Durante estes sete anos e meio, o ministério da Educação nada fez para a formação de professores avaliadores, não proporcionou, em cooperação com instituições do ensino universitário ou politécnico, nenhuma formação de nível superior neste domínio. Nada!
Agora, volvido este tempo sem nada ter sido feito, surge o Despacho normativo n.º 24/2012 que, sem pudor, afirma o seguinte: «A legitimidade e competências dos avaliadores externos que constituem a bolsa, assim como a sua seleção, são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional [...]» (o negrito é meu).
A perplexidade que a leitura deste trecho provoca é enorme. É enorme porque:
a) há quatro anos, mais de 90% dos professores que exerceram a função de avaliadores não tinham quaisquer requisitos de formação que os capacitassem para esse efeito;
b) há quatro anos, o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores expressou publica e formalmente a exigência de formação superior em avaliação docente, de média e longa duração, como pré-requisito para o exercício da função de avaliador, já que a experiência profissional, só por si, não era suficiente;
c) há muitos quatro anos que o ministério da Educação não promove qualquer formação desta natureza.
Sendo estes os factos, eles significam que a situação de hoje é precisamente a mesma de há quatro anos. Como pode então alguém afirmar que «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação»? De onde vem este cinismo? Rodrigues e Alçada tinham, pelo menos, o recato de não falar em «rigorosos requisitos de formação», mas Crato e o seu secretário de Estado nem essa decência possuem.
Sejamos claros: ou a avaliação dos professores é uma coisa séria ou é uma brincadeira. Se é uma brincadeira, qualquer um serve para avaliador, e o problema fica resolvido à nascença. Se é uma coisa séria, há duas hipóteses:
1. A hipótese assente na lógica do actual modelo que, para ter alguma possibilidade de seriedade, exige:
a) Avaliadores com formação especializada de nível superior e grande experiência profissional.
Assentar o processo avaliativo inerente à observação de aulas num só avaliador é, no meu entendimento, incorrecto, todavia, se esse é o caminho que se pretende seguir, então é condição imperativa que esses avaliadores tenham cumulativamente: formação especializada de nível superior em avaliação de professores e grande experiência profissional. (E a experiência profissional não é, por exemplo, ter assistido a duas aulas no modelo de Rodrigues, como o recente despacho normativo n.º 24/2012 prevê. A falta de decoro chega a este ponto: considera-se um «rigoroso requisito de experiência profissional» a circunstância de, sem qualquer formação ou preparação, um professor ter sido empurrado a observar duas aulas de um colega, no contexto da bagunçada do modelo de pseudo-avaliação de Rodrigues e Alçada. Por outras palavras: ter participado naquilo que foi justamente apelidado de monstro kafkiano (e de comprovadamente ser um modelo incompetente e sem seriedade) é agora visto como um atestado de «rigoroso requisito de experiência profissional»);
b) Avaliadores que exerçam um acompanhamento regular do desempenho dos professores avaliados ao longo do período em avaliação.
Este acompanhamento regular é condição necessária para que o exercício da avaliação seja, em primeiro lugar, formativo e só depois, decorrente daí, sumativo. É condição necessária para que possa realizar-se um trabalho minimamente sério e credível. (E jamais, como tem sido feito e continuará a ser, um exercício avaliativo que se realiza através de duas visitas de 90 minutos num espaço de tempo de quatro anos).
2. A segunda hipótese exige outro modelo de avaliação do desempenho docente, sobre o qual tive oportunidade de escrever aqui, aqui, aqui e aqui.
O que não pode acontecer, seja qual for a circunstância, é o que está a acontecer: assentar a avaliação dos professores em falsidades ou em revestimentos formais, relativamente aos quais não corresponde nenhuma substância, como é o caso da grotesca afirmação exarada no despacho que referi: «a legitimidade e competências dos avaliadores externos são asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional».
(Continua)