segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Resgatados

Acabei de ler Resgatados, de David Dinis e Hugo Filipe Coelho – oferta de um bom amigo. Trata-se de um livro que, a partir da recolha de diversos testemunhos dos principais protagonistas dos acontecimentos, constrói uma narrativa, ora romanceada ora factual, do período que antecedeu o nosso último resgate financeiro.
Para além do interesse de um ou outro facto revelado e da interpretação dos estados de alma dos intervenientes — cuja subjectividade não é devidamente explicitada pelos autores —, Resgatados dá-nos a confirmação de uma realidade confrangedora e acima de tudo assustadora: as nossas elites políticas e financeiras são, utilizando a linguagem popular, «um bando de garotos». Da absoluta irresponsabilidade e megalomania de Sócrates ao despudorado oportunismo e à impreparação de Passos Coelho, passando pela obscena hipocrisia dos banqueiros, há de tudo e vale tudo nos meandros do poder.
Desequilibrado e incompetente como sempre foi, Sócrates conduziu o país à bancarrota e, todavia, recusou com afinco, até ser atraiçoado por Teixeira dos Santos, formular o pedido de ajuda financeira (segundo fonte comunitária, os cofres do Estado tinham apenas 300 milhões de euros, a poucas dias de ser necessário amortizar 4,5 mil milhões). 
Oportunista e sem ter a mais leve noção da realidade, Passos Coelho mentiu sistematicamente: desde ter afirmado que apenas tinha recebido um telefonema a avisá-lo do PEC IV, quando esteve pessoalmente reunido com Sócrates em S. Bento, até à desavergonhada série de promessas com que a todo o momento enganava os portugueses, para se distanciar do governo socialista.
Governo socialista que era uma nave de loucos, onde as três principais figuras (primeiro-ministro, ministro das Finanças e ministro dos Negócios Estrangeiros) há muito já não se entendiam; onde um ministro era substituído, em reuniões internacionais, por assessores do primeiro-ministro; onde os representantes de Portugal na União Europeia afirmavam posições contraditórias, consoante fosse o  ministério de onde provinham, etc.
O livro termina com o pornográfico discurso de Sócrates ao país a anunciar o que o conteúdo do memorando assinado com a troika «não tinha». O pornográfico discurso em que a Sócrates só lhe faltou «pular de contente» (expressão de Teixeira dos Santos), apesar de saber que estava a enganar os portugueses.
O excerto que se segue é esclarecedor:
«O primeiro-ministro chamou-os [aos assessores] ao seu gabinete para lhes dizer que o acordo [memorando da troyka] seria fechado nas horas seguintes, que ia fazer uma declaração e que já tinha uma ideia para o discurso.
"É muito simples, começa pelo que o acordo não tem. É ler as manchetes dos últimos dias."
Essa seria a tarefa deles. Recolher os títulos da imprensa que tinham falhado o alvo. Os assessores torceram o nariz. Víctor Escária também. Só uma pessoa no gabinete acompanhava a estratégia com evidente entusiasmo. Era José Almeida Ribeiro.
"O que interessa é o que é dito primeiro e com grande impacto – tudo o que vem a seguir é ruído."»
Fomos e somos governados por gente assim. Destas elites ainda não fomos resgatados.