Para a concepção avaliativa que está na moda e que tem dominado a última década, avaliar significa quantificar. Para esta concepção, uma avaliação que não quantifique não é uma verdadeira avaliação. Uma avaliação que não caiba numa folha de Excel torna-se ininteligível, inoperacionalizável, isto é, torna-se inútil. O desenvolvimento desta cultura que identifica a avaliação com quantificação assenta numa ingenuidade provinciana: a impossibilidade de uma avaliação objectiva ultrapassa-se atribuindo quantidades às qualidades. Não interessa que essa atribuição só possa ser realizada por um acto ele próprio subjectivo, o que interessa é que a aparência numérica esconde essa subjectividade, que, em muitos casos, é subjectividade mais arbitrariedade. O que verdadeiramente interessa é que o acto avaliativo tenha, na sua aparência, a «credibilidade» que um número transmite, tenha a «segurança» que um número sugere, tenha o «rigor» que um número supõe.
O recente despacho n.º 13981/2012 do Gabinete do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar é um exemplo delicioso desta cultura naif, obcecada pela «excelização» do acto de avaliar.
Alguns exemplos.
O n.º 2, do Art.º 2.º diz que: A avaliação da dimensão científica e pedagógica é composta por uma componente interna e uma componente externa que correspondem a 60 % do valor obtido no resultado final da avaliação do desempenho do docente.»
O n.º 3, do mesmo artigo, acrescenta que: «a avaliação externa da dimensão científica e pedagógica realiza-se através do processo de observação de aulas [...], [cuja] ponderação é de 70 % na avaliação global da dimensão científica e pedagógica.»
O Art.º 4.º, por sua vez, discrimina que: «a avaliação externa da dimensão científica e pedagógica efetua-se com base nos parâmetros "científico" e "pedagógico", com igual ponderação de 50 % na sua classificação final.»
A seguir, o Art.º 5.º, define, no seu n.º 1, que: «O parâmetro científico reporta-se aos conteúdos disciplinares que o docente leciona e representa 40% da percentagem prevista no n.º 3 do artigo 2.º.»
O n.º 2 do mesmo artigo determina adicionalmente: «o parâmetro científico integra ainda conhecimentos de língua portuguesa que enquadram e agilizam a aprendizagem dos conteúdos disciplinares que representam 10 % da percentagem prevista no n.º 3 do artigo 2.º.»
O artigo que se segue, o 6.º, não ficando atrás, enuncia, no seu n.º 2, que: «Os elementos didáticos [que fazem parte do parâmetro "pedagógico"] representam 40 % da percentagem prevista no n.º 3 do artigo 2.º [...].»
O mesmo artigo, mas agora no seu n.º 3, explicita que: «os elementos relacionais [que também fazem parte do parâmetro "pedagógico"] representam 10 % da percentagem prevista no n.º 3 do artigo 2.º [...].»
Para finalizar, o Art.º 8.º, no seu n.º 1, especifica que: «a classificação do desempenho de cada docente resultante da observação de aulas realizada pelo avaliador externo efetua-se numa escala de 1 a 10 valores.»
Portanto, a avaliação da dimensão científica e pedagógica vale 60% da avaliação global do desempenho. A avaliação externa destas duas dimensões, realizada através da observação de aulas, pesa 70%, naqueles 60% (os restantes 30% da avaliação das duas dimensões são apurados pelo avaliador interno). O parâmetro científico e o parâmetro pedagógico têm, cada um, a ponderação de 50%. O parâmetro científico subdivide-se em conteúdos disciplinares e em conhecimentos de língua portuguesa. Os conteúdos disciplinares (presume-se que seja o seu domínio científico) valem 40%, dos 70% (que são o peso da observação de aulas), e os conhecimentos de língua portuguesa têm uma ponderação de 10%, dos mesmos 70%. Depois temos o parâmetro pedagógico que se subdivide em: elementos didácticos e em elementos relacionais. Os elementos didácticos pesam 40% e os elementos relacionais 10%, ambos relativos aos 70% (observação de aulas). No final, tudo isto deve ser traduzido num número mágico, de 1 a 10.
Programar estas percentagens na folha de Excel, introduzir os algarismos nos quadradinhos e, por fim, ver que resultado vai surgir na coluna do «total» constituirão, para alguns, momentos de singular enlevo.
A encenação quantitativa está, pois, montada, para fruição de mentores e prosélitos. A muita ou pouca seriedade, fiabilidade e fidelidade que toda esta encenação envolve é uma parte que, a mentores e prosélitos, misteriosamente já não interessa.
(Continua)